O silêncio é ensurdecedor. Marta caminha entre os canteiros de hortaliças do sítio como quem pisa em estilhaços, cada passo uma dor calada, cada sorriso um disfarce cuidadosamente construído. Os pés firmes no chão não conseguem conter o peso em seu peito. Ela observa as galinhas ciscando tranquilas, o gado ao longe, na fazenda vizinha, as árvores balançando com o vento suave… e, ainda assim, tudo parece fora do lugar. Porque dentro dela, duas vidas pulsam com força, e ainda assim, ela se sente sozinha. Inteira e absolutamente sozinha.
Durante o dia, veste sua armadura de mulher forte. Supervisiona a ordenha, confere a agenda de entrega dos produtos, acompanha os funcionários nos galpões com um sorriso sereno, mas por dentro, uma pergunta a corrói sem descanso: “É justo esconder isso dele?”
Ninguém desconfia. Nem dona Maria, nem Miguel, nem Darlene, nem mesmo Estela, que anda ocupada em outra propriedade nos últimos dias. Marta segura o mundo nas costas com uma maestria admirável, mas ao mesmo tempo, sente o próprio coração ruir em silêncio.
Ela evita se demorar nos cômodos da casa, evita o espelho do banheiro, aquele que reflete não só sua imagem, mas a culpa que carrega. À noite, porém, não há escapatória. A escuridão é testemunha de suas fragilidades.
Sozinha no quarto, Marta se deita com dificuldade. A barriga, já grande, é um lembrete constante de que o tempo corre. Os bebês mexem, chutam, vivem… e Jonathan não sabe. Ela fecha os olhos, mas o rosto dele insiste em aparecer. A lembrança do toque, da forma como ele a tomava nos braços, da respiração quente no pescoço, da intensidade com que fazia amor com ela, da posse sem palavras. Aquilo tudo a destrói mais do que qualquer outro sentimento.
— Você merecia saber… — ela sussurra, abraçando um travesseiro como se pudesse substituir a presença dele. — Você devia estar aqui. Nós deveríamos estar juntos.
Mas então ela se lembra da dor dele. De Aira. Do bebê perdido. Da forma como ele parecia quebrado por dentro. E a dúvida retorna com mais força:
Se souber, será que vai suportar? Vai conseguir respirar, conviver com o medo de perder de novo? Ou será que ela está apenas arrumando desculpas para se proteger de si mesma?
As lágrimas vêm sem que possa conter. Marta chora em silêncio, morde os lábios para não soluçar alto. Uma dor física, cortante, percorre seu peito. A ausência de Jonathan é um buraco que cresce, que machuca, que arde.
De madrugada, se vira de um lado para o outro, os olhos inchados e ardendo. Não dorme. Quando o sol começa a nascer, Marta já está de pé, encarando a própria imagem no espelho com olhos vermelhos e expressão vazia.
— Mais um dia fingindo. — ela diz, encarando o reflexo. — Mas até quando?
Coloca um vestido largo, prende o cabelo, calça as botas e segue para a lida como se fosse só mais uma terça-feira. Mas por dentro, o conflito a dilacera.
Será certo esconder os filhos do homem que ela ama? Será mesmo proteção… ou covardia?
O sol nasce e Marta se ocupa o dia inteiro, como sempre. A pressão ainda oscila, e dona Maria vigia seus passos como uma guardiã silenciosa. Mas nem mesmo os cuidados da mãe conseguem conter a exaustão emocional que cresce dentro dela. Ela escuta conversas, responde com um sorriso. Coordena entregas, assina notas, supervisiona os galpões. Mas tudo no automático. O mundo segue... menos o coração dela.
No fim da tarde, senta-se na varanda, as mãos repousadas sobre a barriga. O céu alaranjado da roça parece abraçar o horizonte, mas ela não sente consolo.
— Vocês são tudo o que eu tenho agora... — diz baixinho, acariciando a barriga. — E mesmo assim, parece que falta algo. Ou... alguém.
Miguel passa por perto, acena com a cabeça, respeitando o silêncio dela. Marta nota que ele carrega uma expressão cansada, a cerca nova deu mais trabalho do que esperavam mas, mesmo assim, o irmão está presente, sólido. Um alicerce.
Darlene aparece com um bolo de fubá recém saído do forno e tenta arrancar um sorriso da amiga, mas Marta não consegue disfarçar muito bem.
— Tá tudo bem? — Darlene pergunta, sentando ao lado dela. — Você tá com uma carinha… esquisita.
Marta sorri sem graça, balança a cabeça e muda de assunto. Não quer falar. Não sabe como falar. E não quer envolver mais ninguém nesse turbilhão que habita sua alma.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O CEO e o filho perdido: A segunda chance do destino