A noite cai silenciosa sobre o sítio, mas nem por isso o trabalho cessa. Dentro dos galpões de frango de corte, a luz artificial mantém o ciclo controlado, o ambiente segue rigorosamente climatizado, e cada ave recebe alimento e água em dosagens precisas. Tudo funciona como engrenagens de um relógio caro — bem ajustadas, sincronizadas, eficientes.
Marta observa tudo de dentro da sala de controle, usando seu macacão branco, botas higienizadas e touca. Máscara no rosto, como todos ali, segue o protocolo sanitário sem falhas. Os galpões possuem tapetes sanitizantes nas entradas, e ninguém entra ou sai sem cumprir todas as etapas de higienização. Um erro pode custar caro, e ela sabe disso.
Miguel entra na sala, também paramentado, segurando uma prancheta com os dados do dia.
— Tudo sob controle. As sondas confirmaram que a umidade do galpão três estabilizou, e o lote está com ganho de peso dentro da meta.
— Ótimo. — Marta sorri, tirando os olhos do monitor e voltando-se para o irmão. — E os sensores de CO₂?
— Já ajustei os exaustores. Ficou dentro do esperado. Esse lote vai fechar redondo.
Ambos trocam um olhar de cumplicidade. Já não são mais só irmãos que dividem responsabilidades no campo, são gestores de uma empresa rural moderna, com visão de longo prazo e metas bem definidas. O que antes era um sítio com manejo familiar, hoje se estrutura como uma agroindústria em ascensão.
— Sabe o que é mais louco? — Miguel comenta, abrindo um sorriso.
— Se continuarmos nesse crescimento, no mês que vem já conseguimos levantar mais um galpão só com o lucro acumulado. Sem precisar de empréstimo.
Marta arqueia as sobrancelhas, surpresa.
— Você tem certeza disso?
— Posso te mostrar os números. — Ele ergue a prancheta e começa a folhear.
— Aqui olha, veja bem, o retorno do primeiro e do segundo lote já pagou todos os custos. O terceiro lote entra na próxima semana. Com a rentabilidade do mês, mais o incentivo da parceira e a isenção de impostos que a prefeitura nos deu devido a sua negociação, sobra caixa.
Ela se recosta na cadeira, tocando levemente a barriga. O crescimento é visível ali também, em sua gestação de gêmeos, em seu corpo que agora abriga dois corações. Tudo florescendo ao mesmo tempo: a vida no campo, a vida em seu ventre, a esperança no peito.
— Isso significa que a gente consegue reinvestir e crescer com segurança. — Ela diz, pensativa. — Sem arriscar mais do que podemos.
— Exatamente. — Miguel confirma. — E mantendo a mesma qualidade. A doutora Estela elogiou a sanidade do nosso plantel, você lembra?
— Ela ficou impressionada. — Marta sorri. — Disse que, mesmo sem avisar, encontrou um galpão em vazio sanitário, com datas e protocolos todos certinhos.
— Isso é mérito seu, Martinha. Você puxou a gestão com garra. Hoje temos uma empresa rural de verdade. Não mais só um sítio com produção. A diferença tá na mentalidade.
Marta sente os olhos marejarem, mas disfarça. As mudanças foram muitas, os dias exigentes, e a saudade lateja silenciosa. Mas não é hora para se perder em sentimentos.
Ela se levanta devagar e caminha até a pia da sala de controle para lavar as mãos, seguindo o protocolo antes de sair do setor produtivo. Retira a touca e desliga o monitor principal.
— Amanhã é dia de consulta. — ela avisa, pegando o celular na bancada. — Preciso que você toque tudo até eu voltar.
— Pode deixar comigo. Já organizei a agenda dos técnicos, e vou acompanhar a coleta do lote do galpão quatro. Vai tranquila.
Ela assente e caminha até o vestiário para trocar os equipamentos. Na mente, ainda giram os números e as projeções… mas no coração, o espaço é outro.
No quarto, mais tarde, Marta repousa de lado. A casa está em silêncio, os galpões em plena operação à distância, e a fazenda pulsa em harmonia. Mas dentro dela, um turbilhão a impede de dormir. A ausência pesa. A saudade consome. Ela fecha os olhos e, como sempre, se vê com Jonathan.
— Você sentiria o que eu sinto agora? — sussurra para o teto. — Mesmo longe… mesmo sem saber?
Ela pensa nele como se ele estivesse a poucos passos. Sente o toque, o cheiro, o olhar. E depois, o vazio. Um silêncio tão profundo que parece gritar.
Será que ele sente a conexão?
Será que Jonathan, mesmo distante, pressente que dois corações batem por ele aqui?
Estradas e Silêncios
A porta do consultório se fecha com um clique abafado, e Marta respira fundo. Está deitada na maca, enquanto a obstetra verifica os batimentos dos bebês com o doppler fetal. O som é reconfortante, como música no meio do caos — dois corações acelerados, vivos, intensos. Ela sorri, mas o alívio dura pouco.
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