A Babá Perfeita romance Capítulo 61

Judith me surpreende no corredor. Pelo seu olhar decepcionado, que é de cortar o coração, eu imagino que não vou ter boas notícias da sua parte.

Mesmo assim, fico surpresa quando ela me revela o motivo de toda aquela agonia.

- Chloezita, deu tudo errado para amanhã. A noite das garotas foi para o espaço.

Eu pestanejo, sem saber o que dizer para ela por um instante. Como é engraçado! Um segundo atrás, meu pensamento estava todo concentrado em arrancar as bolas de Max com os dentes, e agora tenho dificuldade em mudar o foco para qualquer outra coisa que seja.

- O que foi que disse? Por que? O que houve?

Ela suspira. Coça a nuca. Parece relutante em revelar os motivos. Eu não consigo imaginar o por que, já que entre Jud e eu nunca costumou existir esse tipo de formalidade.

- Promete que não vai contar?

Como assim?

 O que pode ser tão terrível que exija manter segredo? Seu pedido aguça a minha curiosidade e eu me esqueço, temporariamente, da minha fúria assassina contra Max Lancaster.

- Prometo. Me fala, pelo amor de Deus. O que houve? 

- Ai ai ai...

- Fala logo. Somos amigas, não somos? E se eu prometi, é porque não vou contar nada.

- Sei disso, Chloezita - ela me olha, ofendida. - Não estou com medo que você me delate. É  que... não quero ver você tristinha outra vez.

No instante em que Judith diz isso, é como se eu fosse atingida por um meteoro em chamas. A ficha cai na hora. De repente, eu tenho não só a certeza da razão do cancelamento do nosso encontro, mas de quem foi o autor da decisão, do por que fez isso e, pior, a certeza de que aquele não foi um comunicado nada amigável.

Uma raiva perigosa me domina por dentro. Cerro as mãos em punhos, desejando que Max estivesse ali para eu poder descontar todo aquele sentimento de frustração em cima dele.

Judith me encara, alarmada. Ela sabe que acabou de retirar o pino que aciona a granada. A irritação é tão grande que sinto o meu rosto formigar.

- O que ele disse exatamente, Jud?

Ela arria os ombros, atenuando o olhar para uma expressão receosa. Morde a boca e olha para os lados, se assegurando de que ninguém é capaz de nos ouvir ali. Pobre Jud! Não quero envolvê-la em problemas, não mesmo. Mas se Max está pensando que tem o direito de estragar os meus planos para o fim de semana e escapar ileso, então está muito enganado. Sou capaz de qualquer loucura para colocá-lo de volta em seu lugar.

- O Sr Lancaster me proibiu de sair com você, Chloe. Terminantemente. Disse que se eu descumprir essa ordem, Javier e eu estaremos no olho da rua - confessa a beira das lágrimas. - Sinto muito, mas não posso perder esse emprego. Por favor, diga que você me perdoa.

Eu nem tento disfarçar a minha revolta. Minha cara, outra vez, diz tudo, porque Judith arregala os olhos e torce as mãos na frente do corpo, nervosa. Não pode ser. Dessa vez, Max passou de todos os limites. Primeiro, diz que vai me manter em cativeiro dentro do quarto. Agora, ameaça tirar o emprego de Judith e seu marido. Aquele filho da puta! O que mais falta ele fazer? Colocar uma coleira no meu pescoço com o nome dele?

Max Lancaster não sabe ainda, mas vai descobrir, em breve, que tentou fazer de cadelinha a mulher errada.

- Juro por Deus que eu nunca conheci alguém tão arrogante quanto esse homem - murmuro, tremendo dos pés a cabeça. - Um egoísta, um manipulador egocêntrico e...

Judith abre um daqueles seus sorrisos de canto e ingênuos, dando de ombros.

- Bom, ele te ama, sua bobinha. Deve estar com ciúmes - acena com a mão, fazendo pouco dos abusos do patrão. -  Eu vejo isso nas novelas, Chloezita... é tão lindo! O mocinho quer proteger a mocinha a todo custo e enfrenta vários perigos por ela no caminho...

- Não tem nada a ver com ciúmes - eu a interrompo, chocada. - Ele está sendo um babaca, isso sim. Achando que manda em mim. E ameaçando prejudicar você, ainda por cima. Será que não vê? E não existe nenhum príncipe em um cavalo branco, amiga.

- Ah, não diga isso, por favor - ela faz biquinho. - E o que é, então?

E olho para trás de Judith, como se pudesse ver o capeta Lancaster se materializando nas suas costas. O corredor está vazio e a porta do escritório, como sempre, fechada.

- Não sei ainda, mas vou descobrir. Onde o esse demônio está, afinal?

- Demônio? Aaaah, sim... acabou de sair.

- Como assim saiu?

Ela abaixa a voz para um tom de confessionário.

- A Sra Lauren ligou para a casa e pediu que o Sr Max fosse encontrá-la. Disse que era muito importante, muito urgente. Eu passei o recado e o homem acelerou como um foguete indo até a lua.

A simples menção daquele nome faz soar um click dentro da minha cabeça. Filhos da puta! Conforme vou repassando os últimos acontecimentos, as peças começam a se encaixar de uma forma perigosa.

Depois de quase uma hora esperando o todo poderoso voltar para o quarto, não me aguentei e enviei uma mensagem a ele, perguntando onde estava. Afinal, tínhamos um acordo de dez minutos. No entanto, tudo o que eu recebi foi uma resposta cretina: "Fique quietinha. Resolvendo assuntos importantes. Não saia do quarto, Chloe. É um pedido, não uma ordem".

Uma ova que era um pedido!

Agradecendo a Deus por não ter porte de armas, deixei o quarto, pronta para encontrá-lo e gritar umas boas verdades na sua cara. Mas quem eu acabei encontrando pelo meio do caminho foi Jud. E o que ela tinha a dizer não ajudou a melhorar minha opinião a respeito de Max. Muito pelo contrário. Se antes eu queria matá-lo, agora não me contento com nada menos do que requintes de crueldade.

- Ele foi ver a Lauren?

- Foi o que ele me disse.

- Desgraçados.

Jud parece não entender. Então sua expressão se ilumina e ela abre um sorriso pacificador.

- Ah, não. Eu conheço essa carinha, mi amore. Não, não e não... esse homem é louco por você, ele jamais ficaria com outra, eu sei disso.

- Você acha mesmo, Jud? Porque, no momento, não tenho muita certeza.

A verdade é que, me traindo ou não, Max me deve muitas explicações quando voltar para casa. Logo depois de eu cortar seu maldito pênis com o facão de carne.

- Tenho certeza absoluta. Não se preocupe - ela assegura. - Quando ele voltar, vocês dois irão conversar e resolver tudo. Vamos deixar a noite das meninas para a próxima- sorri, confiante. - Eu já tinha separado o vestido, você acredita?

Eu quase choro de raiva. Como é impossível conviver com um homem com aquele temperamento! E eu que sempre achei que fosse difícil, estou aprendendo que perto de Max sou um verdadeiro docinho.

Seu desgraçado, você vai me pagar!

- Onde estão as meninas, Jud?

- Brincando no quarto delas.

- E Abigail?

- Dormindo. Por que?

- Tão cedo... - eu estranho. Não são nem oito horas ainda.

- De novo as dores - Judith suspira. - Eu fui até lá, mas ela não quis companhia. Estava exausta e queria dormir. Tomou uns analgésicos e capotou.

- Certo. Jud, estou tendo uma ideia, mas vou precisar do seu apoio. Posso contar com você?

- Ai, ai, ai, Chloezita. Aí vem coisa... 

Eu sorrio com o canto da boca.

- O que você acha de fazermos a noite das garotas hoje mesmo?

- Não, Chloe. Hoje estou de serviço, não posso.... aaaaaahhhh! - seus olhos reluzem com empolgação, enquanto abre um sorriso de orelha a orelha. - Acho que eu entendi. Os gatos saem, as ratitas fazem a festa. Achei que você fizesse questão de sair da mansão, mas se não, vou começar a preparar as margaritas agora mesmo...

Eu seguro Judith pelos ombros, com um sorriso malicioso.

- E quem disse que não vamos sair?

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- Não, Chloe! De jeito nenhum. Não, não e não - Judith afirma de braços cruzados, bastante categórica.

Não que eu pretenda admitir, mas depois que as palavras saíram da minha boca, eu mesma não consegui acreditar no que estava propondo a ela. Às vezes custo a acreditar que a minha cabeça seja capaz de produzir um volume tão grande de absurdos.

Mesmo assim, a ideia tem um certo estilo. É uma loucura, mas uma loucura genial.

- E por que não, Jud?

- Por que não? Porque tem duas crianças brincando no quarto, uma cozinheira dormindo no andar de baixo e porque o meu patrão é um homem tão bravo, mas tão bravo, que me mete medo - ela conta nos dedos, bufando. - Esses três motivos estão bons para você?

- Ele confiou as meninas a Abigail - eu a corrijo, sem conseguir esquecer a empáfia de Max ao me deixar esperando por ele dentro do nosso quarto, para então, ir encontrar com Lauren. O rancor me come vida por dentro. - Não me pediu nada, nem a você. Pediu?

- Não, só que agora Abigail está dormindo - Judith lembra, a própria voz da razão. - E eu vi o remédio que ela tomou na cabeceira ao lado da cama. Posso te garantir que a Sra Hayes não vai acordar tão cedo.

- Ótimo.

- Ótimo?! -  Judith quase engasga - Ai ai ai, menina. Por que ótimo, hein?

A adrenalina da minha própria ideia adaptada, versão 2.0, me envolve em um frenesi tão grande, que a adrenalina faz o meu estômago dar voltas.

- Porque nós vamos levar as duas.

- É o que? Você enlouqueceu, meu bem? 

Eu sorrio, dando de ombros.

- Javier foi levar o patrão? Porque, se não, ele pode levar a gente. Não tem perigo, tem?

- Só o perigo de nós dois seremos demitidos quando o Sr Lancaster voltar - ela sorri, irônica. - Me parece um perigo e tanto.

Eu suspiro alto.

- Credo, Jud! Você já está me cansando. Custa ter um pouco de senso de aventura? Eu mesma vou conversar com Max quando ele voltar.  Primeiro vou mandar uma mensagem a ele, avisando que fui dar um passeio com as meninas... depois que sairmos da mansão, lógico. E quando ele chegar, cuspindo marimbondo, vou jogar na cara do filho da mãe que ele mentiu para mim, me deixou esperando, me fez de idiota. Ele me desafiou, eu só estou revidando a altura - digo com simplicidade.

- Roubando as filhas do homem?

Eu reviro os olhos. Nossa, que drama.

- Não estou roubando ninguém. Eu deixaria as duas aos cuidados da Abigail e faríamos nossa noite das garotas como previmos, mas ele não me deixou escolha. E agora não posso confiar em uma governanta sob efeito de calmantes - explico. - Você precisa concordar que está na hora de Max aprender uma lição. Além disso, vou mostrar a ele que não há nada para se preocupar, que sou perfeitamente capaz de cuidar de mim e até mesmo das meninas. 

- Meu Deus, você é doidinha... 

- E tem mais... - eu ignoro seu comentário com sucesso - se ele for em cima de você, eu conto que foi tudo ideia e minha e que te obriguei.

- Ele não vai acreditar.

- Vai sim - digo, convicta. - Porque ele me conhece e sabe que eu seria capaz.

Ela levanta as sobrancelhas, pensativa.

- Isso é verdade. Você é louquinha de pedra - Jud  torce os lábios. - Mesmo assim, acho que não é uma boa, Chloe. Além disso, bebidas, farra e crianças não combinam. Eu não ia ficar nada a vontade.

Eu suspiro, derrotada. Não sei mais o que dizer para Judith. Já lancei mão de todos os meus argumentos e promessas na tentativa de convencê-la. Fazer o que? Talvez ela esteja certa. Será que estou sendo mesmo precipitada? Além disso, usar as meninas num jogo desse não parece nada certo. Por outro lado, Max mente, engana, manipula... talvez até mesmo traia. Por que eu sempre preciso ficar por baixo? Por que tenho sempre que pensar no que é certo e errado? Por que não posso chutar o balde também de vez em quando? 

Além disso, eu nunca, jamais, colocaria Evie e Maisy em perigo. Não estou mentindo, quero que Max veja isso também.

- Achei que nós quatro pudéssemos nos divertir um pouquinho juntas. Poderíamos transformar a noite das garotas com margaritas em um cineminha das garotas. Poderíamos pegar a próxima sessão se a gente corresse - sorrio, animada. - Não seria tão emocionante quanto a ideia original, mas ainda assim seria divertido.

- Seria, mas...

- E uma oportunidade para Evie e eu resolvermos as coisas de uma vez. Você sabe que ela ainda não fala comigo, não é?

- Ah, Chloezita, não faz assim - ela choraminga, o olhar desolado. - Está me deixando com o coração apertado apertadinho.

- Estaríamos de volta em três horas no máximo. Talvez antes de Max voltar.

Judith me olha como se eu fosse de outro mundo. Por fim, balança a cabeça e respira fundo.

- Está certo, me convenceu. Mas se eu perder esse emprego, vai me sustentar pelo resto da vida, ouviu bem? - avisa e eu dou um grito, atirando os braços ao redor do seu pescoço. Nós duas pulamos abraçadas, enquanto eu dou um nela um daqueles seus beijos estalados. - Mas vai pensando em uma boa maneira de nos tirar da casa com o leão de chácara lá fora.

- O Carter?

- Sim. Ou você acha que ele não está treinado para segurar você na força bruta, se for preciso?

Pensar em Carter me detendo a força faz eu ver que, no fim das contas, tomei a decisão certa. Max anda precisando de um freio se acha que pode colocar o seu cão de guarda para latir e rosnar para mim.

- Deixa comigo, Jud... eu lido com Carter. 

- Tudo bem. Então eu vou arrumar as crianças. Quanto tempo temos?

Pego o celular do bolso e uma onda de desânimo me assola.

- Hm, cerca de quarenta minutos. Isso é ruim.

- São uns quinze só para chegar ao shopping - Judith concorda.

- Acha que conseguimos?

- Não vai ser fácil - ela suspira, mas abre um sorrisinho. - Não se preocupe, vamos fazer dar certo. Como se diz mesmo? Mulheres unidas, jamais serão vencidas.

Suas palavras renovam meu entusiasmo. Judith, sua maravilhosa!

- Obrigada, minha amiga. Você é a melhor.

Ela ri.

- Eu sei disso, guapa. Agora vou lá nas meninas e, em um segundo me arrumo também. Faça o mesmo, por favor. Como um trem bala, ok?

- Ok.

Eu voo para o quarto com o coração saindo pela boca. Pego o primeiro jeans e camiseta que encontro no armário e pulo para dentro deles numa correria danada contra o tempo. De dedos cruzados, fico torcendo para dar tudo certo com Jud e as meninas, mas uma nuvenzinha negra insiste em ficar pairando sobre a minha cabeça. É quase certo que Evie vá fazer um verdadeiro carnaval quando ouvir minha ideia. Vai revirar os olhos daquele jeito, como se estivesse tendo uma convulsão. Toda irritada e cheia de superioridade, como de costume. No momento, sou a única pessoa que ela tem vontade de ver no mundo. Por que iria querer ir ao cinema comigo? Mas eu preciso fazer esse esforço... um enorme esforço... um esforço surreal, na verdade, se quiser reconquistar seu carinho e confiança. Não sei porque isso é tão importante para mim, mas é. E ponto final.

Dou uma escovada rápida no cabelo e, quando estou pronta, disparo escada abaixo com a pulsação a mil . Para o meu espanto, cerca de dez minutos depois, Judith e as meninas chegam na sala e, apesar do mau humor evidente de Evie, ela está arrumada e com sua bolsinha a tiracolo.

- Vamos? - pergunto, ansiosíssima.

- Vamos - Jud responde, carregando as meninas pelas mãos na direção da porta. - Ai, Chloezita. Eu só espero que você saiba mesmo o que está fazendo.

No comando daquela operação, faço o possível para não deixar transparecer nem uma pontinha de nervosismo. Mas a verdade é que, mesmo muito entusiasmada, minhas pernas estão tremendo feito gelatina.

Quando voltar, precisarei enfrentara fúria de um Max Lancaster ignorado e desacatado.

Nunca nada me pareceu tão excitante e apavorante ao mesmo tempo.

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