O Acordo Perfeito(Completo) romance Capítulo 31

Hamfaz tinha ficado boa parte da manhã recebendo algumas encomendas para o restaurante, o que permitiu que eu não o visse logo cedo e, melhor, pudesse mostrá-lo um pouco dos meus dotes culinários – o pouco que eu podia me gabar de ter aprendido com o melhor casal do mundo – e que cozinharia para ele.

Eu sabia que Hamzaf poderia ser um crítico bem rigoroso, mas duvidava que ele tivesse experimentado uma comida verdadeiramente brasileira, da qual ele não esqueceria jamais. Eu deixaria para cozinhar em outro momento um autêntico feijão brasileiro, porque naquele momento só fiz um arroz com uma moqueca que orgulharia o sangue nordestino da minha mãe. Sorri.

Cozinhar era uma paixão que eu havia deixado em stand by enquanto estava ali em Dubai, mas que continuava sendo uma paixão minha que eu não conseguiria abandonar nunca, pelo contrário, se pudesse, continuaria os meus estudos e até trabalharia no ramo. Não porque precisasse do dinheiro, já que pelo menos Hamzaf não deixava me faltar nada, mas porque era algo que eu verdadeiramente gostava de fazer, só pelo simples fato de apreciar os aromas, sentir o cheiro do vapor e experimentar uma digna comida.

― Está cheirando muito bem, o que é? ― Ouço Hamzaf perguntar enquanto fecha a porta do apartamento. Sorrio.

― Moqueca. ― Ele franze o cenho. Provavelmente nunca ouviu falar e nem sabe o que é.

― Experimenta. Eu acho que você vai gostar. ― Hamzaf concordou.

Aquela manhã estava maravilhosamente tranquila. Grace não havia aparecido com Jason ainda, se é que apareceriam, muito embora eu ache que sim, já que a mala de Grace continua aqui. Mas também não sei se ela virá sozinha, o que acho que seria certo, já que eu não quero mesmo ver outra briga entre dois machos alfa.

Hamzaf colocou um pouco de comida no prato e eu o segui sorrindo para o meu prato simples, mas não menos apetitoso por isso. Sentamo-nos e eu e Hamzaf apreciamos a comida em silêncio enquanto deixávamos que cada aroma, cada erva e cada conjunto de sabores pudesse encostar em nossas línguas e dar o seu show final. Quase fechei os olhos.

― Hum… É realmente delicioso. Talvez eu só diminuísse a quantidade de pimentão e aumentasse a quantidade de picante. ― Sorri.

― O pimentão faz o seu show no prato e você falando mal dele. ― Hamzaf abriu um mini sorriso no canto dos lábios, mas eu continuei: ― Hey! Não seja tão crítico, seu mal humorado. ― Empurrei o ombro de Hamzaf enquanto dessa vez nós dois gargalhávamos e o clima ficava ameno novamente.

― Isso me faz lembrar que… Você me disse que trabalhava com alguma coisa no Brasil? ― Ele perguntou arqueando uma sobrancelha. Sorri de lado.

― Eu não disse. ― Ele escancarou a boca.

― Mas… O que!? Eu não perguntei? ― Tentei pensar em alguma ocasião do tipo, mas não achando, dei de ombros.

― Acho que não.

― Então vou perguntar agora. Com o que você trabalhava no Brasil, Pam?

― Hum… Era ajudante de cozinha. ― Disse sinceramente, mas antes que Hamzaf continuasse me bombardeando de perguntas, o telefone dele acabou tocando e ele atendeu quase que imediatamente sem me dar chances de ver quem era.

― Sim. Vou colocar no elevador então. Obrigado, Rashid. ― Era o irmão dele. Franzi o cenho sem entender bulhufas, mas Hamzaf simplesmente se levantou e eu o acompanhei enquanto via ele pegando a mala de Grace do quarto.

Eu já havia guardado as coisas dela durante o dia para caso ela voltasse não ficar procurando onde por acaso tinha colocado sua base protetora ou qualquer coisa do tipo. Portanto, já havia feito o trabalho sujo, de modo que apenas paralisei vendo Hamzaf colocar a mala no elevador e deixar que ela descesse de encontro ao irmão dele. O silêncio depois disso ficou por um longo tempo entre nós, sem que as perguntas de Hamzaf povoassem o local por um bom tempo.

*

Ninguém disse nada por não ver Grace conosco, o que foi um alívio, porque eu não queria explicar tudo o que tinha acontecido. Mas eles já deviam especular por conta do bandaid colocado acima da sobrancelha de Hamzaf. Ao menos era o que eu imaginava.

Estávamos calçando os patins para patinar um pouco no gelo. Parecia um pouco aquelas lindas histórias românticas que provavelmente era o que a mídia estava tentando vender ali, muito embora eles já desconfiassem também que isso era muito mais fácil de ser vendido se Grace estivesse ali. Na certa, ela fingiria que era uma zero a esquerda na patinação e pediria auxílio de Hamzaf durante toda a patinação, o que geraria lucros para a mídia, com várias garotas suspirando imaginando-se no lugar, mas não naquele dia. Não sendo eu ao lado de Hamzaf.

Eu sabia patinar e deveras razoavelmente bem. Não caia e quando pequena conseguia até andar com uma perna levantada como se estivesse planando como um avião. Obviamente, não sabia se conseguiria fazer tal feito naquele momento, afinal, a última vez que patinara fora quando eu era pequena e papai ainda não tinha desenvolvido nenhuma doença desastrosa. Mas eu imaginava também que patinar fosse como andar de bicicleta. A gente não esqueceria de um dia para o outro. Só ficaria um pouco enferrujado.

― Vocês estão prontos? A gente vai fazer algumas tomadas e fotos. Vocês só precisam agir como se não estivéssemos aqui. ― Revirei os olhos. Como se isso fosse assim, super fácil. Concordei com a cabeça e entrei com Hamzaf na pista de patinação.

De fato, eu estava enferrujada, mas estava conseguindo me manter em pé de boa. Hamzaf também não parecia ter dificuldade com isso. Sorrimos.

― Você até que patina bem. ― Ele observou.

― Dou para o gasto. ― Pisquei e Hamzaf sorriu achando graça.

― Gostas de patinar?

― Partindo do princípio de que no Brasil a gente não tem muitas pistas de patinação e a maioria é cara demais para o meu salário anterior, acho que sim. ― Disse dando de ombros. Se eu tivesse condição, com certeza continuaria patinando.

― Hum… ― Foi o que Hamzaf se limitou a dizer.

Ali estávamos nós em silêncio novamente. Não que eu não gostasse. Na verdade, com Hamzaf, eu não me sentia na necessidade louca de preencher o silêncio com palavras, mas naquele momento o silêncio me fazia lembrar da noite anterior, quando tínhamos nos beijado e isso era suficiente para que o silêncio não fosse tão reconfortante assim. Acabei me vendo impelida a falar só para afastar as lembranças que certamente deixariam o meu rosto vermelho facilmente.

― E como você teve a ideia de construir um restaurante? Como tudo começou? ― Hamzaf abriu um largo sorriso. Parecia gostar desse assunto para falar.

― Trabalhei muito tempo para um chefe renomado aqui em Dubai, Faruk Yared, com quem aprendi muito. Fui juntando dinheiro e peguei um empréstimo. Num primeiro momento, apenas comprei o primeiro andar de onde moro agora. Dormia no salão mesmo, porque não tinha lugar para dormir. Tive sorte e fui construindo o meu patrimônio aos poucos. Devo muito a Faruk que em vez de me toler, me incentivou a continuar com meu sonho e me trouxe contatos que hoje são meus clientes também. ― Hamzaf pareceu levemente absorto no próprio relato. Esperei alguns segundos antes de perguntá-lo:

― E você trouxe o seu irmão depois disso? ― Hamzaf deu uma risada amarga.

― O meu irmão foi um pedido de sofrência de minha mãe que não aguentava mais vê-lo enveredando por um caminho sem volta. ― Hamzaf estalou a língua parecendo lembrar desse tal caminho sem volta. ― Tento o colocar no lugar, mas creio que ele nunca será um homem por certo inteiro. Minha mãe se sente culpada pelo caráter dele acreditando que isso se deve por ter deixado ele cair de uma bancada quando tinha dois anos. Mas eu insisto em dizê-la que uma queda não transforma um bebê em um tirano. As atitudes de Rashid são assim porque ele é assim. Podemos tentar alertá-lo sobre o que o espera ao morrer se continuar assim, mas creio que ele não vai ouvir. ― Aquilo parecia uma conversa cheio de mistérios que me deixava intrigada.

― Mas o que seria tão tirano assim?

― Melhor não saber, Pâmela.

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