A Babá Perfeita romance Capítulo 4

Tia Rose é o oposto da minha mãe. Séria, calada, tímida. Enquanto a irmã se casou cedo, aos vinte e dois anos, minha tia nunca se casou. No entanto, teve um filho de um namorado da adolescência, meu primo Nathan, que tem quase trinta anos agora e vive com a esposa em algum lugar no Canadá. Ela quase nunca fala sobre ele, mas sei que costumam trocar e-mails.

Não dá para acreditar que meu pai achou mesmo que a tia Rose poderia me presentear com pérolas de sabedoria materna. Prova disso é que nós mal trocamos algumas palavras desde que eu cheguei! A maior parte das vezes para me dar conselhos inúteis.

Depois de uma semana em sua casa, eu já estou pronta para ligar para o meu pai e implorar. Mas duvido que isso funcionaria. Apesar de amoroso, ele também é bem cabeça dura e, se acha que com isso vai me ensinar alguma lição, nenhum ato de histeria fará com que mude de ideia. Pelo contrário, só irá dar razão a ele.

A única forma de sair dessa e recuperar minha vida é arrumando um emprego. Então dia e noite eu sento no sofá, com o jornal de classificados em uma das mãos e uma caneta vermelha na outra, circulando qualquer oferta que pareça menos exigente. Mas toda vez que ligo para alguma delas ou compareço em alguma entrevista, tudo o que recebo é uma dispensa educada. Pelo que parece, até mesmo para atender telefones ou servir mesas é preciso ter alguma experiência.

Tia Rose não se cansa de dizer que eu posso continuar com ela pelo tempo que precisar. Isso me incomoda. Odeio que ela banque a alma caridosa quando, tantas vezes, presenciei brigas terríveis suas com a minha mãe. Mesmo vendo a irmã doente, e até mesmo no leito de morte, ela nunca se cansou de distribuir arrogância e presunção em forma de comentários cruéis.

Por alguma razão, as filhas do Sr Lancaster não saem da minha cabeça. Aqueles rostinhos ficaram gravados na minha memória. Nunca tive uma ligação especial com nenhuma criança, mas confesso que as duas pestinhas mexeram comigo. O que será que o pai faz e por que precisa de uma babá em horário integral, mesmo tendo uma governanta? Provavelmente é um daqueles ricaços que pensa que o fato de colocar duas crianças no mundo não implica em ter responsabilidade sobre elas.

Esse pensamento me enche de tristeza. Apesar de terem uma a outra e, com certeza, um monte de empregados, viver em uma mansão tão grande com pai ausente deve ser solitário. Coitadinhas.

São dez da manhã. Eu levanto do sofá, incapaz de ficar ali mais um minuto, remoendo minha incapacidade de conseguir um emprego. Tomo um banho, troco de roupa e aviso a tia Rose que vou atrás de uma vaga de camareira em um hotel do outro lado da cidade. Ela se oferece para preparar um lanche, mas eu pego apenas uma maçã na cozinha e, sem dar muita bola para ela, saio de casa me sentindo muito determinada.

Tenho que pegar um ônibus, porque sobre uma coisa eu não menti. Estou indo mesmo para o outro lado da cidade. Só que não pretendo ir atrás de trabalho nenhum dessa vez. 

Sem dinheiro para o táxi, começo a sentir falta do meu precioso carrinho. Que saudade... meu pai está certo. Eu não tenho mesmo juízo. Como fui me colocar em uma situação como essa? Só de pensar no quanto me arrisquei...

Suspiro, a cabeça encostada na janela do ônibus. Culpa e arrependimento me perseguem até que eu chego ao bairro luxuoso da família Lancaster, já perto da hora do almoço. 

Meu estômago ronca. Se eu fosse menos orgulhosa teria aceitado o lanchinho que a tia Rose ofereceu. Mas não. Melhor assim. Prefiro evitar ficar devendo ainda mais favores a ela. Quando voltar, eu mesma posso preparar alguma coisa para comer. Não devo demorar muito de qualquer forma. Isso se Abigail me permitir ver as crianças e se elas quiserem também me ver.

Quando chego na esquina da rua, tenho uma surpresa e tanto. As duas garotinhas estão na calçada do outro lado. Elas descem de um carro chique, em seus uniformes escolares, blusa branca de algodão e saia cor de vinho. Estão lindas, tão perfeitinhas! Alinhadas e bem penteadas, inclusive, nem parecem as monstrinhas bagunceiras do outro dia. 

Sorrio ao lembrar do que aprontaram comigo e de como devolvi na mesma moeda.

Durante a longa viagem, fiquei imaginando como seria revê-las, que tipo de reação teriam ao descobrir que eu havia atravessado a cidade apenas para encontrá-las. 

A pequena é a primeira a notar minha presença. Quando nossos olhares se cruzam, ela sorri com entusiasmo acenando na minha direção como se fôssemos velhas amigas e não duas quase estranhas. Sua espontaneidade mexe comigo e me faz sorrir de volta. Eu aceno também. Sentindo-me um pouco boba, faço uma careta para ela, que dá uma risadinha. 

Mas então, algo inesperado acontece e rompe a bolha de alegria em que nos encontramos. A pequena solta a mão da irmã mais velha e dispara na minha direção como um foguete. É tudo tão rápido, tão de repente, que eu só consigo assistir, paralisada.

Ela atravessa a rua como um raio. Meu Deus! 

O ronco de uma moto quebra o silêncio e o meu coração ameaça sair pela boca. Vejo o motorista surgir de repente, capacete vermelho e jaqueta de couro preta. É como um filme de terror, onde quero fechar os olhos, mas simplesmente não posso. 

A menininha atravessa na frente do veículo e o meu estômago se contrai. Sinto um gosto horrível na boca. Quero gritar, mas minha voz ficou presa na garganta.

Não sei o que acontece comigo, nem por qual motivo eu faço o que faço. Mas corro na direção da rua, tão rápido que é como se meus pés nem tocassem o chão. Com o coração martelando nas costelas e o sangue zumbindo nos ouvidos, eu me atiro sobre a menininha sem pensar duas vezes, empurrando-a para o chão na direção da calçada.

A moto bate contra o meu corpo. Eu sinto o som de ossos se quebrando, enquanto giro no ar uma vez antes de ser jogada contra o asfalto e apagar completamente.

A primeira coisa que escuto, ao acordar, é o apito constante da máquina ao meu lado.

Abro os olhos devagar, tentando me habituar a claridade. Procuro virar o pescoço para o foco de luz, mas uma dor lancinante me atinge, como fogo líquido dançando pelos meus músculos. Acho que tem uma janela aberta. É por onde o sol deve entrar, pois sou capaz de vê-lo banhando o lençol branco que cobre a metade de baixo do meu corpo.

Então sinto um aperto na minha mão e me esqueço de todo o resto.

- Puta que pariu - era para ser um grito de reclamação e eu fico assustada, porque minha voz sai tão baixa que eu mal sou capaz de escutar.

- Vejo que você já melhorou - meu pai diz, coçando a nuca sem jeito. Ele odeia palavrões. Sempre odiou. Quando minha mãe xingava, dizia que iria lavar sua boca suja com sabão. Mas, na verdade, acho que preferia silenciá-la com beijos.

- Ei, pai, me desculpe - sinto o peito cansado com o esforço que faço para respirar.  - O que aconteceu?

Ele olha para mim, surpreso.

- Você não se lembra?

- Não muito - sussurro, estranhando a minha voz pastosa. - Foi um carro?

Ele balança a cabeça, arregalando os olhos.

- Graças a Deus, não. Uma moto - me corrige, com um alívio evidente. - Ou o estrago poderia ter sido pior.

Sorrio, sentindo meu rosto repuxar em músculos que eu nem sabia que tinha. Não imagino como poderia me sentir pior se tivesse sido um caminhão. 

- E a menina? Como ela está?

Meu pai ergue as sobrancelhas grossas e grisalhas bem alto. Adoro quando ele faz isso. Mas, dessa vez, minha risada se converte em uma dor nas costas aguda e terrível.

Eu me contorço na cama e ele se aproxima, preocupado. Aperta minha mão de novo, com mais força, e isso só faz eu me contorcer de novo. Puta merda.

- Chloe, por que você fez aquilo? Por que se jogou na frente de uma moto? Será que você é tão imprudente assim?

Ah, lá vem.

Será que nem no meu leito de morte meu pai é capaz de me dar um desconto?

Começo a respirar fundo, mas desisto no caminho. Melhor continuar respirando superficialmente. 

O quarto é um quarto normal de hospital. Branco, sem graça, tão estéril que eu até tenho medo de transmitir alguma coisa para ele. Minha cama é a única do lugar. Fica no centro do ambiente, com máquinas tão cheias de luzinhas coloridas que lembram a aparelhagem de um DJ. 

Ok, nem tanto.

- Não sei por que eu fiz isso, papai. Foi, sei lá, instinto - argumento, sentindo-me fraca outra vez. - Ela ia ser atropelada.

- E então, você foi atropelada no lugar dela.

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