O som da sirene rasga o silêncio da tarde como um grito de desespero.
Pneus giram furiosos contra o chão de terra batida, levantando uma nuvem espessa de poeira vermelha que engole o quintal.
— Afastem-se! Deem espaço! — berra o socorrista, ajoelhado ao lado do corpo inerte no chão da sala.
O padrinho de Marta está pálido, os olhos semicerrados, a boca entreaberta, suando frio. O peito sobe e desce em descompasso, como se cada respiração custasse o dobro da vida que ainda resta.
— Pressão caindo! Ritmo instável! Vamos, vamos! Temos minutos, não horas!
O corpo é içado com urgência para a maca. O monitor cardíaco apita irregular. A porta da ambulância se fecha com um estrondo.
E então, como uma flecha lançada contra o tempo, o veículo dispara estrada afora.
A poeira sobe. E o silêncio fica.
A família, plantada diante do portão, não se move. Maria cobre a boca com as mãos, em choque. Miguel encara o chão como se procurasse no barro uma explicação. Heitor está paralisado. E Marta...
Marta caminha até a varanda como quem sai de um filme em câmera lenta. Puxa uma cadeira, senta, cruza as pernas. E fica ali, serena, o olhar fixo no horizonte. Imóvel. Como se nada tivesse acontecido.
O tempo passa.
Horas, talvez.
A tarde vira noite.
O telefone toca.
Heitor atende. A mão trêmula segura o aparelho como se fosse de vidro.
— Não... — diz ele, num fio de voz. — Não pode ser, tão rápido assim...
O telefone desliza de sua mão como se pesasse uma tonelada. Ele desliga devagar. O olhar perdido.
— Ele morreu... — anuncia, sem encarar ninguém. A voz rouca. Sem cor.
Maria desaba, soluçando como uma menina. Miguel se levanta tão abruptamente que a cadeira tomba. Anda pela casa como se procurasse ar onde não há.
Marta, por sua vez, se ergue com tranquilidade. Alisa a blusa com um gesto calmo, automático. Os olhos, secos. O rosto, sereno.
E então, ao ouvir a notícia, ela solta o ar devagar. Um suspiro. Quase um alívio.
Um sorriso sutil se desenha em seu rosto. Curvado só de um lado. Sem tristeza. Sem dor. Sem pressa.
— Enfim. — murmura, quase como uma prece invertida.
— Já foi tarde!
O motor potente da caminhonete rasga o silêncio da zona rural até sumir na estrada de terra, levantando poeira e dúvidas. No banco do carona, uma garrafa de água e sua solidão.
Na cidade vizinha, Marta assume o papel que melhor sabe viver, o da mulher prática, forte e determinada. Visita três lojas agropecuárias, conversa com gerentes, toma notas mentais de preços e condições. Compra sementes, algumas ferramentas pequenas, coisas que sempre precisam de reposição no sítio, ela conhece bem a utilidade das ferramentas da vida no campo.
Depois, segue para uma loja de enxovais. Escolhe toalhas novas para a mãe, lençóis macios, panos de prato com estampas florais. Nada caro, nada extravagante, apenas pequenos gestos de cuidado, como se quisesse devolver à casa onde cresceu um pouco da paz que ela mesma perdeu.
Na última parada, uma loja de materiais de construção. Marta caminha entre as prateleiras de tintas, massa corrida, rolos, pincéis e lixas. Escolhe tudo com a calma de quem está decidida a pintar por cima do passado. A cor das paredes pode não mudar o que ela sente, mas talvez ajude a mudar o que ela vê.
Com o carro cheio, ela segue até um hotel simples, discreto, onde paga uma diária em dinheiro e sobe para o quarto com apenas uma mala pequena e o laptop embaixo do braço.
O quarto é claro, silencioso. Ela se senta na cama, tira os sapatos e liga o notebook. A tela acende, iluminando seu rosto cansado. Marta digita a senha devagar. Abre a pasta de fotos. Lá estão eles. Ela e Jonathan. Rindo em uma praia. Deitados na cama, trocando olhares de amor. Ele dormindo com a cabeça em seu colo. Ela com a mão no peito dele.
As lágrimas vêm. Não como antes, com fúria. Vêm calmas, silenciosas. Uma a uma. Caem, no colo, no tempo que ficou entre eles.
Ela respira fundo, fecha o notebook com cuidado e se deita de lado, olhando o teto.
Na cabeça, só uma pergunta ecoa:
E se... ele ainda me amasse o suficiente para me procurar de verdade?
E se o tempo não apagar o que ficou entre nós?
E se... eu ainda quiser voltar?

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