Eu tenho a sensação angustiante de que não há mais poros por onde o meu suor excessivo possa sair.
É tão terrível que esfrego a minha mão suada algumas vezes na calça tentando esconder o fato de que não estou somente nervosa, mas estranhamente aflita. Acho que é a junção de todos os pesadelos se concretizando em poucos dias da minha vida.
Felizmente, minha mãe e minha avó ainda não voltaram. Aparentemente hoje é o dia da cirurgia da vovó. Justo no mesmo dia que é meu teste e também justo no dia que tenho que marcar alguns pontos que desde ontem venho pensando que tenho que estipular com Alexander. São tantas coisas me socando ao mesmo tempo que não sei exatamente como estou conseguindo transparecer calma. Talvez por conta do suor. Todo o nervosismo está saindo por ele.
O interfone toca. Sei que é meu porteiro avisando que Alexander está ai. Sei que não tem muito o que eu fazer além de aceitar que preciso encarar o meu fado. Então é o que faço. Sigo calmamente para o elevador e aproveito para dar uma última olhada na minha roupa.
Estou com uma calça preta e uma blusa de alça cinza. O avental está no restaurante e não é de se imaginar o calor que é dentro da cozinha com aquele avental por cima. Por isso agradeço que eu tenha lembrado disso. Além disso, estou com o cabelo preso num coque alto e uma faixa de bolinhas na cabeça tentando fazer com que alguns fios não se soltassem e me deixassem numa enroscada grande. Pronto, estava razoavelmente pronta.
– Olha, quem diria, não se atrasou. – Disse Alexander saindo de dentro do carro e me cumprimentando. Ainda acanhada com toda a intimidade que ele demonstrava comigo sem sequer me conhecer direito, fiquei paralisada enquanto ele me dava um beijo no rosto, formigando toda a lateral do meu rosto até que eu acordasse do torpor momentâneo. Ele não pareceu se dar conta disso, já que rapidamente seguiu para abrir a porta para mim e eu não pude deixar de arquear uma sobrancelha.
– Isso é zoeira com a minha pessoa? – Perguntei tentando ver onde estava a pegadinha que tinha feito ele abrir a porta para mim. Meu Deus! O cavalheirismo ainda existia? Eu não podia crer. Certamente ele estava escondendo uma bexiga de pum para que eu não percebesse até sentar. Infantil, mas eu conhecia muitos idiotas infantis, infelizmente.
– O que? – Ele perguntou sem entender e eu o encarei bem nos olhos tentando perceber se havia algum misto de alguma coisa que o denunciasse. Nada. De qualquer forma, ele era um exímio mentiroso, o que eu já tinha percebido ontem, então eu podia estar deixando passar algo.
– Onde está a bexiga? – Perguntei e Alexander arqueou uma sobrancelha com uma cara que parecia dizer “ o que essa louca está dizendo? ” Mas eu conhecia ele. Ele sabia mentir bem. Isso provavelmente era parte do pequeno teatro dele.
– Que bexiga? – Ele perguntou ainda zonzo. Bufei irritada.
– Você, abrindo a porta para mim. Está zoando com a minha cara. Onde está a bexiga de pum? – Perguntei séria. Por um momento Alexander ficou me encarando, tentando compreender alguma coisa com sentido na minha fala. No momento que ele conseguiu achar algum sentido, não se aguentou e passou a rir descaradamente e eu percebi que daquele ponto já não podia mais ser mentira. Seria muita sacanagem. O que tinha acontecido era ainda pior.
Eu não sabia onde enfiar minha cara.
Eu que tinha julgado sem mérito algum. Uma coisa que sim, estava em tempos finais na sociedade, e eu achei que era brincadeira dele. Agora ele não conseguia parar de rir da minha tontice, achando que eu tinha cheirado alguma coisa.
– Você – Ele tinha que dar algumas pausas para parar de rir. Isso era frustrante. – É muito – Pausa – Engraçada, Sara. – Disse Alexander enquanto eu não aguentava que risse de mim e entrava de uma vez no carro.
Não gostava de passar vexame. Não gostava de errar. Podia ser idiotice da minha parte, mas sempre fui guiada pela perfeição. Sempre fui guiada pela ideia de que eu podia dar o meu melhor e podia fazer o melhor. Fui guiada para a culinária no princípio de que poderia fazer o melhor e ser reconhecida por tamanha técnica e alma nos meus pratos. Assim, rir de mim só atestava a minha humanidade e a minha facilidade em errar. Que embora eu concordasse que as vezes fosse necessário, não era algo pelo qual eu queria passar.
Alexander, ainda bem, não se demorou na tarefa de rir. Seguiu para o seu lugar de motorista e rapidamente engatou o carro pronto para ir. O transito próximo do meu apartamento ainda fluía, mas eu sabia que quanto mais perto dos Jardins a gente chegasse, mais o trânsito se tornaria extremamente lento.
No tempo em que o trânsito fluía, seguimos em silêncio. Não havia nada que eu conseguisse pensar em falar e estava suando tanto que só conseguia olhar para a janela fechada e pensar que o ar condicionado daquele carro estava muito ruim, porque eu estava morrendo de calor. Estava aflita, tão aflita que não percebi quando o trânsito começou a ficar mais intenso e, Alexander aproveitava-se disso para puxar assunto.
– Acalme-se. Vai dar tudo certo. Eu cumprirei minha palavra. – Voltei minha atenção para ele. Neguei com a cabeça o fazendo arquear uma sobrancelha sem entender o que se passava na minha cabeça. Na certa, Alexander só estava percebendo o quão louca e sem sentido eu era só naquele momento.
– Eu não quero que cumpra sua palavra. – Umedeci os lábios. Aparentemente, até mesmo eles estavam querendo rachar com tanta falta de água exalando de mim. – Eu quero que o meu prato esteja, de fato, digno de um restaurante da rede. E não que eu seja escolhida por conta do nosso... Trato. – Disse me sentindo ofendida por um segundo.
Eu sabia que tinha aceito o trato, e que era a única oportunidade que eu teria com tão pouca idade de ascender na minha profissão. Porém, eu não queria ganhar se meu prato estivesse realmente ruim, não queria fazer o restaurante perder toda sua fama. Isso me arrepiava dos pés à cabeça. Alexander pareceu perceber isso, enquanto suspirava.
– Você cozinha bem, Sá. – Ele disse como se me conhecesse há meio século e já tivesse experimentado milhões de comidas minhas. Não pude deixar de revirar os olhos o fazendo abrir um longo sorriso. – Alguns detalhes, de fato, são necessários que você melhore na sua cozinha, mas sobre isso conversaremos depois. Contudo, quanto aos seus pratos, são realmente bons. Eu diria que depois do seu Chef, você é uma das que melhor cozinha.
– Como você sabe disso tudo em apenas um dia? – Perguntei desafiadora. Ele não me respondeu de imediato. Teve que acelerar, pois o sinal tinha aberto. Infelizmente, já estávamos na Paulista, e isso significava que outro sinal claramente logo fecharia e ele teria que parar o carro. E foi exatamente o que logo aconteceu.
– Eu conversei com seu chef sobre os empregados dele antes de propor isso. Perguntei se valia a pena dar uma chance para vocês, tão jovens ainda. Ele disse que a que havia mais potencial em sua cozinha era você, Sara. Ele me falou, na época, muito bem de você. – Admitiu Alexander, logo em seguida completando. – Então eu sei que você cozinha bem, Sara. Não se diminua nesse momento. Não sou a melhor pessoa para consolar ninguém. Temos um trato, não temos? – Ele perguntou me olhando de soslaio para que não desgrudasse os olhos do trânsito. Estávamos chegando próximo do restaurante no qual eu trabalhava. Engoli em seco.
– Sim. – Respondi terminando no mesmo momento a conversa que tinha. Fiquei a pensar no Chef Carlos e em como ele tinha falado bem de mim. Não conseguia aceitar essa ideia. Ele que tanto me criticava. Era grata, sim, por ele achar isso de mim, algo que eu sinceramente nem podia imaginar, mas, ao mesmo tempo, não conseguia parar de pensar na confiança que ele tinha em mim, mesmo tanto a me criticar.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Sal, Pimenta e Amor(Completo)