O sol ainda sobe tímido no horizonte quando Marta acorda no quarto do hotel, os olhos pesados de tantas emoções mal digeridas. O quarto está silencioso, exceto pelo som distante dos carros na rua. Ela se levanta, amarra os cabelos num coque displicente e desce para o café da manhã. O cheiro de pão fresco e café coado a faz lembrar da casa dos pais. Ainda sente o gosto da última conversa, as reações ao seu alívio com a morte do padrinho, e como todos ficaram em silêncio, digerindo algo que parecia maior do que podiam compreender.
Ela come devagar, saboreando um pedaço de bolo de fubá e um café preto forte. Ninguém ali sabe quem ela é, e isso a conforta. A normalidade do anonimato é, naquele momento, seu melhor disfarce.
De volta ao quarto, Marta liga o notebook. O sistema da faculdade carrega lentamente, e ela aproveita para abrir a janela e deixar a brisa da manhã circular. Quando a tela finalmente mostra o ambiente virtual, Marta navega com curiosidade. Clica nas disciplinas ativas:Gestão de Pessoas, Economia, Gestão Mercadológica, Contabilidade Gerencial, Psicologia do Trabalho, Matemática Financeira, Modelos de Gestão, Planejamento Estratégico,
— Hum... Isso aqui é mais útil do que eu pensava — murmura, pegando um caderno e começando a anotar.
Ela assiste a alguns vídeos curtos, faz anotações de pontos que considera práticos e se pega pensando em como poderia aplicar aquele conhecimento no sítio. Imagina o galpão velho reformado, dividido em setores, o irmão ajudando.
— Se eu planejar bem, dá para montar uma linha de produção simples... e com baixo custo — diz, pensando alto, os olhos brilhando com a ideia.
Anota tudo. Marta nunca foi de sonhar pequeno, mesmo quando a vida só lhe oferecia o mínimo.
Na sede do Grupo Schneider, a rotina segue. Jonathan encerra uma reunião tensa com o departamento jurídico, o rosto mais fechado do que o habitual. Ele recolhe a papelada, despede-se com um aceno rápido, e no último instante, tenta puxar conversa com Rui.
— Rui, tem um minuto?
— Agora não, Jonathan. Estou com um compromisso urgente. — O tom do advogado é cortante, seco, mas ainda polido.
Jonathan assente, sem responder. Vê o amigo se afastar pelo corredor, sentindo o peso da decepção pairar entre eles. Não insiste. Sabe que Rui está evitando-o. E ele entende. Ninguém está mais decepcionado consigo mesmo do que ele.
Pega seu café na copa da presidência, acena mecanicamente para alguns funcionários e segue para a sala.
Ali, na solidão imponente do seu escritório, responde e-mails, revisa relatórios e agenda reuniões como um robô. A cadeira de Marta, vazia ao canto, é um lembrete constante do que perdeu. Vez ou outra, alguém entra com alguma pendência e sai rápido, quase temendo a explosão daquele homem que agora trabalha calado, sempre com o olhar distante.
Mas o que ele sente, ninguém vê.
Será que ela ainda pensa nele?
Termina o almoço devagar, observando, absorvendo. O restaurante vira sala de aula. Cada fala dos homens ali vira lição prática. Cada gesto, estratégia. Marta se levanta, paga a conta e sai sem pressa. O sol ainda brilha forte e ela sente a brisa quente do interior como um afago.
O barulho do cascalho sob as botas de Marta acompanha o ritmo calmo do seu coração. Diferente dos últimos dias, ela se sente ancorada, com os pés no chão e a mente funcionando como uma máquina recém lubrificada. As ideias fervem, cada lembrança das conversas no restaurante agora se conectam aos planos que começa a traçar. Ela anda pelas ruas da cidade vizinha como quem passeia, mas por dentro está em plena construção de um novo império. Só que desta vez, para si mesma.
Ela passa por uma agropecuária que ainda não conhecia. Na vitrine, cartazes sobre rações, suplementos, sementes e cursos rápidos para pequenos produtores. Entra. O atendente sorri, oferece ajuda. Marta faz perguntas, poucas, precisas. Anota valores, marcas e prazos de entrega. Sai com dois folhetos dobrados no bolso e a convicção de que pode fazer aquilo dar certo.
Ainda caminha mais um pouco, passa por uma loja de móveis rústicos e não resiste: entra. Encosta os dedos em uma mesa de madeira maciça, feita de demolição. Já se imagina tomando café ali com a mãe e o irmão, escutando o som dos galos ao fundo. Se vê em paz. Pela primeira vez, o desejo não é fugir, é ficar.
De volta ao hotel, Marta sobe para o quarto, toma um banho rápido, veste um pijama leve e abre o notebook novamente. Acessa o ambiente virtual da faculdade, onde uma nova aula foi liberada. Com um café ao lado e uma caneta em punho, ela assiste, anota, reflete. Os conceitos de administração, antes teóricos, agora têm destino: sua terra, sua casa, seu recomeço.
Horas se passam, mas ela não percebe. Está imersa nos próprios planos. Quando finalmente fecha o notebook, o céu já anuncia o fim do dia. Ela se deita e olha para o teto. Pela primeira vez, não chora. Está cansada, mas em paz.
Será que finalmente chegou o tempo de florescer? Será que sua dor será transformada em força? Ou o passado, mesmo enterrado, ainda pode achar um jeito de bater à sua porta novamente?

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