O Padrasto 1 romance Capítulo 12

Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.

Carlos Drummond de Andrade

Depois de insistentemente suplicar a ela que me acompanhe ao luau, ela cede com a condição de se vestir como quiser, como se sentir bem. Claro que faço a minha parte e cedo também, esse é o primeiro passo para a mudança. Não é esse o objetivo da vida? Aceitarmos uns aos outros com as suas diferenças? Mesmo que não concordemos com a maneira do outro de viver, nós devemos respeitar.

E é assim que vejo a minha mamãe sair com um longo vestido de alça em seda vermelho. Linda e elegante, a mulher que me deu a vida, e mesmo com todos os defeitos, eu a amo mais que tudo nesse mundo. Em comum acordo, nós seguimos a pé até o local do evento. A noite está agradável, as pessoas vestidas a caráter seguem como em uma caravana em direção ao local onde acontece o luau. Chegamos ao quiosque e percebemos que já está bastante movimentado — algumas pessoas sentadas em grupos, outras bebendo e conversando descontraídas.

Para quem não estava muito contente em participar do evento de nível duvidoso, segundo Katherine Thompson, ela está bastante animada. Eu a deixo com Christopher se acomodando em uma das mesas temáticas em formato de tubarão, enquanto me dirijo para o balcão.

— Cheguei! — grito ao me aproximar.

Eu bato a mão com força no balcão em formato de canoa e assusto Ária, que está distraída preparando algo. Ela dá um pulo para trás e leva as mãos ao peito. Eu não consigo evitar e acabo gargalhando ao ver o assombro estampado em seu rosto bronzeado pelo sol.

— Está querendo me matar do coração, Julha? — diz antes de cair na risada também.

— Desculpe, Ária, mas eu não resisti. Quando eu a vi de longe tão concentrada em seus afazeres, não me contive em fazer essa travessura — digo entre gargalhadas.

— Você não tem jeito, menina, continua a mesma. — Ri após o susto, balançando a cabeça de um lado para o outro.

— Eu quero que me desculpe. — Eu me sento no banco em frente ao balcão e percorro rapidamente os olhos pelo ambiente em busca de Christopher e mamãe. Eu os encontro acomodados perto de onde começa a formar uma roda em volta de dois rapazes que tocam afinadíssimos “Lazy Song”.

— Está desculpada — diz, enquanto retoma os seus afazeres.

— Eu achei que não viria mais.

Eu olho por cima dos meus ombros, na direção de onde veio a voz, e reconheço no mesmo instante. Dylan. Ele se aproxima com uma bandeja em formato de canoa. Eu me levanto e me viro para o homem, que abre os seus braços com um largo sorriso nos lábios. Eu lhe dou um forte abraço e um beijo em seu rosto.

— E você acha que eu perderia a chance de matar a saudade dos velhos tempos? — Eu me afasto do seu abraço, que é sempre caloroso, e volto a tomar meu lugar.

— O que quer beber? — pergunta Ária, solícita.

— Um refrigerante, por favor.

— É pra já, mocinha. — Ela vai até a geladeira e pega uma garrafa coberta por uma fina camada branca de gelo, então a coloca embaixo da torneira aberta antes de secar, abrir e me entregar.

— Obrigada — agradeço. Eu pego dois canudos, coloco dentro da garrafa e bebo um generoso gole, que desce rasgando pela minha garganta. — Delícia — sussurro.

— Trouxe convidados com você?

Eu olho para Ária, que está com os olhos na direção de onde mamãe está com Christopher com uma expressão que não é das melhores. O ciúme golpeia o meu corpo ao ver mamãe acariciar o mesmo rosto que por tantas vezes eu acariciei. Não sei exatamente por quanto tempo fico observando mamãe o encher de carinhos, enquanto Christopher parece desconfortável com aquela situação.

— Eles estão muito apaixonados — Dylan diz.

— Em certos momentos eu me pergunto por que você não fica com a boca fechada. — Ária, ao perceber o meu desconforto, não perde tempo em o advertir.

— Mas o que foi que eu fiz? — pergunta o pobre homem, confuso.

— Vá, vá atender a mesa dois patinhos na lagoa.

— O que deu em você hoje, mulher?

— Vá logo, não deixe os clientes esperando — diz a mulher, empurrando o homem.

Eu olho para a mulher à minha frente, que rapidamente tira o avental amarrado na cintura e joga sobre a bancada. Ela sai de trás do quiosque e se aproxima de mim, puxando um banco para se sentar ao meu lado.

— Desculpe o Dylan, ele não fez por mal. Sabe como os homens são avoados. — Ela faz um gesto no ar com as mãos.

— Está tudo bem — digo, com um tom de voz entristecido, e dou mais um generoso gole em minha bebida.

— Você sabe que não precisa estar com eles, não sabe? — Ela me encara com um olhar terno.

— Sim, eu sei, mas está tudo bem, eu vou sobreviver. Afinal, ela é minha mãe e eu tenho que torcer por sua felicidade, não é mesmo?

Mesmo que isso custe a minha felicidade.

— Claro, mas é ele? — indaga.

— O que tem ele? — Finjo não entender a sua pergunta.

— Você disse que ela é sua mãe, e mesmo sabendo o quão cretina ela é — ela aperta os lábios, formando uma linha fina ao se arrepender das suas duras palavras — você a ama mais do que a sua própria vida. Mas e ele, o que ele significa pra você?

— Ele... — Com os olhos fixos onde está mamãe e Christopher, procuro as palavras certas para não revelar o que sinto por ele. Eu sei o quanto Ária não suporta mamãe, e ela tem os seus motivos, mas isso não me dá o direito de desejar o marido dela. Eu não sei qual será a reação dela se eu lhe contar o que ele desperta em mim. — Ele... ele é intruso — gaguejo e digo apenas para encerrar o assunto. Não quero que ela continue com suas perguntas e consiga fazer com que eu revele o que prefiro deixar reprimido.

Eu tomo o último gole da minha bebida sob o seu olhar desconfiado, deixo a garrafa em cima do balcão e, antes de sair para me juntar à mamãe e a Christopher, peço que ela leve algumas bebidas para a nossa mesa. Ela assente com a cabeça, enquanto saio sob o seu olhar inquiridor.

— Está gostando, mãe? — digo ao me aproximar.

— Pensei que poderia ser pior, mas está sociável.

— Mãe — eu a repreendo.

— O que foi que eu falei? — Ela finge inocência. — Você me trouxe aqui pra me abandonar. — Ela se levanta e vem em minha direção, então me envolve em um abraço carinhoso. — Você é como seu pai. — Nós nos afastamos do abraço e eu inclino a cabeça levemente para o lado sem compreender o que ela quis dizer. — Vocês gostam de estar entre a plebe.

— Mãe, por favor, não começa — digo, reprovando o seu comentário infeliz.

— Prometo me controlar — diz, sem deixar visível a provocação ao ver que Ária se aproxima trazendo nossas bebidas.

— Obrigada, Ária — agradeço, dando-lhe um beijo no rosto.

— Não por isso, querida.

— Boa noite, Ária, como está?

Ária termina de colocar as bebidas sobre a mesa e, em seguida, encara a mamãe com cara de poucos amigos.

— Estou bem e, dona alteza... Er. — Ela limpa a garganta. — Katherine. — As duas mulheres se olham com desprezo. É nítido que se detestam.

— Você não mudou nada nesse último ano, continua a mesma. — Não gosto do rumo que essa conversa está tomando.

— Obrigada mais uma vez, Ária. — Eu me levanto e vou em direção à mamãe, enquanto me deixo levar pela boa música.

— Com licença. Se precisarem de mais alguma coisa estou à disposição — ela diz e sai em seguida.

— Vem, mãe, vamos dançar. — Eu a puxo pela mão, fazendo-a se remexer junto a mim.

Depois de mamãe e eu dançarmos mais algumas músicas, eu vou até o balcão pegar umas bebidas e percebo que um dos garotos que estavam tocando se aproxima e para ao meu lado, esperando para ser atendido.

— Você dança muito bem — diz gentilmente o belo rapaz de olhos e cabelo castanho-escuros. A pinta que ele tem no lado direito do seu queixo dá um charme.

— Obrigada! — agradeço com um sorriso tímido dançando em meus lábios. — Eu quero parabenizá-lo, você toca muito bem — digo com sinceridade.

— Gentileza sua, mas agradeço o elogio. — Ele sorri. E que sorriso lindo.

— Julha, está aqui o seu pedido. — Dylan coloca as bebidas sobre o balcão.

— Obrigada, Dylan.

— Quer que eu a ajude?

— Não, eu consigo levar sozinha, mas agradeço a gentileza. — Faço um pequeno gesto em reverência.

— Como quiser. — Ele volta a sorrir, gentil. — Foi um prazer.

Volto minha atenção para o jovem, que sorri com seus dentes brancos bem alinhados.

— O prazer foi meu. Sou Julha. — Estendo a minha mão para um cumprimento.

— Stefan. — Ele se aproxima e me cumprimenta com um beijo no rosto. O seu perfume levemente adocicado entra em minhas narinas e perturba os meus sentidos. — O prazer é todo meu, Julha. — Meu nome dança em seus lábios de uma forma sensual.

Rapidamente, eu saio e volto para a mesa de mamãe e Christopher, que me encara com uma expressão dura.

— Dança comigo, meu amor? — mamãe pede, e ele, sem desviar seu olhar de mim, assente com a cabeça em concordância.

Eu respiro aliviada, não sei mais por quanto tempo ainda suportaria ter o seu olhar acusador sobre mim. Enquanto tomo outra garrafa de refrigerante, fico sentada com meus olhos traidores indo na direção de mamãe, que está nos braços de Christopher. Pela primeira vez, vê-los tão descontraídos faz com que eu não sinta ciúme ou raiva por estarem juntos, estou apenas feliz por eles. Às vezes, eu me pergunto se mamãe realmente amou o meu pai como ama Christopher, se realmente foi feliz como demonstra ser agora. Eu lamentaria se essa verdade um dia caísse sobre a nossa casa. O meu papai foi um excelente pai e marido maravilhoso, mas no coração nós não mandamos e eu não a julgo por isso.

Quando sinto alguém se aproximar, eu olho por cima do meu ombro e vejo Stefan, o rapaz com quem troquei algumas palavras minutos atrás.

— Quer dançar comigo?

Eu olho para a mão dele estendida em minha direção e não me faço de rogada, eu a aceito. Na pista improvisada, eu coloco minhas mãos em seus ombros enquanto ele coloca as dele em minha cintura e iniciamos curtos passos de um lado para o outro. O silêncio que havia se instalado entre nós tendo como trilha sonora a música de fundo é quebrado por sua voz levemente rouca.

— O que uma jovem tão bonita faz sozinha em uma linda noite de verão?

— Eu não estou sozinha. Vim com a minha mãe e o meu padrasto em uma viagem de família para nos despedirmos do verão — brinco.

— Você entendeu o que eu quis dizer.

— Sim, eu sei. Eu só estava brincando com você.

— Ah, então você é brincalhona?

— Às vezes.

— Dê onde você é?

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