Enfrentar para recomeçar, esse é o lema!
O espelho do pequeno hotel já não reflete dor, pelo menos não a visível. Marta encara seu reflexo com firmeza, puxando a gola da blusa de leve, só para confirmar o que o tempo cuidou de apagar. As marcas sumiram. Mas as cicatrizes internas… essas ainda ardem.
Ela respira fundo, pega o celular novo e vê a notificação do banco. Outra transferência robusta entrou direto da conta do grupo Schneider. Um valor que poderia sustentar ela por um bom tempo. Seus olhos se apertam em desconfiança, mas ela não questiona. Contrato de confidencialidade, talvez? Uma tentativa patética de compensar? Tanto faz. Ela não responde. Não agradece. Não confronta. Simplesmente ignora.
Marta pega sua bolsa, ajeita a mala no banco de trás da RAM preta e dá partida. O ronco do motor é firme, forte… diferente dela, que ainda sente o peito afundar toda vez que lembra do olhar de Jonathan, da dor, da raiva, do descontrole.
As horas passam devagar. A estrada é longa e solitária, cortando campos verdes e céus infinitos. A playlist que escolheu tem um pouco de tudo, mas é quando toca aquela música que ele cantava no ouvido dela que os olhos marejam. Uma lágrima escorre. Depois outra. Ela não chora alto, não grita. Só deixa as gotas deslizarem, como se o sal purificasse por dentro.
Dois postos depois, ela para. Abastece. Estica as pernas. Toma um café quente e forte. E então... volta à estrada. O retrovisor devolve a imagem de uma mulher que já foi amada e quebrada, mas agora dirige o próprio destino.
Depois de mais algumas curvas, ela reconhece as placas, as árvores, os campos. Está chegando. O pequeno município onde cresceu parece parado no tempo. Ruas estreitas, a praça com a mesma fonte, o mercadinho da esquina, as lojas agropecuárias... Pouca coisa mudou.
Ela não abaixa os vidros. Não quer ser reconhecida.
— É hora de encarar... tudo que um dia deixei para trás.
Enquanto isso, no Grupo Schneider...
A sede da empresa já não vibra como antes. Os corredores continuam impecáveis, mas parecem mais frios, silenciosos. O clima tenso se arrasta por todos os setores, e o nome de Marta ainda ecoa, mesmo que em sussurros.
— “Ela era a alma disso aqui...”
— “Nunca mais vi o Jonathan sorrir desde que ela sumiu...”
— “Será que ela volta?”
Jonathan finge não ouvir. Mas ouve tudo. Cada palavra. Cada comentário sussurrado. Cada olhar de pena.
Ele entra na empresa cedo. Sai tarde. Assina documentos no automático. Não se dá ao luxo de lembrar o toque das mãos dela no escritório, os cafés que ela fazia na hora certa, as soluções criativas que trazia, os risos compartilhados em meio às planilhas.
Mas lembra. Lembra de tudo.
Foi atrás dela. Foi até a faculdade.
— Trancou o curso, senhor Schneider. Não temos informações adicionais.
O número está desativado. Nenhum rastro. Nenhuma pista.
Ele se tranca no escritório e olha para o celular. Vê as fotos dos dois sorrindo na última viagem. As que ele não teve coragem de apagar. O peito aperta como se estivesse afundando num mar escuro sem saber nadar.
— Idi0ta... imbeciil... murmura, olhando para o próprio reflexo no vidro da janela.
A cada dia que passa, Jonathan sente que o castigo é justo. Porque agora sabe que ele perdeu o amor da vida dele.
Mas... será que perdeu mesmo?
A estrada de terra molhada parecia mais estreita que ela se lembrava, conforme a RAM preta de Marta avança, o motor ronronando firme entre as curvas suaves e as lembranças pesadas. O sol se esconde por trás de nuvens alaranjadas no fim da tarde, criando um cenário quase poético, como se o tempo também estivesse esperando esse momento.
O coração dela batia forte. Forte demais. Quase doía.
Cada árvore, cada curva, cada porteira, tudo carregava memórias que ela jurou esquecer, mas que agora pulsavam vivas em cada canto daquele caminho.
Ela reduz a velocidade ao avistar a sua da casa do sítio. A mesma de sempre, com os ganchos de ferro já gastos pelo tempo. Marta desce do carro, sentindo o chão firme sob seus pés, e abre a porteira com as mãos trêmulas. Volta para a RAM, dirige devagar até dentro do terreno e para, descendo novamente para fechar a entrada.
O ar ali tem cheiro de infância. De saudade. De medo. De coragem.
Conforme avança devagar pelo caminho de terra que leva até a casa com varanda comprida e cortinas brancas, Marta engole em seco. Os olhos ardem. As mãos suam.
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