A competição não estava somente acirrada, mas também imbatível. Nunca vi tantos empregados quase se matando numa cozinha a fim de serem chefes. Era muita gritaria, muito “tira a mão que esse molho é meu, fui eu que fiz!” ou coisas ainda piores como: “Piranha, não rouba minha panela!” “Filho da songa vou te jogar esse óleo quente!” Eram tantos gritos e palavrões, mais do que costumeiramente era, que eu fiquei atônita por alguns segundos pensando o quão essa chance não era importante só para mim, mas para todos ali.
E por um segundo isso bateu em mim quase como uma pancada de uma bigorna. Eu estava sendo injusta, não estava?
Aparentemente, pior do que isso. Eu estava me tornando uma mulher de negócios. Vendendo uma condição minha à custa de ter o que eu quero. De ser o que eu queria ser.
Em que momento eu tinha me tornado essa pessoa?
Não consegui concluir o meu exame de consciência. Era a minha vez de entregar o prato para os convidados e eu não esperei um novo chamado para colocar dois pratos em cima de uma bandeja e seguir em direção aos convidados.
Coloquei os pratos a frente deles com bastante calma enquanto tentava não olhar para ninguém mais para acabar não derrubando comida em cima de ninguém. Por que a atenção em excesso me fazia ser um pouco estabanada. Sendo até um eufemismo falar assim.
Era apenas Alexander e o seu pai que estavam ali. Até então eu nunca tinha visto os meus chefes que não fosse a metros de distância. Agora, ali estava eu, esperando o veredicto deles, enquanto eles comiam, tentada a captar um pouco do físico dos homens presentes.
O pai de Alexander era tão parecido com ele, com a diferença que o pai dele tinha uma entrada na cabeça, fruto de um começo de calvície. Os olhos eram de um pálido esverdeado e o homem parecia estar na casa dos sessenta, mas eu não conseguia ter certeza. Estava usando um terno e parecia bem concentrado no prato mesmo.
Dei um rápido olhar para Alexander, por que ficar o olhando sempre me deixava desconcertada, principalmente quando, ao olhar, eu percebia que ele tinha os olhos cravados em cima de mim, como um leão faminto e muito terrível. Quase tremi.
– Acredito que foi o melhor prato que comi até agora, finalmente. Não vejo excesso de sal, tampouco de molho ou acompanhamentos. Enfadonho demais tudo isso! – Esbravejou o homem e eu me assustei que ele tivesse dando sua opinião. Porque como eu achava que já ia ganhar logo por causa do trato, não conseguia imaginar que realmente eu ia conseguir agradar o paladar do refinado senhor Falcão.
E isso mais do que me assustou, me deixou mais calma com o meu exame de consciência. Aparentemente, eu não estava ganhando apenas por um trato, mas porque estava realmente bom. Talvez Alexander só fosse ajudar que o Chef Carlos não tivesse que comandar dois restaurantes e eu pudesse ficar com um. Dei um leve sorriso.
– Me agradou que você parece perfeccionista também no seu prato. É perceptível Senhorita Sara... – E aparentemente esperava que eu completasse, o que rapidamente o fiz.
– Sara Bulhon. – Respondi e o homem concordou repetindo o meu nome.
– Sara Bulhon. Obrigado, pode ir. – Ele disse e eu não esperei duas vezes para sair como pedido.
No fim, acabou que não demorou muito o que achei que demoraria séculos. E, infelizmente, eu teria que cumprir com a minha palavra e seguir de uber em direção a casa de Alexander para acertar o que deveria ser acertado.
Nesse meio tempo, fiquei olhando de soslaio os olhares tenebrosos que me mandavam. Não era nada agradável de se ver. As pessoas realmente estavam com muita raiva de eu ter conseguido e elas não. Fiquei a pensar em como a sociedade é. Mesquinha na sua medida. A felicidade alheia é sempre aceita com um escarrar de garganta e uma raiva contida.
Mas tudo bem. Eu aceitei os olhares que me deram enquanto pegava o meu avental e me sentia no caminho da vergonha para fora do prédio. Porém, não antes que eu pudesse sair, Ana me pegou pelo braço, me fazendo ficar assustada, enquanto jogava o seu cigarro no chão e pisava com o pé, já emendando e falando:
– Você não me engana. E eu vou descobrir como você conseguiu fazer para vencer nessa competição e vou me vingar de você. Vou descobrir o seu podre para isso, menina, e vou espalhar no ventilador. – Disse a mulher e eu apenas me soltei dos seus dedos que apertavam com força o meu braço enquanto tentava não parecer assustada com essa ameaça.
– Vai descobrir que tenho talento, diferente de você Ana. Agora se me der licença. – Disse me afastando rapidamente dela. Ainda assim, pude ouvir a gargalhada de Ana lá atrás, enquanto ela terminava de falar:
– Vamos ver aonde é esse seu talento então, Sara. Na cama, ou na cozinha. – Ela respondeu enquanto seguia novamente para dentro do prédio, já que ouvi a porta se fechando. Nesse momento, com um suspiro muito enfadado, acabei parando de andar e sentindo todo o peso de responsabilidade que agora caia sobre mim. Era algo sério. Eu realmente era uma chef agora. Isso não era qualquer coisa. Mas, mesmo assim, as palavras de Ana me pegaram em cheio.
Quer dizer, eu fiz coisas mesquinhas também, pensando no meu bel prazer, mas o pai de Alexander também tinha gostado do meu prato, isso era um fato. Não foi uma péssima cozinheira passando. Além do mais, Ana já estava lá pelos seus quarenta anos e ainda tinha muito o que melhorar na sua cozinha! Se ela realmente estivesse competindo por isso, estaria mudando os seus defeitos e não culpando os outros pelas suas virtudes!
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