– Prima, você sabe que isso pode dar muito errado. – Disse Aninha enquanto pintava as suas unhas. Eu estava preparando uma macarronada para nós enquanto ela pintava as unhas e decidia, como ela gostava de fazer, de se meter nas minhas decisões.
Aninha, aparentemente, se adaptou ao meu apartamento mais facilmente do que eu imaginei. Na verdade, foi tão facilmente que me deixou com um leve incomodo, para falar a verdade. Já estava cansando de fazer as coisas para ela, pois ela se aproveitava de meu toque na maioria das vezes. Ainda assim, a gente estava se dando bem na medida do possível. Ela tinha trago as roupas dela para meu apartamento, aceitou dormir no colchão de ar no chão e, quando não se metia na minha vida, até que a gente conseguia se entender bem.
Eu sabia que ela não fazia isso por querer ser malvada ou de propósito. Acredito que ela achava que poderia ajudar. E eu já estava começando a aceitar o que Aninha falava, pois ela nunca me cobrava para seguir os seus pontos de vista, ela simplesmente só queria os dar. E eu era muito boa de ouvir, logo, eu não me importava em ficar ouvindo. E ela, por sua vez, até então, estava aguentando bem todos os meus ataques quando via alguma coisa dela espalhada pela casa. Estávamos nos virando, eu diria assim.
– Por que, Aninha? – Disse suspirando e sentindo o cheiro característico de quem usa cetona para limpar as unhas. Aninha parou de pintar e olhou para o teto, como se estivesse pensando na melhor forma de me dizer isso sem parecer que eu ia enlouquecer.
– É que... – Ela comprimiu os lábios como se pensasse. – Você meio que parece... Ér... – Ela engoliu em seco. – Aí, prima, como posso dizer isso sem que você queira me matar, hein? – Ela perguntou e eu arqueei a sobrancelha já levemente enfezada pela demora.
– Fala logo! – Disse e ela espalmou as mãos ao alto, como se não se importasse mais.
– Você parece ainda "ta" caidinha por ele, Sá! Você não vai cometer nenhuma besteira indo lá? – Ela perguntou e eu suspirei.
– Tão incrivelmente visível assim? – Perguntei e ela deu de ombros.
– Talvez não para quem olhe de longe, mas quem viu vocês lá na casa da vovó... Vocês faziam um casal tão fofo! Você não me disse porque terminaram! Até agora me mata de curiosidade em pensar porque um casal tão oposto, mas ao mesmo tempo tão completo como vocês acabaram! E nem vem me dizer em traição que você é muito santinha para isso, Sara. E ele parecia um bobo apaixonado. – Murmurou Aninha e eu voltei meu olhar para o macarrão desligando o fogo. Já estava quente.
Até então eu vivia tentando fugir do assunto. Disse que acabei, mas nunca dei brecha para Aninha perguntar. A verdade é que eu tinha medo de como ela viria tudo e eu não estava nem um pouco a vontade de dize-la que o nosso relacionamento nunca foi nada sério, apenas uma invenção e eu que fui a burra que me joguei demais numa coisa que era para ser de mentira. Eu não tinha coragem de dizer uma coisa dessas para Aninha. Eu sabia o que ela ia achar. Que eu tinha sido uma idiota, que Ale era um idiota. Enfim, eu só não queria ouvir mais do que minha cabeça já fazia questão de me acusar.
– Eu vou aguentar, Aninha. A gente terminou por uns problemas de compatibilidade. Diria que ambos pensam mais no trabalho do que no relacionamento. – Menti, o que pareceu ser suficiente para convencer Aninha que deu de ombros e voltou a pintar a sua unha como se já não se importasse muito.
– Bom. Eu só estou dizendo o que vejo, prima. E o que vejo. – Ela suspirou. – É que se tem chances de a gente quebrar ainda mais o coração, pode ter certeza de que a gente vai o fazer. – E aquela frase tão enigmática saindo da boca de Aninha me pegou de jeito. Fiquei paralisada pensando nela, enquanto tudo parecia cair como um peso em cima de mim.
Eu ainda precisava encarar Ale uma última vez e me machucar de jeito antes de sair inteiramente desse relacionamento que já era hora de ter fim.
E foi assim que decidi encontrar Ale na sua casa novamente.
O porteiro me recebeu como sempre, aquele sorriso de escárnio. Não me importei. A verdade é que quando passei por ele sem me importar com sorriso, com seu boa noite arrastado e cheio de piadinhas incrustadas, deixei o porteiro extremamente assustado enquanto ele me olhava confuso, e, aparentemente, se sentindo ignorado depois de eu não ligar para ele. A verdade é que nunca mais olharia para ele e sua futilidade de achar que só porque era um porteiro de um lugar chique como aquele, era uma pessoa chique também. Eu nunca me importei com essas coisas. Nunca me importei com nada disso. Eu estava seguindo para a casa de Ale para terminar o que já devia ter sido terminado. E meu olhar só caminhava para esse pensamento: Terminar de destruir o pouco que havia do meu coração.
Toquei a campainha da casa de Ale sentindo que meu coração acelerava. Estava chegando o momento. E, meu coração idiota, já completamente apaixonado por Ale, só conseguia pensar em como a estúpida devia se lembrar que aquele era nosso último encontro. Aquela era a última vez que nos veríamos, enfim. Eu deveria gravar cada detalhe dele o máximo que pudesse, pois não haveria outra vez. Era definitivo o nosso fim.
E eu estava mais do que certa dessa vez.
Vim o caminho todo lembrando das fotos, das mensagens, de todos os dados recolhidos de mim que eu tinha visto naquelas malditas folhas. Estava com o anel no bolso da calça jeans, guardado para ser entregue para Ale. Não queria mais nenhuma lembrança dele. Ouvi Ale correndo em direção a porta e meu coração pareceu se quebrar em pedacinhos quando o seu rosto se formou a minha frente.
Maldito. Tanto tempo sem vê-lo e eu só conseguia pensar em como podia ter esquecido que ele era tão bonito.
Seus olhos brilhavam em verde ao me olhar, reluzindo um brilho opaco e gentil. O rosto estava iluminado por um sorriso, o sorriso característico de Ale, o mesmo que fazia qualquer mulher derreter ao observar seus dentes perfeitamente alinhados e a beleza dos seus lábios se abrindo. Havia ainda a sobrancelha esculpida, o cabelo que outrora eu já tinha tocado, perfeitamente arrumado, com algumas partes, inclusive, arrepiadas. Ele estava com uma blusa casual, no entanto, ainda mais bonita nele, saltando o seu corpo malhado e a sua perfeição mais do que clara de que não era para mim.
Ele era um mentiroso, Sara.
Pensar nisso fez que toda a imagem de Ale a minha frente se apagasse. Ele não era bonito. Não quando era um mentiroso. Não quando me enganara. O que, afinal, tinha sido verdade entre nós? Até onde eu tinha imaginado tudo que havia ali? E porque? Por que não me contar que fez uma pesquisa da minha vida? Aliás, porque me pesquisar?
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Sal, Pimenta e Amor(Completo)