O sol já está alto quando os primeiros raios invadem o quarto de Marta. O canto dos passarinhos do lado de fora é abafado pelo silêncio reconfortante do cômodo, onde os dois irmãos ainda dormem, enroscados como nos tempos de infância, quando o mundo parecia mais simples e a dor, mais distante.
— Miguel! Marta! — chama a voz de Dona Maria do corredor, batendo levemente na porta.
— Já passou da hora do almoço, vocês vão deixar tudo esfriar!
Os dois despertam juntos, olhos inchados, mas a alma um pouco mais leve. Miguel esfrega o rosto com as mãos e se senta na cama, pensativo. Marta apenas observa o irmão por alguns segundos, o coração apertado pelo tanto que ele ouviu na noite anterior.
— A gente vai ficar bem — ela diz com doçura, tocando o ombro dele.
— Obrigada por me escutar.
— Você não precisa me agradecer, Martinha. Era o mínimo. E eu falhei com você. Eu devia ter visto, devia ter te protegido…
— Ei… — ela o interrompe, séria.
— Não diz isso. A culpa não é sua. A culpa não é de ninguém além do monstro que já está no inferno.
Eles descem juntos para a cozinha, mas Miguel evita o olhar do pai. Sente vergonha. Não por ele mesmo, mas por saber que se Heitor descobrisse a verdade, sentiria tudo o que ele está sentindo agora, uma bruta impotência, raiva, ódio… e o pior, culpa. E Miguel não quer que o pai passe por isso.
Heitor percebe o comportamento do filho, mas não o força. Ele também carrega o peso de uma paternidade que, por mais atenta que fosse, deixou falhas imperceptíveis. Decide esperar. Confia no tempo dos filhos.
Durante o almoço, Marta come em silêncio por alguns minutos, até que levanta o olhar e, com voz firme e olhos brilhando, se dirige ao pai:
— Pai… eu quero recomeçar aqui. Perto da nossa casa. Quero trabalhar, investir, construir algo do zero. Mas para isso, preciso de uma oportunidade. Eu queria pedir um pedaço de terra… ali perto da casa, onde b**e o sol o dia inteiro. Só isso.
Heitor apoia os talheres na mesa com cuidado. Olha para os filhos e depois para Maria. A esposa acena com um olhar cheio de emoção. Ele então respira fundo e sorri.
— Eu trabalhei a vida inteira por vocês. Cada grão colhido, cada trator consertado, foi pensando no futuro de vocês dois. Se agora você quer plantar raízes aqui, Marta, não vai ser com um pedaço. Vai ser com tudo.
Marta arregala os olhos, confusa.
— Tudo…?
— A terra agora é de vocês. Vocês decidem, vocês cuidam. Eu fico por perto, se quiserem a ajuda de um velho experiente na lida. Mas quem vai tocar isso aqui são vocês.
Miguel engole em seco. Os olhos marejam.
— Pai… isso é muita coisa.
— É o justo. E é o certo. O que eu quero agora é estar do lado de vocês. Ver essa terra continuar viva nas mãos de quem eu mais amo.
Maria, com lágrimas escorrendo, sorri largo.
— E eu vou arregaçar as mangas também! Já estou até vendo, a galinha caipira vai ser comigo, pode deixar! — diz ela animada, fazendo todos rirem.
Marta se levanta, pega um caderno e começa a explicar suas ideias.
— Como já temos soja e milho, pensei em incluir o sorgo. É uma opção interessante para complementar a alimentação animal. Mais resistente, boa produtividade… E sobre as aves, quero começar a trabalhar com o frango, de corte, para entrega em parceria com uma empresa da região e frango caipira, tanto para corte quanto para postura de ovos. Nada industrializado demais, mas com estrutura. Parcerias com pequenas vendas, feiras e mercados locais. Qualidade, procedência e cuidado.
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