O sol entra em filetes tímidos pelas janelas do hospital, atravessando os vidros manchados pela chuva da noite anterior. A luz se espalha em fragmentos irregulares pelo chão frio, iluminando o corredor pálido com uma beleza silenciosa que contrasta com a tensão no ar. É dia, mas dentro do hospital parece não haver tempo. Só urgência.
Técnicos se movem rapidamente pelos corredores, com ferramentas nas mãos e fones nos ouvidos, tentando reestabelecer os sistemas danificados pela tempestade. Os elevadores ainda falham intermitentemente, as câmeras de segurança permanecem desligadas. O hospital funciona no limite. A cidade inteira tenta se levantar após o caos climático, e entre paredes brancas e bipes constantes, a UTI neonatal vive seus próprios abismos.
Na ala dos recém nascidos, o som das máquinas monitora batimentos e oxigenação de vidas que mal começaram. A atmosfera, embora tensa, mantém uma rotina quase cerimonial, enfermeiras ajustam sondas, neonatologistas analisam exames, técnicos verificam níveis de oxigênio e temperatura. Há um silêncio frágil, como se todos temessem quebrar alguma coisa invisível.
Mas então, o silêncio se rompe.
— Parada cardíaca! — grita uma enfermeira, a voz rasgada pelo pânico, enquanto ergue nos braços um recém nascido de pele arroxeada. O bebê, envolto em um pequeno cobertor térmico, não se move. Não respira.
O coração do setor para junto com o dela.
— Oxigênio! Precisamos de suporte agora! — ela berra novamente, já posicionando o bebê sobre a maca de emergência.
O alarme soa alto e agudo, como uma sirene rasgando a tensão do ambiente. Imediatamente, a ala explode em movimento. Médicos e enfermeiros largam prontuários, seringas, medicações. As incubadoras, por um instante, ficam desassistidas. O caos domina, e cada segundo parece doer.
— Saturação despencando! Sem pulso palpável! — diz um residente, já com estetoscópio no peito do bebê, o rosto tenso.
— Início de RCP neonatal! — comanda a médica, ajustando os óculos com uma mão e calçando as luvas com a outra. Ela se aproxima da maca, pega o laringoscópio e prepara a intubação.
— Posiciona o ambu! Dois dedos no esterno, linha mamilar, agora! — ordena a enfermeira responsável pela reanimação, com a voz firme, apesar do suor que já escorre pela testa.
Um profissional começa imediatamente a compressão torácica com dois dedos delicados mas firmes, pressionando com ritmo constante o pequeno tórax do bebê. O esterno afunda levemente sob a pressão, num movimento quase antinatural. Os olhos da equipe estão fixos no monitor cardíaco, que exibe uma linha quase reta, apenas pequenos espasmos de esperança.
— Adrenalina, dose calculada para peso estimado — via endovenoso, rápido! — diz a neonatologista apressada.
— Sem retorno ainda. Continuar compressões. Ventilações a cada três compressões. Um, dois, três — ventila!
O som do ambu se enchendo de ar e comprimindo se mistura ao som das compressões e ao bip hesitante do monitor. A médica insere o tubo endotraqueal com precisão, confirmando a posição com o estetoscópio.
— Posição confirmada. Boa expansão pulmonar. Continuem ventilando. Vamos mais um ciclo.
O bebê continua imóvel. A pele azulada não cede. Um silêncio de morte se insinua no fundo da mente de todos, mas ninguém o permite subir.
— Vamos, pequenino. Reage, reage... — murmura a enfermeira mais nova, com a voz embargada.
— Mais um ciclo. Não paramos até ter certeza de que ele não volta, — insiste a médica, agora com a adrenalina na seringa, injetando lentamente na veia. O relógio marca dois minutos e trinta segundos desde o início da parada. Tempo demais. Tempo demais para um coração tão pequeno.
— Alguma atividade elétrica? — pergunta alguém, olhando o monitor.
— Ainda sem pulso. Linha isoelétrica com algumas tentativas de espícula... — responde o residente.
As compressões continuam. O suor escorre pelo rosto dos profissionais. O ar da UTI parece mais denso. Cada respiração é uma espera. Cada segundo, um grito contido.
E então...
— Tenho pulso fraco! — diz o residente. — Fraco, mas estável!
— Saturação subindo! Está respondendo!
— Vamos manter a ventilação e monitorar. Não relaxem. Ele está voltando.
A tensão não desaparece, mas muda. Dá lugar a um tipo diferente de urgência, a do cuidado meticuloso com uma vida recém-resgatada da beira do abismo. O bebê ainda está em risco, mas agora respira. Agora há batimento. Agora há luta.
E é exatamente nesse instante que ele entra.
O homem não é notado. Não há alarde, nem pressa em seus passos. Usa jaleco branco, máscara no rosto, luvas. Sua presença é sutil, como se sempre tivesse pertencido àquele ambiente. Um observador atento notaria que ele não hesita, não procura por instruções, ele sabe exatamente onde ir. Exatamente o que fazer.
Aproveitando-se do tumulto, caminha entre as incubadoras, olhos fixos no alvo: o bebê de Marta Maia. Envolto em manta azul-clara, o recém-nascido repousa tranquilo, o monitor cardíaco pulsando em ritmo sereno.
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