Não era um maldito sonho.
Não consegui prestar atenção direito em nenhuma palavra dos professores ainda repassando todas as informações que minha mãe tinha me passado. Um árabe de Dubai. Dez meninas competindo. Eu sendo a única do Brasil. Rico. Dinheiro. Meu pai precisa de dinheiro para custear seus tratamentos. Casamento. Outro país. Fim dos sonhos. Fim de carreira. Fim de faculdade.
Era muita coisa para sopesar e pouco tempo para decidir. Eu tinha por certo que não iria, ainda que uma voz da consciência continuasse me atazanando a paciência como se fosse a minha mãe sussurrando: Ingrata, seu pai…
Só conseguia ter paz durante o expediente do trabalho. Foram dois longos dias tentando esquecer esse assunto antes que eu recebesse outra ligação durante o expediente. Novamente, demorei a atender só vendo no fim do expediente. Achei que deveria ser mamãe novamente tentando me convencer a mudar de ideia então liguei para ela com a voz de desinteresse.
― Fala mãe… ― Disse revirando os olhos. No segundo seguinte, fiquei alarmada. Mamãe estava chorando.
Eu sabia o que isso significava.
― Onde você o levou? ― Ela então me disse o nome do hospital.
― Hey, está tudo bem, Pam? ― Era minha chefe, perspicaz, Sara. Balancei a cabeça negativamente. Os olhos já enchiam-se de lágrimas e Sara entendeu que havia algo de errado, me pegando pelos ombros e me levando até um Gol quadrado onde Ale já estava sentado pronto para dirigir.
― Para onde? ― Ela me perguntou. Fungando, passei o endereço do hospital e ouvi Ale brincar:
― Mais rápido que o Mcqueen… ― E embora eu não estivesse com ânimo para brincadeiras, dei um meio sorriso para o bem humorado do meu chefe enquanto agradecia mentalmente por eles estarem me ajudando.
― Onde ele está? ― Perguntei para mamãe que esperava na sala de espera. Ela tinha os olhos inchados e manchados de preto, provavelmente de lápis escorrido.
― Na-Na cirurgia. ― E percebendo que era eu na sua frente, mamãe me empurrou para longe dela, para minha surpresa. ― Saia de perto de mim, ingrata. Disse que seu pai passou mal, porque você é filha dele. Mas você só merece isso. É mesquinha demais para ajudar seu pai. ― E eu sabia que minha mãe estava falando tudo de cabeça quente, mas paralisei a dois passos de distância dela recebendo aquelas palavras como murros.
A voz da consciência me acusou da mesma coisa. Eu não queria ajudar o meu pai quando tinha a oportunidade.
Engoli em seco sentando numa poltrona e esperando. Haveria outra forma de ajudar meu pai? Não por muito tempo. Essa oportunidade talvez nunca mais voltasse a existir. É claro que eu achava que era muito nova para casar ― tinha acabado de completar vinte anos agora! ― mas talvez o que menos importasse ali fosse minha vontade.
Casamentos antes de tudo eram convenções. Eu não iria provavelmente amar o tal homem que queria comprar uma mulher, mas, quem sabe com o tempo, eu pudesse aprender a sentir algum afeto. Talvez valesse a pena se eu pudesse visitar meu pai e ver que ele estaria bem. Isso se eu passasse pelo tal teste das dez. Eram muitos talvez e uma decisão que precisaria ser tomada o mais rápido possível. Talvez papai também não tivesse chances de sobreviver.
Fechei meus olhos na tentativa de controlar o medo de me mudar se essa fosse a decisão certa a se tomar.
Abandonar tudo o que eu havia construído no Brasil. Voltei minha atenção para dentro de mim mesma e pedi a Deus que se ele existisse, que salvasse o meu pai. E em troca… Em troca eu iria nesse encontro das dez.
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