Iniciamos uma guerra visual.
Provocando-me, excitando-me.
Seus olhos percorrem os meus lábios
enquanto sua língua umedece os dele.
Julha Thompson
Sinto minhas pernas fraquejarem e uma onda de calor percorre o meu corpo. Antes que eu passe vergonha ao corar diante dele como uma adolescente boba apaixonada, eu desvio meu olhar e respiro fundo. Erguendo o queixo, eu não deixo que ele perceba o meu rosto avermelhado, e eu passo por ele sem lhe dirigir a palavra, mesmo estando tentada em perguntar qual é o motivo de sua volta. Eu o ignoro e sigo com o objetivo de chegar à cozinha em busca de Ada, ela sim pode sanar as minhas dúvidas.
Com passos apressados atrás de mim, Christopher me segue e antes mesmo que eu entre no cômodo ouço a sua voz rouca dizendo o meu nome, então paro abruptamente. Ainda de costas e com a pulsação acelerada, relutantemente eu me viro para o encarar. A minha respiração ofegante não impede que eu o devore com os olhos, contemplando o rosto do homem mais lindo que já vi em toda a minha vida.
Christopher é a minha tentação.
Ficamos por alguns minutos nos observando, as palavras gritando dentro da minha garganta, exigindo que sejam proferidas. Há tanto a ser dito, mas sabemos que nesse exato momento o que realmente nos cabe é o silêncio.
— Oi, Julinha. Desculpe pela demora, minha querida, eu estava ao telefone falando com a sua mãe — Ada diz, ao se aproximar, trazendo uma bandeja de inox com uma jarra com o meu suco de morango preferido.
— Boa noite, Ada — ele a cumprimenta, enquanto toma o seu lugar à mesa.
— Tudo bem, Ada. — Volto a minha atenção para ela. — Onde está minha mãe?
— Sente-se. — Ela coloca a jarra sobre a mesa. — Sua mãe precisou fazer uma viagem com urgência, mas estará de volta em duas semanas.
— Como era de se esperar. — Rio com escárnio.
— Sente-se, Julha, eu vou servir o jantar.
Eu tomo meu lugar à mesa e abro o guardanapo no meu colo.
— Traga mais um prato, Ada — pede Christopher ao me fitar intensamente.
— Claro, senhor Cloney.
Ada observa em silêncio a nossa troca de olhares, mas antes que ela desconfie de algo, que temos muito a dizer ao outro, eu me levanto e jogo o guardanapo em cima da mesa.
— Aonde você vai, menina?
— Eu me esqueci que tenho um trabalho a fazer. Vou para a casa de Ane. Eu como qualquer coisa por lá. — Saio a caminho do meu quarto, mas ainda o ouço dizer.
— Julha, volte aqui, menina. Não vá voltar tarde.
Entrando no quarto, eu pego a bolsa o mais rápido que posso enquanto ligo para Ane e, em seguida, saio à procura do motorista para que ele me leve à casa da minha amiga.
(...)
Assim que o motorista estaciona em frente à casa de Ane, eu me despeço dele e me dirijo para a entrada principal para tocar a campainha. Arrumo as minhas roupas enquanto espero ser atendida.
— Julha, o que houve? Fiquei preocupada quando você me ligou.
— Eu não suporto mais tudo isso. — As lágrimas se fazem presentes em meus olhos.
— Venha, entre. — Ela me puxa pelo braço, preocupada, enquanto seco o meu rosto com uma das minhas mãos livres, cambaleante. — Vamos para o meu quarto.
— Calma, eu vou cair. — Passamos pela sala de estar, onde os pais de Ane conversam animadamente.
— Boa noite, Julha.
— Boa noite, senhor e senhora Clark — cumprimento e aceno com a mão.
— Meninas — a senhora Clark nos chama, mas Ane não para, continua me puxando.
— Agora não, mãe — grita de volta sem parar, me puxando para o quarto.
— Ane, cuidado ou vocês vão se machucar.
— Não se preocupe, mãe.
— Se acalme — diz assim que entramos no quarto — vou ao banheiro e não demoro. Quero que me conte o que aconteceu.
Eu assinto com a cabeça em concordância antes de ela sair pela porta de acesso. Coloco a minha bolsa em cima da cadeira e, em seguida, me jogo sobre a cama e entrelaço as mãos sob a cabeça, olhando fixamente o teto com meus pensamentos voltados para o meu padrasto.
— Vamos, me conte o que houve, eu quero saber de tudo — diz minha amiga ao voltar do banheiro e parar à minha frente com as mãos na cintura.
Ergo levemente a cabeça e bufo, frustrada por não ter outra opção a não ser lhe contar tudo. Devo isso a ela.
— Eu não tenho nada para contar que você já não saiba. — Sento-me na cama e ela faz o mesmo, ficando de frente para mim.
— Sério? Então, por que você veio de última hora pra cá? Eu fiquei preocupada.
Respiro fundo. Por mais que eu não queira tocar no assunto que desperta em mim um turbilhão de sentimentos, não terei como fugir e nem tenho motivo para esconder nada dela. Ane é minha amiga, uma pessoa em que eu confio muito.
— Christopher voltou de viagem — digo, cravando os olhos em seu rosto, buscando em sua expressão uma reação para o que acaba de ouvir.
— Então esse é o motivo que a fez vir aqui?
— E para fazer o nosso trabalho também — afirmo, enquanto assinto com a cabeça .
— É mais sério do que eu imaginava — ela brinca.
— Sim. E eu gostaria de poder ter o controle sobre os meus sentimentos, gostaria que tudo fosse diferente. — Entreabro os lábios, buscando as palavras certas para expressar tudo o que sinto por Christopher, mas nada consigo dizer. Por alguns minutos, um silêncio sepulcral se instala entre nós.
— Você o ama. Por Deus, isso é uma droga, Julha. — Nervosa, Ane passa as mãos em seu cabelo. — Eu pensei que essa merda toda fosse sexo apenas, sei lá, coisa de pele. Mas você tinha que se apaixonar por ele? — Ela se levanta, sobressaltada, e cospe as palavras enquanto caminha de um lado para outro.
— Qual é o seu problema, Ane? Você acha mesmo que eu gostaria de estar nesse inferno? Eu não previ isso, quando dei por mim já estava envolvida. Eu já estava apaixonada.
— E agora, o que vão fazer? Porque você sabe que não podem viver esse romance, certo? O que vão fazer? Andar de mãos dadas na rua como um casal apaixonado? Ele é mais velho que você, tem idade para ser o seu pai. E o problema não é só esse, esqueceu que ele é o marido da sua mãe?
— Pare, Ane, Christopher não tem idade para ser o meu pai, não exagere. Não, não esqueci que ele é o marido da minha mãe. — Meus olhos marejam e eu fungo.
— Eu nem sei o que dizer, Julha. — Ela para diante de mim, seu olhar tem um misto de acusação e piedade.
— Você acha mesmo que estou feliz com tudo isso? Acha que não me olho no espelho todos os dias e o que vejo é uma Julha diferente do que eu era? — Lágrimas deslizam pelo meu rosto, enquanto ela fica estática. — Eu não quero sentir tudo isso, estou sofrendo.
Eu não a julgo por pensar assim, ela tem razão em quase tudo o que diz. Ficamos em silêncio por alguns minutos, as palavras nos faltam. Eu sei que Christopher não é a pessoa certa para eu me relacionar.
— Me desculpe — ela me fita com carinho —, eu só não quero vê-la sofrendo, Julha, e...
— Tudo bem, Ane — eu a interrompo e dou de ombros —, quase tudo o que você disse é a mais pura verdade. — Respiro fundo e, em seguida, solto o ar. — Eu sei que o certo seria me afastar, ir para longe. Envolver-me com ele foi um erro, e me apaixonar foi um erro ainda maior — digo com lágrimas nos olhos, soltando o meu corpo sobre a cama.
— Hey, amor, vem cá. — Ane deita na cama ao meu lado, envolve o meu corpo em seus braços e acaricia o meu cabelo enquanto choro copiosamente, entristecida. — Você vai ficar bem.
— Assim espero.
— Você sabe que a melhor maneira de enfrentar um problema é falando sobre ele?
— Sim, eu sei, e obrigada por me ouvir.
— Não por isso — ela sorri, solícita. — Entra — Ane diz ao ouvir alguém bater à porta.
— O jantar está pronto — a senhora Clark diz com um largo sorriso no rosto.
— Bom, eu preciso ir, nos vemos amanhã na escola — digo, já me levantando, mas sou impedida pela minha amiga, que se coloca na minha frente.
— Jante conosco, Julha, será um prazer — sorri gentil a senhora Clark.
— Obrigada, mas não quero atrapalhar.
Ane coloca as mãos em sua cintura e me fita com os olhos semicerrados fingindo irritação.
— Você não atrapalha em nada, querida. Não se preocupe, vou ligar para sua mãe.
— Eu não sei se é uma boa ideia e...
— Não aceitamos não como resposta — as Clark dizem em uníssono, então caímos na gargalhada.
— Como quiserem, senhoritas — brinco.
(... )
— Hey, dorminhoca, levante-se. O seu padrasto está aqui. — Ane me desperta com o seu jeito carinhoso ao me balançar de um lado para outro.
— Hum — reclamo e solto um gemido.
— Julha, vamos. Levante-se.
— Ane, me deixe dormir — digo, cobrindo a cabeça com o travesseiro.
— Por mim, tudo bem, eu deixaria você dormindo sem problemas. — Mesmo sem ver, tenho certeza que ela está dando de ombros e acabo rindo ao imaginar a cena. — Mas o senhor Cloney não vai gostar nadinha de ficar esperando a sua boa vontade em levantar. — O colchão afunda ao meu lado, então tiro o travesseiro do rosto e acabo arrancando um sorriso divertido da minha amiga ao me ver com o cabelo desgrenhado.
— Que horas são? — Dou um salto da cama e percorro os olhos pelo ambiente em busca de um relógio que minha mente conturbada não me deixa encontrar. Confusa e com o cenho franzido, eu paro e fito a minha amiga. — O que ele está fazendo aqui? — pergunto, enquanto visto a minha calça que encontro jogada na cadeira da escrivaninha, antes de correr para o banheiro com Ane me seguindo.
— Ele está irritado.
Eu a encaro com as sobrancelhas arqueadas e um grande ponto de interrogação se forma em minha cabeça.
O que ou quem é o motivo da sua irritação?
— Me conte uma novidade. — Reviro os olhos e abro a embalagem de uma escova de dentes nova, usando-a em seguida.
— Deve ser importante, para ele ter vindo até aqui.
— Vou descobrir agora — digo depois de enxaguar a boca e colocar a escova no suporte. Eu seco o rosto e prendo meu cabelo enquanto caminho para o quarto para calçar as minhas sapatilhas. Quando estou pronta, saio para encontrar o meu padrasto, não tenho como fugir disso.
— Boa sorte — ela diz em um tom divertido.
— Obrigada pela parte que me toca — dou um sorriso amarelo e reviro os olhos.
Desço a escada e ao chegar ao último degrau os meus olhos encontram os de Christopher. Hipnotizada, eu sinto como se o meu corpo fosse acometido por uma corrente elétrica. Ele está lindo, como sempre, vestido com uma calça jeans, camisa e jaqueta de couro preta, que o deixa ainda mais sensual. Maldita seja a sua beleza.
Paro diante dele, mas sua beleza me desconcerta, então fico sem saber o que dizer e como agir. Seus olhos percorrem o meu corpo rapidamente, desviando para o meu rosto. Engulo em seco. Seu olhar é intenso, sedutor. Minhas bochechas queimam, sei que estou corada neste momento, desvio o olhar.
— Bom dia, senhorita Thompson. — Sua voz está rouca e ao mesmo tempo com um tom malicioso disfarçado, mas eu o conheço bem para saber que ele está tentando parecer inatingível com a minha presença.
— Bom dia, querida. — A senhora Clark pousa uma de suas mãos nas minhas costas e me dá um beijo no rosto. — Christopher, que surpresa boa você por aqui.
— Bom dia, tia — retribuo o cumprimento, direcionando a minha atenção para ela.
Mas já é tarde, ela passa depressa por mim, ignorando totalmente a minha presença, e encarando Christopher. Ela está encantada, mas como não se deixar envolver por um homem como ele?
— Bom dia — ele a cumprimenta com dois beijos no rosto. — Me desculpe aparecer na sua casa a essa hora da manhã sem avisar, mas eu preciso levar a mocinha aí. — Com o seu dedo indicador, ele aponta para mim.
— Não se desculpe, querido, você sabe que a porta da minha casa sempre estará aberta para vocês. Onde está Katherine? Sinto saudade da minha amiga, que só pensa no trabalho — diz com simpatia.
— Boa pergunta. Onde está a minha mãe? — pergunto, de maneira autoritária, chamando a atenção de todos.
— Julha, que modos são esses? — a sra. Clark me repreende.
— Tudo bem, eu sei como me entender com Julha. — Ele dá um sorriso safado com o canto da boca e uma piscadela, fazendo um arrepio percorrer a minha espinha. — Julha, sua mãe pediu para vir buscá-la para seguirmos viagem.
— Viagem? Que viagem? Não estou sabendo de nada — digo, desconfiada.
— Ela quer passar um final de semana em família e como você saiu correndo ontem, eu não consegui te avisar.
— Ela poderia me ligar se você não tivesse quebrado o meu celular.
— Esse outro problema também já será resolvido. — Christopher me olha com os olhos semicerrados. — Então, pegue suas coisas e vamos partir o quanto antes.
— Não, vocês não podem sair sem nos acompanhar no café da manhã — diz a sra. Clark.
— Desculpe desapontá-la, sra. Clark, mas ficará para uma próxima vez. Nós temos que sair logo, se quisermos chegar cedo à casa da praia e...
— Como é? — eu o interrompo. — Eu não vou viajar sozinha com você — digo, convicta.
— Não dificulte as coisas, Julha. Eu quero chegar cedo na cidade, então não demore, não tenho todo o tempo do mundo — ele diz num tom ríspido.
— Primeiro eu preciso falar com a minha mãe — insisto. Não posso ficar sozinha com este homem, definitivamente, isso está fora de cogitação.
— Estou aqui a pedido dela, portanto, pelo menos uma vez na vida, obedeça-a — diz, visivelmente irritado.
Onde está o homem sensível e gentil de dias atrás? Onde ele foi parar?
— Olha aqui... — Estou preparada para deferir palavras de ódio, mas paro no exato momento em que ouço a minha amiga e o pai se aproximarem.
— Bom dia, sr. Cloney — cumprimenta minha amiga ao se aproximar.
Eu olho furiosa para ele ao ver que seus olhos percorrem o corpo da minha amiga só para me provocar. Conseguindo com sucesso, claro.
— Dormiu bem, querida? — pergunta o sr. Clark para mim.
— Melhor impossível, tio. — Sorrio ao receber um beijo carinhoso em minha testa.
— Christopher, meu caro. Quanto tempo? — Ele se aproximam e se cumprimentam com um forte abraço. — Eu estou esperando a revanche no tênis, quando me dará a honra?
— Bom dia. Como tem passado, meu amigo?
— Caminhando, meu amigo, caminhando. E você não respondeu a minha pergunta, quando me dará a honra de uma revanche?
Christopher gargalha, revelando todos os seus dentes perfeitamente brancos.
— Você não se cansa de perder para mim, não é mesmo? Será prazer derrotá-lo mais uma vez.
— Veremos, meu caro, veremos. — Gesticula com as mãos, enquanto ri divertido. — Vai nos acompanhar no café da manhã?
— Fica para uma outra oportunidade, eu vim buscar Julha — diz e confere as horas em seu relógio de pulso antes de olhar para mim. — Vamos, Julha, o relógio não espera.
— Vão para onde?
— Vamos para a praia aproveitar o último final de semana de verão.
— Isso é ótimo. Faz muito tempo que não vamos à praia. Depois que o meu amigo se foi, eu não vejo mais razão para ir até lá.
Tento conter uma lágrima que insiste em cair, e antes que meu tio Clark prossiga com a sua melancolia ao recordar dos bons tempos em que viveu com meu pai, eu o interrompo.
— Okay. Eu só tenho que passar em casa e pegar as minhas coisas — digo num tom frio. Se ele pensa que pode me levar para a cama num dia e no outro me esnobar como se eu nada fosse, ele está muito enganado.
— Não se preocupe com isso. Ada a mima a ponto de arrumar a sua mala. — Ele se vira para Ane e seus pais e se despede rapidamente. Enquanto caminha para porta sem se dirigir a mim, um sorriso safado aparece em seus lábios.
Após a minha amiga pegar a minha bolsa em seu quarto, eu me despeço dos Clark e o sigo.
— Você bem que poderia ter sido gentil e ter me esperado — digo enquanto abro a porta do carro sob o olhar indiferente de Christopher. Antes de me sentar, vejo uma pequena caixa embrulhada para presente. — Acho que alguém esqueceu isso no seu carro. — Estou pronta para jogar a caixa levemente pesada no banco de trás.
— É seu — ele diz, interrompendo o meu movimento.
— Meu? — pergunto.
— Sim, estou pagando a minha dívida com você. Comprei o seu celular.
— Ah — apenas digo, antes de me sentar no banco do carro. Eu já estava começando a me iludir pensando que Christopher, de alguma forma, se preocupa comigo. — Obrigada — agradeço com gentileza.
— Vamos, entre logo ou vamos chegar tarde.
— Eu já estou indo, seu grosso. — Bato a porta do carro com mais força do que pretendia.
— Poderia fazer o favor não bater a porta — ele grita, me assustando.
— Sim, senhor. — Eu quero rebater, mas o melhor a fazer é não cutucar uma onça com uma vara curta.
A viagem será longa e exaustiva, tendo Christopher ao meu lado de mau humor será muito pior. Afivelo o cinto de segurança e coloco meus fones de ouvidos, ignorando-o totalmente.
(...)
Não sei exatamente por quanto tempo estive adormecida, enquanto Christopher conduzia o carro pela estrada.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Padrasto 1
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