O Acordo Perfeito(Completo) romance Capítulo 1

Quando se trabalha como ajudante de cozinha num restaurante na grande São Paulo, o que menos se tem é paz. Em segundo lugar, tempo. Porque é tudo uma grande correria e a única certeza que se tem é de que o cliente precisa do seu prato o mais rápido possível e sabe-se lá como você vai conseguir entregá-lo. Dê o seu jeito. Não era uma rotina fácil, mas eu gostava dela.

Assim, quando o expediente finalmente acabou e eu fui olhar o meu celular, não foi à toa que fiquei preocupada ao ver que havia não só uma, mas cinco ligações da minha mãe! Peguei o telefone e disquei imediatamente.

Minha mãe não era de ligar como uma louca para mim. O motivo para tanto me dava calafrios, porque o fato de minha mãe ter me ligado como louca provavelmente envolvia alguma coisa a ver com meu pai.

Meu pai havia desenvolvido o que os médicos costumeiramente chamavam de doença rara e, por ser rara, os tratamentos eram poucos e todos caríssimos. Tipo caríssimos na faixa de 50.000 por mês. O SUS demorava um ano para atender meu pai e a gente até tentava custear um tratamento ou outro, mas se tornava uma missão impossível em virtude do preço. A única coisa que acabava restando para nós era orar para que meu pai não passasse mal até que o tratamento começasse a surtir algum efeito ou, pelo menos ser feito com maior reincidência, se o SUS ajudasse.

― Mãe? Ta tudo bem com o pai? ― Perguntei levemente desesperada.

― Ta sim, porque? ― Ela perguntou. Revirei os olhos. Isso porque tinha sido ela que tinha me ligado e não eu para ela. Suspirei olhando o relógio. O ônibus demoraria mais uns quinze minutos para chegar.

― Por que você me ligou, oras essa…

― Ah, você demorou tanto que até perdeu a graça. Em casa eu te conto. ― Não devia ser nada importante. Talvez minha mãe tivesse ganhado outro corte de cabelo grátis naquelas promoções da internet que ela sempre se inscrevia. Só podia ser isso.

― Tudo bem. Daqui quarenta minutos estarei em casa.

― Ok. ― Foi a resposta dela. Desliguei.

Meus chefes eram maravilhosos. Esperavam todos os funcionários irem embora antes de irem também.

Trabalhar no Le Mound Falcão era bom demais. Pelo menos o medo de ser estuprada no ponto de ônibus na esquina do restaurante não era uma realidade para mim. Felizmente, o ônibus não demorou para chegar e eu me permiti descansar a meia hora que demorava para chegar em casa enquanto sentia o alívio de que meu pai estava bem.

Amava o meu pai, mas a vida estava difícil por ele não conseguir trabalho com tantas consultas médicas e dores constantes e idas a hospitais. Meu irmão não trabalhava e mamãe vivia do salário que dividia com mais uma irmã do pai militar. Fora isso, eu complementava a renda familiar e vivíamos num aperto. Meu salário era para pagar as passagens para a faculdade que eu fazia com financiamento do governo e as passagens para o trabalho. O resto ia tudo para casa. Mas tudo bem. Se meu pai conseguisse ficar descansando, sem estresse, como o médico dissera, tudo ficaria bem.

Chegava em casa sempre quase uma da manhã. Normalmente, nunca havia ninguém acordado essa hora, mas a surpresa da minha mãe devia ser realmente importante para ela posto que ela não tinha esperado o dia seguinte e estivesse acordada me esperando para contar. Mal cheguei em casa e ela levantou num pulo do sofá.

Minha mãe era muito bonita e as vezes eu sentia que ela odiava o desleixo que eu tinha com beleza, o que ela não tinha. Ela sempre estava com os cabelos loiros bem feitos, as unhas bem pintadas e grandes, a sobrancelha de hena, as vezes até de maquiagem dependendo da ocasião. Daquela vez não era diferente, ela estava tudo isso e ainda mais: Tinha um sorriso gigantesco que tomava a face inteira.

― Pam, você não sabe que perfeita a novidade que recebi hoje! ― Ela deu um gritinho de felicidade no final e eu me movimentei para a cozinha seguida de minha mãe. Fosse a novidade que viesse, ela poderia esperar um pouco. Eu estava morrendo de fome.

Abri a geladeira procurando algo para comer, mas estava vazia. Meu irmão preguiçoso devia ter jantado toda a sobra do almoço. Peguei o leite na geladeira e busquei um cereal no armário. Serviria como janta.

― Não vai me perguntar?

― Qual a novidade de hoje, mãe? ― Perguntei completamente desinteressada. Coloquei o achocolatado num pote cobrindo com leite. Peguei uma colher e comecei a comer. Ah, como era bom alimentar um estômago vazio. Dessa vez eu havia chegado atrasada, pois Sara e Ale sempre serviam alguma coisa antes do expediente para os funcionários comerem e conseguirem cozinhar de barriga cheia. Infelizmente, o trânsito não havia me ajudado.

― Você conseguiu! ― Ela gritou novamente. Arqueei uma sobrancelha. Não me lembrava de ter me inscrito para nenhum concurso. A não ser que minha mãe tivesse feito isso contra minha vontade. O que era típico dela.

― O que foi dessa vez que você fez eu conseguir mãe? ― Perguntei temerosa.

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