Nada, absolutamente nada, prepara o coração humano para mentir com ternura, mas, às vezes, é justamente esse amor disfarçado de esperança que mantém alguém vivo. Islanne sabia disso mais do que ninguém ao entrar na UTI. O cheiro ácido de álcool e desinfetante queimava-lhe as narinas, enquanto o som ritmado e frio dos monitores parecia zombar da fragilidade da vida.
Ela caminhava devagar, com o avental limpo, as luvas ajustadas, os olhos firmes, embora o peito ardesse num turbilhão de sentimentos. Cada passo até o leito de Marta era uma vitória contra o impulso de chorar, gritar, correr dali.
E então, ali estava Marta. Tão pequena, tão vulnerável entre fios, tubos, sensores… Mas ainda assim com aquele brilho suave, aquela dignidade serena que nem o coma, nem a dor, nem a quase morte conseguiram apagar.
Islanne aproximou-se, devagar, como quem teme quebrar alguma coisa preciosa. Inclinou-se, beijou a testa da cunhada com uma delicadeza que arrancou lágrimas até da enfermeira mais experiente da equipe. E então, disfarçando o nó na garganta, falou:
— Eles estão lindos, Marta… lindos — sua voz era quase um sussurro, mas carregada de verdade. — Estão ganhando peso, risonhos… logo, logo vão estar em casa, nos seus braços.
Marta sorriu fraco, os olhos úmidos e frágeis.
— Eu queria tanto… ver uma foto… — sussurrou, quase sem voz, com um olhar que misturava saudade, esperança e medo.
Islanne fechou os olhos por um segundo, engolindo a dor de não poder dizer a verdade inteira. A ameaça ainda rondava, e expor qualquer coisa era perigoso demais. Quando abriu os olhos, forçou um sorriso e desviou:
— Logo você vai ver, com seus próprios olhos. Ao vivo. Vai pegá-los no colo, vai cantar para eles. Só mais um pouquinho de paciência…
Marta assentiu, cansada, como quem quer acreditar.
— Eu preciso voltar para São Paulo — continuou Islanne, apertando com carinho a mão fria da cunhada.
— Só eu e Jonathan podemos assinar um lote de documentos urgentes… Mas volto logo, eu prometo, com notícias boas. Com o caminho livre.
Marta a olhou com uma ternura imensa, apesar do corpo frágil e exausto.
Islanne inclinou-se ainda mais, aproximando os rostos, e sussurrou:
— Tenha paciência com meu irmão… — respirou fundo.
— Eu sei o que ele fez… sei que ele errou… mas também sei o quanto ele sofreu… o quanto ele ainda sofre.
Os olhos de Marta marejaram de novo. Ela apertou a mão de Islanne, com uma força surpreendente para alguém naquela situação.
— A vida… me deu uma segunda chance — disse, com um sorriso suave, quase em paz.
— E eu vou aproveitá-la… nos braços do homem que eu amo.
As duas se abraçaram, demoradamente, como quem sela um pacto silencioso de força e esperança.
Então a enfermeira apareceu discretamente na porta:
— O próximo acompanhante…
Islanne soltou a mão de Marta com dificuldade, acariciou-lhe o rosto e saiu, respirando fundo para não desabar no corredor.
Miguel já estava ali, parado, imóvel, como um soldado prestes a entrar na linha de frente. Ao ver a irmã naquela cama, Miguel sentiu o mundo girar sob os pés. Durante dias, temeu nunca mais vê-la abrir os olhos. Agora, vê-la ali, viva, frágil, mas lutando, era um milagre que o desmontava.
Ele entrou, os olhos já rasos d'água, e quando Marta o viu, abriu os braços, mesmo com dificuldade. Miguel não pensou: foi até ela e a abraçou como fazia quando eram crianças, quando ela o defendia dos colegas da escola, quando dividiam segredos e sonhos. Aquele abraço era um reencontro de almas que a dor e o tempo nunca conseguiram separar.
Choraram juntos, abraçados, como se aquele quarto fosse o último refúgio do mundo.
— Eu achei… — Miguel começou, mas a voz falhou. Ele respirou fundo e tentou de novo:
— Eu achei que te perderia, mana…
Marta sorriu, mesmo com as lágrimas escorrendo.
— E eu… achei que nunca mais te veria… — respondeu, apertando-o com toda a força que conseguia. — Mas eu tô aqui… e eu vou voltar pra casa. Por você… por mim… por todos nós.
Miguel não conseguiu conter um soluço, escondendo o rosto no ombro dela, enquanto as lágrimas corriam livremente.
— Eu só quero voltar para casa… ver meus filhos...
— E vai — garantiu ele, com a confiança de quem já viu milagres acontecerem.
Pouco depois, Jonathan entrou. Seus passos eram firmes, mas quem o olhasse com atenção veria o leve tremor nas mãos, o ar preso nos pulmões.
Ele se aproximou de Marta devagar, como quem teme que a visão se dissipe como um sonho. Beijou sua testa, demoradamente.
— Só isso? — provocou ela, com um sorriso manhoso, mesmo naquela fragilidade.
— Depois de tudo… nem um beijo de verdade?
Jonathan sorriu, com a garganta fechada, e se inclinou, segurando o rosto dela com as duas mãos, como quem segura o que tem de mais precioso no mundo. E a beijou. Primeiro com cuidado, depois com uma urgência doce, como quem quer recuperar todo o tempo perdido.
— Eu te esperei… todos os dias — confessou ele, encostando a testa na dela.
— E esperaria de novo… cada segundo… depois do parto… pelo resto da vida. Você não imagina… o quanto me matou esse silêncio…
Marta acariciou o rosto dele, com um olhar que era puro amor:
— Mas você… me trouxe de volta… E agora… só quero que sejamos nós.
Ficaram ali, por mais alguns minutos, mãos entrelaçadas, corações sincronizados, até que a enfermeira apareceu, respeitosa.
— Senhor Jonathan… é hora de encerrar…
Ele a beijou novamente, mais breve, mas com a mesma intensidade de quem prometia eternidade naquele gesto, e saiu, respirando fundo, com o coração mais inteiro… e a certeza renovada de que o amor é, sim, mais forte do que tudo.
Na porta da UTI, médicos e enfermeiros se entreolhavam, tocados, como quem acabara de testemunhar não apenas uma cena, mas um milagre silencioso, um daqueles momentos que dão sentido à medicina… e à nossa vida.

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