A madrugada avança arrastada e silenciosa no Sítio dos Maia. O céu escuro parece pesar sobre o mundo, e a quietude do campo é tão profunda que só se ouve, de longe, o coaxar solitário de alguns sapos e o ruído do vento deslizando entre as folhas. A casa principal repousa sob a penumbra, como se adormecida junto com seus habitantes. No entanto, uma única exceção desafia a paz daquela noite: uma fresta de luz que escapa pela porta cerrada do escritório, cortando a escuridão como uma lâmina silenciosa.
Lá dentro, Ravi está imóvel diante do monitor, os olhos ardendo e injetados de sangue, fruto das intermináveis horas de vigília e tensão. O cansaço pesa como correntes presas aos ombros, mas ele se recusa a parar. A adrenalina não permite. Os dedos continuam ágeis, vasculhando os becos mais obscuros da deep web, navegando entre códigos, criptografias, arquivos escondidos em servidores anônimos, como quem pisa descalço sobre cacos de vidro, sabendo que qualquer erro pode significar o fim.
De repente, um arquivo enigmático se abre. Os olhos de Ravi se arregalam, a respiração prende no peito. Ali, na tela, as últimas confirmações aparecem: "Jeff-007" não é o filho de Jonathan… Não é o bebê de Marta… É outro.
O choque paralisa por um segundo. Ele estreita o olhar, confere cada linha, cada dado, cada registro. Não pode ser. Mas é.
O bebê é de Jéssica Fernandes, desaparecida há dois meses, em circunstâncias misteriosas e brutais, um caso que ainda permanece sem solução, afundado em silêncio e incompetência das autoridades. Ravi fecha os olhos com força, o maxilar tenso, trincado de frustração.
— Maldição… — deixa escapar, num sussurro rouco, tão baixo quanto a noite lá fora.
— Não é ele…
A raiva ferve sob a pele como ácido. O tempo está se esvaindo… cada segundo que passa é como um grão de areia escorrendo no funil do destino. Cada minuto longe de Jeff é uma ferida aberta, sangrando, infeccionando, corroendo a alma. Ele aperta os punhos, respira fundo, mas não consegue afastar a sensação sufocante de impotência, a certeza de que, apesar de toda sua habilidade, está sempre um passo atrás.
É quando ouve, quase como um sopro, um leve bater na porta. Um som delicado, quase irreal, que rompe o silêncio opressor do cômodo. Ele gira lentamente a cadeira, os olhos ainda ardendo, e vê a silhueta conhecida.
Islanne.
— Ainda está acordada? — ele pergunta, surpreso, a voz rouca, áspera, como se não falasse há horas.
Ela entra devagar, a figura envolta num roupão leve, que deixa as curvas insinuadas pela luz tênue do abajur. A expressão é serena, mas o olhar transborda preocupação.
— Vi a luz acesa… imaginei que ainda estivesse aqui. — Ela fecha a porta atrás de si, como quem encerra o mundo do lado de fora.
— Conseguiu alguma coisa?
Ravi esfrega o rosto com as duas mãos, como quem tenta afastar a exaustão colada à pele.
— Sim… e não. — Ele a encara, olhos vermelhos, vencidos pelo desgaste, mas ainda intensos, determinados. — Jeff-007… não é o filho de Marta. Era outro bebê… outro desaparecimento… outra família destruída. — Ele engole em seco, balança a cabeça, como quem leva um soco no peito. — Eu falhei. De novo.
Islanne se aproxima devagar, como quem sabe que qualquer movimento brusco pode desmoronar aquele homem que todos veem como inabalável. Ela não fala de imediato. Apenas olha. E há algo nesse olhar que fala mais do que qualquer frase de consolo: compreensão, admiração… desejo.
— Você não falhou. — A voz dela é baixa, firme, doce e cortante como uma lâmina bem afiada.
— Está indo além do que qualquer um conseguiria. Está arriscando tudo.
Ravi desvia o olhar, tenso, como quem se recusa a aceitar a bondade que não acha que merece. Mas ela o segura pelo queixo, com firmeza, forçando-o a encará-la.
— Você está dando tudo de si. — O tom agora é mais íntimo, mais quente, como uma brasa que se recusa a apagar. — Ninguém faria mais.
O peito dele sobe e desce, a respiração pesada, carregada de raiva, frustração… e algo mais. Algo que lateja ali, escondido, prestes a explodir.
— E ainda assim… não é suficiente… — Ele sussurra, num fio de voz, entre o desespero e o orgulho ferido.
O silêncio que se segue não é vazio; é denso, carregado de tensão, de um desejo que cresce como um incêndio prestes a devorar tudo.
Então, ela se move.
A mão sobe até o rosto dele, os dedos deslizando lentamente pela barba por fazer, acariciando cada linha de expressão marcada pela batalha silenciosa que ele trava todas as noites. Ravi segura o pulso dela, como num reflexo defensivo… mas não afasta. Ao contrário, puxa-a para mais perto.
O calor entre eles é instantâneo, como pólvora em faísca.
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