A noite cai devagar sobre o campo, como um véu espesso que cobre tudo com um silêncio reverente. A natureza respira em sussurros, o canto tímido dos grilos, o farfalhar das folhas ao vento, o estalar ocasional de um galho seco. Na casa principal, as luzes estão apagadas, mas a alma de Marta está acesa, fervendo em lembranças que não conseguem mais ser contidas.
Ela se deita em sua antiga cama, num quarto que conhece desde criança. Os móveis estão no mesmo lugar, as paredes ainda guardam o cheiro de madeira e infância, mas ela já não é a mesma. O corpo está exausto, mas o que realmente pesa é a alma. Fecha os olhos e, por um instante, deseja que o tempo volte, para antes de tudo, antes da dor, antes da perda, da briga com Jonathan.
A maçaneta gira com suavidade. O som é tão sutil que mal se percebe. Mas Marta sabe. Ela sente. O coração dela reconhece antes mesmo que os olhos se abram. É Miguel.
— Maninha... — ele murmura ao entrar, a voz embargada pela emoção.
Os olhos de Marta se abrem devagar, e ao vê-lo ali, parado na penumbra, ela desaba num sorriso carregado de lágrimas.
— Você veio...
— Sempre vou vir — responde ele, sentando-se ao lado dela.
— Principalmente quando você mais precisa.
Sem hesitar, Miguel se deita ao lado da irmã, como fazia quando ela tinha medo de trovões. Seus braços a envolvem com ternura, o gesto cheio de afeto, mas também de proteção feroz. Marta se desfaz. Chora sem disfarce, com soluços presos na garganta por tanto tempo. O corpo treme, e Miguel a aperta ainda mais contra o peito.
— Eu tô tão cansada, Miguel... — sussurra ela.
— Eu não consigo mais guardar. Eu não aguento mais carregar isso sozinha.
Miguel não fala. Ele apenas ouve. Com o silêncio de quem está pronto. E então, Marta solta. As palavras vêm aos tropeços no início, mas depois se transformam em uma enxurrada de dor. Conta dos olhares estranhos do padrinho, daquele que ela amava como a um pai. Conta da traição escondida nos gestos gentis, nas visitas solícitas, nos abraços que se prolongavam. Ela não entra em detalhes, não precisa. Miguel entende. Cada pausa, cada tremor na voz da irmã é uma confissão do que foi rompido dentro dela.
Conta da fuga. Da morte de Zé. Da estranha mistura de alívio e prisão que sentiu quando soube que ele não estava mais no mundo, mas que o trauma ainda estava ali, vivo, dentro dela. Fala sobre os dias na pensão em São Paulo, dos pratos vazios, dos julgamentos disfarçados em olhares alheios, e do medo constante de ser esquecida.
— Aí veio o Jonathan... — ela diz, a voz embargando de novo.
— E com ele, tudo de novo. O cuidado, o carinho... a sensação de estar segura. Foi tão... intenso, Miguel. Meu primeiro tudo. E depois... a queda. A dor. As palavras cruéis. Como se eu fosse... descartável.
Miguel cerra os punhos. As mãos tremem sobre o lençol. Mas ele a ouve até o fim. Até mesmo quando Marta fala dos depósitos, dos valores exorbitantes na conta bancária , as tentativas desesperadas, talvez, de apagar com dinheiro a dor que Jonathan causou com atos.
— Eu te amo, Martinha — ele diz por fim, tocando o rosto dela.
— E eu vou estar com você até o fim. Mas agora... vem. Vamos respirar.
Ele a puxa pela mão, com delicadeza. Os dois caminham para fora, descalços, em silêncio. A grama úmida acolhe os pés como um afago. Andam até o ponto mais alto do campo, onde o céu parece mais perto da terra. Sentam-se lado a lado, envoltos pela vastidão de estrelas.
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