Eu estou saindo do controle sim, eu sei,
devido a problemas pessoais que estou tendo em casa.
Estou machucando pessoas que não têm nada a ver com o que estou vivendo
no momento, e ninguém além de mim é culpada por isso.
Julha Thompson
Sou despertada pelo soar estridente do meu aparelho celular que insistentemente toca, avisando-me que o meu dia acaba de iniciar.
— Hum — um gemido rouco escapa dos meus lábios. Minha cabeça lateja. Viro-me lentamente na cama e levo as mãos à cabeça ao sentir uma forte dor incômoda ao me recordar do meu exagero com a bebida da noite anterior.
Deslizo o corpo preguiçoso sobre o fino lençol de seda que mamãe sempre fez questão que estivesse presente em nossas vidas e estico o braço em direção ao criado-mudo, alcançando o barulhento celular para deslizar o dedo na tela e desbloquear o aparelho. Silêncio, até que enfim. Fito o relógio digital na tela e constato que eu havia dormido mais do que pretendia.
— Oh, merda — vocifero.
Com um pouco de dificuldade, eu me coloco fora da cama ainda enrolada no edredom. A minha cabeça lateja, a visão está embaçada, sem contar a ressaca. No banheiro, prendo o meu cabelo em um coque bagunçado e lavo o meu rosto, iniciando a minha higiene matinal.
Jogo o edredom que está com um péssimo odor de bebida envelhecida em um canto do banheiro e entro no boxe para tomar um banho rápido. Por um breve momento, os meus pensamentos se voltam para as lembranças da noite passada.
— Droga — digo baixinho antes de encostar a testa no vidro frio do boxe, deixando as lágrimas correrem acompanhadas do gosto amargo da culpa me castigar.
Julha Thompson, você só faz besteiras. Acusa-me o meu demônio interior.
Frustrada, eu bufo e volto a me concentrar no banho. Era para ser um banho rápido, mas acabo demorando mais tempo e chego à conclusão que não é uma boa ideia ficar pensando nas besteiras que faço na vida embaixo do chuveiro. O melhor é não fazer besteiras. De banho tomado, visto o roupão, enrolo a toalha no cabelo ensopado e sigo para o closet. Decido colocar uma calcinha em algodão nada sexy e, em seguida, o uniforme, calço meu par de tênis e volto ao banheiro para pentear o cabelo. Encaro a minha imagem através do espelho e percebo que não estou tão ruim assim.
— Bom dia, querida.
— Bom dia, Adinha — eu a cumprimento ao vê-la parada de pé com os seus braços cruzados na altura do peito em frente à porta do banheiro. Não sei em que momento ela surgiu ali.
— Como passou a noite? — Sua voz soa preocupada, sei que ela deve ter me ouvido chegar, sempre foi cuidadosa comigo, nunca dorme antes de ter certeza que estou em casa em segurança.
— Bem, na medida do possível. — Fecho os olhos e respiro profundamente ao sentir uma fisgada na cabeça. — Preciso de uma aspirina, minha cabeça está me matando.
— Você não pode beber desta maneira, Julha. Você é muito jovem.
— Prometo me controlar da próxima vez. — Volto a minha atenção para ela através do espelho e lhe dou uma piscadela marota.
— Menina, estou falando sério. Você sabia que o alcoolismo mata 3,3 milhões de pessoas por ano no mundo?
— Eu sei, Ada, eu sei, mas isso não quer dizer que vou me tornar uma alcoólatra — rebato para tranquilizá-la.
— Controle-se, menina, ou você só irá perceber que está no fundo do poço quando não puder mais sair dele. — Ela tem razão, então assinto com a cabeça em concordância. — Eu vou providenciar a sua aspirina. — Ela se movimenta para sair, mas eu a impeço.
— Onde mamãe está?
— Ela saiu com Christopher e não voltam para o almoço. — Então se vira para sair, mas volta de repente. — Eu já ia me esquecendo. O que vai querer para o almoço?
— A cabeça do meu padrasto — digo sem pensar.
— Credo, Julha. Isso é coisa que se diga, menina? Graças a Deus a sua mãe não está aqui para ouvir estas barbaridades.
Dou de ombros. Por que eu tenho que me preocupar com o que eu digo para não machucá-la, se ela nem mesmo se importa comigo?
— Querida, eu sei que você não gosta de ficar sozinha, mas a sua mãe estava precisando desse momento a sós com o marido. Acho que você não percebeu, mas o casamento da sua mãe está passando por uma crise. Acho que o seu padrasto não faz de propósito, não pense que ele quer roubar a sua mãe de você, ele apenas quis dar a ela um pouco de descanso, não demorarão a...
— Ela não tem mais tempo para mim, Ada, você sabe muito bem disso — eu a interrompo.
Estou me comportando como uma criança mimada? Sim, estou, mas qual é a criança que não deseja ter a mãe ao seu lado?
— Não seja ingrata, menina, sua mãe faz tudo por você.
— Eu sei, Ada — digo, tomando caminho de volta para o meu quarto, onde pego a minha mochila e sigo para a sala de jantar, com ela me seguindo. — Eu não sei por que você a defende tanto. — Eu me sento à mesa, abro o guardanapo no meu colo e me sirvo de um copo de suco.
— Eu não estou defendendo ninguém, estou sendo justa. É diferente.
Irritada, não com a Ada, mas ao imaginar que o cretino do Christopher está vivendo uma segunda lua de mel com a minha mãe, jogo o guardanapo sobre a mesa, afasto a cadeira e saio.
— Aonde você vai? Menina, você não vai tomar café? — Ela me segue e isso me deixa ainda mais nervosa.
— Perdi a fome — respondo mais ríspida do que gostaria.
— Mas o que foi que deu em você? Espere, Julha, eu vou buscar a aspirina.
— Não precisa se incomodar, a minha dor de cabeça passou — grito por cima do ombro e saio, batendo a porta atrás de mim.
Eu bufo, exausta com esse furacão chamado Christopher Cloney que se instalou em minha vida. Respirando fundo para me acalmar, eu me dou conta de que a minha mãe não está cometendo crime algum, ela está apenas vivendo sua vida, enquanto eu fico com o gosto amargo do ciúme na boca me consumindo.
Pensar que estão vivendo uma nova lua de mel me machuca muito, mas o que eu esperava?
Por Deus, estou enlouquecendo. Balanço a cabeça para afastar os pensamentos. É melhor não pensar, quero muito que esses dois meses passem depressa, tenho que partir o mais rápido possível. Eu não posso mais adiar, quanto antes ligar para a vovó e preparar tudo para contar para a mamãe, melhor, assim evitarei problemas maiores. Sigo para a garagem e encontro o motorista me aguardando com a porta do carro aberta.
— Bom dia, senhorita — ele me cumprimenta com um largo sorriso nos lábios.
— Bom dia, José. — Entro no carro e José fecha a porta, em seguida toma o seu lugar no banco do motorista.
— Para casa dos Clark, José.
— Está bem, senhorita.
O carro percorre a avenida movimentada enquanto a cena da noite anterior invade os meus pensamentos.
— Está tudo bem, senhorita?
Saio do meu devaneio quando José chama a minha atenção, me encarando pelo retrovisor.
— Estou bem, José, apenas com um pouco de dor de cabeça.
— Eu mantenho o hábito que seu pai tinha de carregar a aspirina que você tem o costume de tomar guardada no porta-luvas.
Fico emocionada ao ouvir as suas palavras. É tão bom quando sentimos que estamos sendo cuidados por alguém. Papai, mesmo não estando presente, pensava em cada detalhe para o meu bem-estar. Ao paramos no sinal, ele pega uma pequena cartela que contém os comprimidos e me entrega.
— Obrigada, José — dou um sorriso em agradecimento.
— Não por isso, senhorita. Lamento não ter uma garrafa de água para lhe oferecer.
— Não se preocupe, José, eu engulo sem água.
Ele assente com a cabeça, ainda me fitando através do espelho retrovisor e, em seguida, coloca o carro em movimento. Em poucos minutos, José está estacionando em frente à casa de Ane. Fico surpresa em ver que está tudo organizado, nada denuncia que uma festa havia acontecido ali.
— José, buzine, porque eu acho que essa maluca ainda está dormindo.
— Sim, senhora.
Algum tempo depois, surge no jardim uma Ane cambaleante caminhando para o meu carro. Olho através da janela e a vejo se aproximar, então abro os lábios em espanto quando percebo que a sua expressão está pior do que imaginei.
— Bom dia, senhorita. — José se adianta para abrir a porta, mas Ane ergue a mão, impedindo que ele continue. Contrariado, ele volta ao seu lugar enquanto a minha amiga entra no carro e joga o seu corpo no banco ao meu lado.
Escondo um sorriso divertido que insiste em sair ao ver o seu estado deplorável. Pobre Ane.
— Está rindo do que, idiota? — pergunta, voltando sua atenção para mim.
— Desculpa, amiga — solto uma gargalhada e fico rindo por alguns minutos sob o seu olhar de deboche, então respiro fundo e volto a falar. — Você está acabada.
— Rá, rá, rá. Muito engraçado, Julha Thompson. — Ela revira os olhos. — Posso não estar com a melhor aparência, mas não fui eu quem quase transei com uma garota no meio da festa diante de todos.
— Cale essa boca — digo entredentes e levo a mão em direção aos seus lábios, mas ela desvia. — Não exagere — eu rio, divertida. — Me diz, como foi a festa ontem depois que fui embora? — brinco e ela me fita com os olhos semicerrados, então ergo as mãos na altura dos seios em sinal de rendição, e reprimo um sorriso que insiste em sair quando ela leva a mão à cabeça.
— O que foi aquilo ontem? — pergunta, me fazendo lembrar da cena ridícula que Christopher me fez passar.
— O beijo na Gio? — digo com ironia, pois sei que não é sobre o beijo que ela está se referindo. — Até ontem eu nunca havia beijado uma garota. Foi diferente, bom — gargalho, mas paro quando noto que Jose me fita através do retrovisor.
— Você sabe que não é disso que estou falando.
— Então não sei do que se trata. — Dou de ombros.
— Eu a relembro. Estou falando da forma em que o seu pãodrasto a levou da festa. Pela expressão que ele tinha, todos, ou boa parte dos nossos amigos, notou que ele estava se mordendo de ciúme. — Suas palavras me deixam feliz sim, mas não posso me iludir.
— Ciúmes? — gargalho, chamando mais uma vez a atenção de José. — Não seja ridícula. Christopher faz questão de mostrar a todo mundo o quanto me detesta e você sabe bem disso.
— Isso é o que você quer acreditar — provoca.
— Ele só foi até lá a pedido da minha mãe — esclareço e ela me encara com incredulidade.
— E a viagem? Você tem muito o que me contar, não é mesmo?
— Isso é assunto para uma outra hora.
Ficamos em silêncio por alguns minutos até que ela volta a quebrá-lo.
— Ele contou para a sua mãe?
— Eu não sei. — Volto a olhar para a cidade que não dorme através da janela do carro. — Quando eu acordei já tinham ido para a fazenda dos Cloney. — Minha voz soa triste.
— A mesma fazenda que vocês estiveram esses dias? — Sua voz soa com espanto. Volto a minha atenção para ela e assinto com a cabeça, não conseguindo evitar as lágrimas que se formam em meus olhos. — Ah, amiga, eu sinto muito. — Ela me envolve em seus braços em um abraço carinhoso.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Padrasto 1
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