A vida é um constante recomeço.
Não se dê por derrotado e siga adiante.
As pedras que hoje atrapalham sua caminhada
amanhã enfeitarão a sua estrada.
Autor Desconhecido
Hoje será um grande dia. Após tantas tentativas frustradas, eu deixo o meu medo de lado e tomo coragem de contar para a mamãe a minha decisão de me mudar para Vegas e que não tenho previsão de retornar para Nova Iorque, se é que algum dia eu retornarei. Eu não posso mais adiar essa conversa. O dia do baile está se aproximando e eu pretendo partir logo em seguida. Ao deixar tudo resolvido, evitarei maiores consequências, se é que isso é possível. Eu conheço bem Katherine e já imagino como vai ser a sua reação. Eu respiro fundo, toda a tensão que esse jantar em família me causará percorre o meu corpo.
Faz algum tempo que eu venho fugindo, evitando esse confronto com a mamãe. Em minhas conversas com a vovó ao telefone, ela tem me pressionado a contar para minha mãe sobre a minha partida, e isso tem me deixado ainda mais aflita. Sei que vovó tem motivos para querer isso resolvido o quanto antes, eu não a julgo, estou ciente que ela aguarda ansiosamente há muitos anos por esse momento. Eu também desejo poder abraçá-la, sentir o seu cheirinho gostoso de café e me desculpar pessoalmente por ter permitido que mamãe me mantivesse distante todo esse tempo.
Estou nervosa, minhas mãos geladas, suando frio. Esperei tanto por esse momento, e agora estou a um passo de ter uma síncope de tanta ansiedade. Dói saber que eu a magoarei mesmo sem ter essa intenção, mas tentei de todas as formas evitar que isso acontecesse, só que eu não consegui, falhei miseravelmente. Meus olhos marejam e meu peito aperta em aflição. Espero que ela algum dia possa me perdoar e compreender que fiz tudo isso pelo amor que sinto por ela, pelo que ela representa para mim. Deslizo as mãos em meu rosto para secar as lágrimas, que só agora percebi que estão deslizando pelo meu rosto.
Dentro do banheiro, eu fico dividida entre os meus pensamentos e terminar de me vestir para me juntar com a mamãe e com Christopher na sala do jantar. Assim que estou pronta, atendo a porta do quarto ao ouvir alguém batendo insistentemente.
— Oi, Ada — digo, ao abri-la e encontrar minha Adinha, uma das pessoas mais importantes da minha vida e por quem tenho um enorme carinho.
Eu observo a sua imagem rechonchuda, sua pele negra é como uma linda noite de luar. Coberta pelo uniforme de trabalho que a acompanha há muitos anos, ela me brinda com um largo sorriso nos lábios, deixando visíveis os seus dentes bem-cuidados e branquinhos como algodão.
Eu me pergunto como pude decepcionar a pessoa que dedicou sua vida para cuidar de mim. É isso que vem me matando todos os dias, saber que sou a causadora do sofrimento das pessoas que tanto amo. Sinto-me ferida, como se um punhal estivesse cravado em meu peito.
— Oi, minha menina! — ela diz, eufórica, me despertando do meu devaneio. O sorriso continua em seus lábios, iluminando o seu rosto.
— Está tudo bem, Ada? — eu pergunto, ligeiramente desconfiada.
Não me surpreende essa alegria que ela emana. Eu a conheço tão bem, que através do seu olhar percebo quando está com raiva por uma travessura que cometi. Sempre que está para me dar bronca, Ada semicerra os olhos, e quando está feliz, como agora, seus olhos se abrem levemente e carregam um brilho diferente.
Qual será o motivo de tanta alegria?
— Claro, minha menina, está tudo bem. — Sinto a sinceridade em sua voz. — Só vim avisar que o jantar será servido em alguns minutos, minha querida.
— Ah, claro. Obrigada, Ada, eu já estou descendo — digo, retribuindo o sorriso em agradecimento.
— Está bem, minha menina. Mas não demore, você sabe como sua mãe é com horários quando está em casa, então não cause problemas, minha querida — ela me alerta. Sei que faz isso por se preocupar comigo, mesmo que eu não mereça.
— Aargh! Não se preocupe, Ada, eu sei o quanto minha mãe é hipócrita — cuspo as palavras antes de soltar um suspiro pesado.
— Julha, por favor, não vá arrumar confusão com a sua mãe. Você não vive reclamando que ela nunca está em casa? — Dou de ombros e encosto a cabeça no batente da porta, observando-a mover lentamente seus lábios volumosos enquanto me dá um sermão. — Aproveite esse momento em família tão raro, minha querida.
— Então diga para o marido dela para não se sentar à mesa conosco, ele não faz parte da família — digo entredentes.
— Julha! — ela me adverte, balançando a cabeça em negação.
— Pode ficar tranquila, Ada, farei o possível para que seja um jantar calmo, sem muitas surpresas — digo sem muita convicção. Eu me aproximo dela e dou um beijo em sua testa. — Fique tranquila — volto a dizer após me afastar dela.
— Assim eu espero, minha menina. Não demore — ela diz, se vira e sai.
(...)
— Boa noite — digo, enquanto me arrasto até o meu lugar à mesa do jantar.
— Boa noite, querida — mamãe retribui o cumprimento com um largo sorriso nos lábios. Sua voz soa suave, fazendo com que eu fique em alerta e ainda mais desconfiada de que algo esteja acontecendo.
Meu corpo estremece tamanha ansiedade que sinto. Rapidamente direciono os olhos para o rosto de Christopher levemente corado. Ele não me deixa decifrar sua expressão, apenas me observa.
— Como anda os preparativos para o baile, minha querida? — mamãe quebra o silêncio sepulcral que se instalou entre nós antes de tomar um generoso gole de água.
Água? Mamãe está bebendo água? Logo ela, uma amante de uma boa garrafa de vinho francês.
O que está acontecendo com as pessoas dessa casa?
— Não tem muito o que preparar, mãe. — Dou de ombros, tentando evitar que ela toque em um assunto que tem pouca importância neste momento.
— Como não tem muito o que preparar? — pergunta, com uma expressão de espanto em seu rosto. — Não se fazem mais adolescentes como antigamente. — Mamãe balança a cabeça em sinal de negação. — Na minha época, as garotas estavam enlouquecidas sem saber que vestido usar, qual sapato iria combinar com o vestido, maquiagem e penteado e, por último, mas não menos importante, qual garoto a convidaria para o baile — diz, toda cheia de si, fechando os olhos ao se recordar do momento.
Para mamãe, tudo isso pode ter sido importante, não que para mim não seja, afinal, é o baile da minha formatura. Mas não é tão importante que me faça perder o sono por estar preocupada com roupas e sapatos.
— Como você disse, estamos em outra época, mãe — digo, para que fique claro para ela que não estou disposta a ceder o que quer que seja que ela tenha em mente.
— Está bem, eu já entendi. — Ela levanta as mãos em sinal de rendição. — Mas você é uma Thompson, minha querida, deveria pensar diferente — diz, desdenhosa.
— Desculpe decepcioná-la, Katherine Thompson, mas eu realmente não penso como você.
Ela me encara com os olhos semicerrados, deixando claro que reprova a minha atitude.
— Não é uma crítica — ergo as mãos em sinal de rendição —, mas eu tenho coisas mais importantes com o que me preocupar. — Dou de ombros.
— Você tem razão, filha, me desculpe.
Rapidamente, olho em sua direção, surpresa com o que acabei de ouvir.
Tem algo muito errado nessa casa.
— Eu já deveria saber o quanto somos diferente, mas isso não impede que eu sinta muito orgulho de você, afinal, em breve você vai para a faculdade e me dará muito mais orgulho e...
Agora é o momento.
— Sobre isso que eu quero conversar com você, mãe.
Ela me olha com uma expressão curiosa, enquanto Christopher volta a sua atenção para mim. A minha pulsação acelera ao perceber o cenho franzido e um vestígio de preocupação dançando em seu olhar. Ada entra trazendo a sobremesa e, minutos depois, sai silenciosamente.
— O que de tão importante você tem pra me dizer? — mamãe pergunta enquanto se serve de uma fatia de torta de limão.
Com a pulsação acelerada e as mãos trêmulas, eu limpo minha boca com o guardanapo. Este é o momento ideal para contar a ela dos meus planos, mesmo sabendo que ela não receberá a notícia tão bem como eu gostaria, mas as palavras desaparecem.
— Julha, o que está acontecendo? — ela pergunta após dar uma garfada em sua torta. Depois de limpar os lábios com o guardanapo, mamãe apoia os cotovelos na mesa e descansa o queixo em suas mãos, esperando uma resposta para as suas perguntas silenciosas.
Com a respiração ofegante, engulo em seco. Por Deus, isto está sendo mais difícil do que eu imaginava.
— Vamos lá, querida, timidez não combina com você.
Eu não sei o que ela quer dizer com isso, mas não gosto do sorriso irônico que vejo crescer em seus lábios enquanto me encara com as sobrancelhas arqueadas.
O silêncio sepulcral se instala entre nós novamente. As palavras não saem e toda a coragem que eu havia nutrido durante o dia se esvai.
— Tudo bem, querida, quando se sentir à vontade de contar, eu serei toda ouvidos — ela bufa, visivelmente cansada, antes de tomar um generoso gole de sua água. Depois de descansar o copo sobre a mesa, ela limpa os lábios com o guardanapo e volta a dar o mesmo sorriso de quanto entrei na sala. — Agora — ela volta a sua atenção para Christopher, que mantém os olhos atentos em mim, e estende uma das mãos na direção dele, que a pega. Submisso. — Christopher e eu queremos lhe contar uma novidade, não é mesmo, meu amor?
— Vocês querem me contar uma novidade? — Olho de mamãe para Christopher, que me encara parecendo incomodado.
Por que tenho a sensação de que não gostarei nada do que irei ouvir?
— Pode ser em outra hora. — Christopher se esquiva.
Com o maxilar cerrado, eu me obrigo a olhar para ele e ranger os dentes como um animal furioso.
— Então vamos lá, podem contar. Estou realmente muito curiosa. — Arqueio uma sobrancelha com um sorriso irônico nos lábios.
— Por mim tudo bem, se você prefere assim, querida. — Mamãe olha para Christopher e depois para mim. A sua expressão é triste, fica visível que ela contou as horas do dia para chegar a este momento e revelar para mim o que parece ser de extrema importância.
— Pode contar, mãe. Agora sou eu quem está bastante curiosa. — Com um sorriso irônico nos lábios, encaro um Christopher bastante irritado.
— Está bem. — Ela olha para Christopher, que ainda tem a sua mão entrelaçada com a dela. Eu sei que não deveria, mas é inevitável o incômodo que esta cena me causa.
— Eu sei que não tenho mais idade para isso, que a probabilidade de uma mulher da minha idade engravidar é quase nula por muitos fatores, mas aconteceu. Eu não planejei nada, quer dizer, nós não planejamos. — Ela aponta o dedo para ela e Christopher. — Mas aconteceu, filha, nós estamos grávidos e...
— Gra... grávida? — Suas palavras me pegam de surpresa, então pergunto mais para mim do que para ela.
Ela assente com a cabeça, visivelmente emocionada, enquanto eu estou em estado de choque. Um misto de sentimentos percorre o meu corpo. Sinto o ar faltar e meus olhos arderem com as lágrimas não derramadas. Em outra situação, eu estaria feliz com essa notícia, tenho certeza disso. Sempre desejei ter um irmão ou uma irmã, uma criança que eu pudesse mimar e depositar todo o meu amor e carinho, mas nunca pensei ou desejei que seria nessas condições. Saber que Christopher é o pai dessa criança não me deixa tão feliz como eu deveria me sentir.
Céus, estou tão decepcionada. Como ele pôde fazer isso? Ele prometeu seu amor para mim, disse que lutaria ao meu lado para que ficássemos juntos. Estou confusa, chocada, e um misto de sentimentos me castiga. O meu corpo arde, queima, agora tenho certeza que estou fadada a viver amando um homem que é proibido para mim.
Com os olhos embaçados pelas lágrimas não derramadas, volto a minha atenção para o marido da minha mãe, que covardemente está de cabeça baixa, evitando o contato visual.
Como você pôde? Por que disse me amar se não existia tal sentimento? Como eu pude ser tão idiota?
Ada tinha razão, eu só fui mais uma em sua cama. Estou atordoada, minha cabeça está tão confusa que não sei o que dizer e o que pensar. Todo esse tempo eu o amei e, na verdade, ele só me usou em seus lençóis, mas a culpa é minha por ter me envolvido, por ter me entregado, por ter amado demais.
Eu o amo, e muitas vezes Christopher se declarou para mim, mas depois de ter recebido essa notícia, já não sei se o que ele disse sentir é verdade. Não consigo mais segurar e uma lágrima solitária desliza pelo meu rosto. Rapidamente, eu levo a mão para a pele aquecida da maçã do meu rosto, secando-a.
Julha, eu sinto muito. Meu demônio interior se compadece da minha dor. É deprimente.
De repente, a dor de dizer adeus não machuca tanto quanto a notícia que acabei de receber. Eu não sei se algum dia irei superar este momento.
— Filha, você não vai dizer nada?
Mamãe me traz de volta à realidade, não sei por quanto tempo esteve buscando a minha atenção. Por um breve momento, eu havia me esquecido de onde estava. Encaro a minha mãe, que tem um lindo sorriso em seus lábios.
Dizer? O que eu poderia dizer quando ela me olha com um enorme sorriso em seu rosto, esfregando na minha cara a sua felicidade?
Devo dizer que estou feliz por ela estar esperando o meu irmão? Sim, estou feliz, mas ao mesmo tempo estou triste por esse filho ser fruto do amor entre ela e Christopher Cloney, o homem que despertou em mim o mais puro dos sentimentos, que me fez sentir algo que nenhum garoto chegou nem perto. Eu me odeio por sentir isso, odeio por desejar estar em seu lugar. Agora não me resta mais dúvidas que eu o perdi para sempre, se que ele foi meu em algum momento.
— Julha? — Sou surpreendida com o tom alterado em sua voz.
— Me desculpe, mãe. — Volto o meu olhar para o dela. — Eu fiquei surpresa, não imaginei que vocês estavam planejando ter um bebê e que... — tento dizer alguma coisa bonita que deve estar escondida atrás da minha tristeza, mas não consigo completar. Volto a minha atenção para Christopher, o traidor que me encara com os olhos avermelhados pelas lágrimas não derramadas. Percebo em seu olhar um pedido de perdão silencioso.
— Nós não planejamos nada, e sim, eu também imaginei que não era possível. O mais engraçado nisso tudo é que logo eu, que sempre fui ateia, tenho que admitir que se Ele realmente existe, fez um milagre em minha vida. — Sinto a ironia em sua voz. Ela não está falando sério. — É uma gravidez delicada por conta da minha idade, eu sei, mas o meu médico disse que se eu tomar todas as precauções... — diz, com sua atenção voltada para mim.
A partir desse momento eu não ouço mais nada sair da sua boca, simplesmente bloqueio a tempo de impedir que a minha audição seja acometida por palavras desagradáveis que dali sairão. E antes que ela note que a minha irritação não é somente pela notícia de uma simples gravidez, eu me levanto da mesa sem o costumeiro pedido educado de licença, jogo o guardanapo ao lado do prato e, sem controlar a fúria que corrói como ácido em minhas veias, digo sem pensar:
— Mas convenhamos, se estivessem se prevenindo, isso não teria acontecido.
Mamãe se levanta em seguida, enquanto Christopher se mantém em seu lugar, me olhando com uma expressão assustada.
— Eu... eu não sei o que dizer. — Passo as mãos nos meus cabelos, exasperada, e caminho de um lado por outro na sala, que se tornou pequena demais para nós três. —Eu deveria ficar feliz por você, mamãe, feliz por ter um bebê em casa, por ter um irmãozinho, mas... — a minha voz soa embargada. Lágrimas deslizam pelo meu rosto sem controle, e quando eu me dou conta da loucura que estava prestes a cometer, eu paro e a encaro, envergonhada por me comportado como uma criança mimada.
— Julha, o que está acontecendo com você? — Ela caminha em minha direção e para na minha frente. — Filha, me escute.
Desvio o olhar, só consigo me concentrar em Christopher. Ele se levanta da cadeira em que esteve todo o tempo apenas nos observando e dá um passo em nossa direção, mas ao se dar conta da besteira que iria cometer, ele para.
— Julha — ele começa —, eu quero que você saiba que nem eu e nem a sua mãe planejamos isso...
Volto a minha atenção para minha mãe. Minha respiração se torna ofegante e minha cabeça lateja ao mesmo tempo em que meus olhos se enchem de lágrimas. Como em uma cena de filme, tudo o que aconteceu em minha vida desde a partida de papai passa em minha mente.
Atordoado, ele parece esquecer que não estamos sozinhos ao dar mais um passo em minha direção.
O que ele está fazendo? Eu preciso pará-lo agora.
— Você não tem que se preocupar comigo, Christopher, só fui pega de surpresa. Vocês não precisam me dar nenhuma explicação — cuspo as palavras.
Estou furiosa com ele, e qualquer tentativa de aproximação neste exato momento pode desencadear uma guerra que deixará muitos feridos.
— Julha, nós podemos explicar — ele insiste e tenta se aproximar, mas eu recuo.
— Christopher, ela já disse que entende. Não precisa insistir — mamãe intervém.
— Ouça a sua esposa, Christopher. — Dou um sorriso irônico e volto a minha atenção para ela, que mantém um largo sorriso nos lábios. — Parabéns, mamãe, desejo que o meu irmão, ou irmã, venha com muita saúde e lhe dê muita alegria. — Eu me aproximo dela e a envolvo em um abraço forte.
— Obrigada, filha — sua voz soa embargada. — Você sabe que a sua aceitação é muito importante pra mim, não sabe?
— Sim, eu sei, mamãe. Estarei sempre ao seu lado, mesmo não estando presente. — Eu volto a abraçá-la, mas meus olhos estão em Christopher.
— Me perdoe — ele balbucia. Suas palavras me ferem ainda mais, fazendo as lágrimas deslizarem sem controle pelo meu rosto.
— Desejo que vocês tenham toda a felicidade do mundo. Vocês merecem. — Soluço ao sentir um aperto no peito, que dificulta ainda mais a minha respiração.
— Ah, querida! Você está emocionada.
Agora entendi o motivo da grande festa ontem. Ada, que agora se junta a nós na sala, dá um sorriso para mim. Ela sabia também. Como eu sou idiota, fui a última a saber. Como eu pude me deixar ser iludida por Christopher? Ele me enganou todo esse tempo, nunca sentiu nada, sempre mentiu. Não era amor, e sim desejo. Apenas me queria em sua cama e, como uma boba apaixonada, eu acreditei, cedi, me deixei ser envolvida. Eu destruí a minha vida, os meus sonhos, os meus planos por um amor que foi só meu. Estou devastada, em lágrimas, com o coração dilacerado. Não sei se em algum momento conseguirei restaurá-lo.
O que importa agora? Nada do que vivi tem importância. Eu tenho que seguir em frente, continuar como havia planejado. Mesmo que doa, devo seguir em frente sem olhar para trás. Agora isso é tudo que importa. Deslizo as mãos pelo meu rosto para secar as lágrimas que caem sem parar.
— Eu vou para o meu quarto, estou com um pouco de dor de cabeça — minto, e coloco uma mão em minha testa, dando um sorriso tímido com o canto da boca. O meu desejo nesse momento é me jogar na cama e deixar que toda a minha dor e decepção saiam em forma de lágrimas.
— Querida, você disse que tinha algo para me dizer. — Ela me encara com um largo sorriso nos lábios.
— Esquece, mãe. Diante dessa linda notícia da sua gravidez, o que eu tinha para dizer não tem importância — digo e me viro para sair, mas sou impedida por ela no mesmo instante.
— Não, filha, eu errei muito, sempre a deixei em segundo plano. Eu quero saber o que você tem pra me dizer. Eu quero ser sua amiga, querida.
Tarde demais para isso, mamãe, penso.
Preciso acabar logo com esse tormento e subir para o meu quarto. Eu já sei qual será a sua reação, mas nada me fará mudar de ideia. Ainda mais com a notícia da sua gravidez.
— Vamos, querida, o que você tem de tão importante para me dizer?
Fico em silêncio por alguns minutos sob o olhar atento dos dois, mas não posso me acovardar agora.
— Mãe, eu decidi fazer faculdade de administração — digo, olhando para os meus polegares que agora brincam um com o outro, fazendo círculos.
— Que ótima notícia, filha, isso merece uma bela comemoração. Ada, pegue um espumante e as taças que estão na cristaleira. Aquelas que eu trouxe da minha última viagem a Paris. Nós precisamos brindar, são tantas notícias boas. — Ela leva as duas mãos juntas na altura do queixo, como se estivesse rezando. — Seu pai ficaria tão orgulhoso de você, minha querida — fala sem parar.
Ada apenas me observa com um olhar reprovador antes de sair. Envergonhada, eu baixo os olhos. Ela me conhece o suficiente para saber que devo estar aprontando alguma. Mamãe agora está ao lado de Christopher, que me fita com os olhos semicerrados.
— Mãe, nós não precisamos comemorar — insisto, mas ela está relutante.
— Como não precisamos? — Ela me fita com o cenho franzido. — Claro que precisamos. Este momento é muito importante para nós, Julha. Depois de tudo o que passamos, de toda a dificuldade que você teve após a partida do seu pai para retomar os estudos, passar nos exames com louvor é um bom motivo para comemorar. E caso esteja preocupada com minha gravidez — ela passa as mãos sobre a barriga, visivelmente feliz — não precisa se preocupar, minha querida, eu não vou ingerir nenhuma gota de álcool. Mas isso não impede que nós brindemos. — Seu sorriso se abre para mim radiante, fazendo com que eu me sinta mais culpada.
— Mãe, me ouça, por favor — peço.
— O que está havendo com você, Julha? Você tem se comportado de maneira estranha. Eu gostaria que você me dissesse o que está acontecendo. Brigou com o namorado? Olha, se aquele garoto fez algo, eu...
— Mãe! — O tom da minha voz sai mais alto do que eu gostaria. Mamãe se cala e me olha com os olhos bem abertos. — Apenas me ouça e prometa que não vai me julgar?
— Vamos, menina, fale logo — fala com impaciência.
— Promete, mãe? — insisto.
— Tá, está bem. Eu prometo — ela diz, mas eu sei que foi apenas para me tranquilizar por um momento.
— Bom, mãe, como estava dizendo, eu tomei a decisão de cursar administração. Eu sei que em Nova Iorque tem grandes faculdades, eu poderia tentar em qualquer uma delas, mas depois de tanto pensar cheguei à conclusão que em Vegas também há grandes universidades, e eu me adaptaria facilmente e...
— Pare de rodeios, Julha. Diga o que tem em mente, estou esperando.
Eu não posso mais adiar, fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo. Ao abri-los, encontro os de Christopher em mim, que balança levemente a cabeça em um pedido mudo para parar por ali. Ele já sabe o que está prestes a acontecer.
Tarde demais, Christopher, penso.
Eu desvio o olhar do dele e encaro a mamãe, que me olha com cara de poucos amigos.
— Eu vou estudar em Las Vegas, mãe. Me mudar para lá me fará muito bem, irei crescer como pessoa e profissionalmente — digo com um fio de voz. Fico preocupada ao ver os seus olhos e os de Christopher bem abertos.
O ambiente fica em um silêncio total, por um momento eu me arrependo por ter dito. Minha mãe dá alguns passos para trás enquanto me encara de maneira acusatória, como se eu tivesse cometido algum crime.
— O que você está dizendo, Julha? — Ela me encara, incrédula.
— Mãe, eu decidi o que é melhor para todos nós.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Padrasto 1
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