O corredor branco parece engolir o som dos passos apressados de Miguel e Heitor. Não há choro, não há vozes. Só aquele silêncio frio de hospital que grita o que ninguém tem coragem de dizer. Eles caminham lado a lado, mas carregam pesos diferentes: um segura o medo, o outro, a culpa.
Na porta da UTI, a médica plantonista os aguarda. É jovem, mas há firmeza em sua postura.
— Senhores, bom dia. Sou a doutora Aline, responsável por Marta neste plantão. — Ela estende a mão com cortesia. — Os sinais vitais dela estão estáveis. Os exames laboratoriais mostram evolução satisfatória. Se continuar assim, vamos considerar a transferência para o apartamento ainda nesta semana.
— Graças a Deus... — murmura Heitor, aliviado.
— Porém — continua a médica com cautela, temos uma questão delicada. Sabemos que Marta sofreu um trauma severo. Ainda não contamos a ela sobre o desaparecimento do segundo bebê.
— Ainda não é hora — diz Miguel, cruzando os braços.
— Entendo a preocupação, mas como médica, preciso ressaltar que a verdade virá. E quando vier, deve ser com suporte. — A doutora os encara com firmeza profissional. — Psicologia e assistência social já estão cientes. Vamos preparar o ambiente certo para isso.
Eles assentem em silêncio. Em seguida, seguem para o paramentação. Lavagem de mãos, aventais, toucas, máscaras. O protocolo é rígido, mas nenhum cuidado parece demais diante da fragilidade de Marta.
Heitor entra primeiro. Os olhos marejam assim que a vê.
— Oi, filha... Tô morrendo de saudade. Sua mãe não veio hoje... tá cuidando de uns filhos grandes lá em casa. — Ele força um sorriso. — O Ravi, o Eduardo e o Jonathan... esse último disse que tá numa reunião importante. Mas amanhã ele vem, viu?
Fala sobre os galpões, sobre os frangos, sobre o quanto o sítio está crescendo. Tenta manter o tom leve, mas a saudade o trai. Antes de sair, beija a mão de Marta com carinho.
— Tô orgulhoso de você, minha filha. Muito.
A enfermeira sinaliza e Miguel entra em seguida. Por um instante, só observa. Depois, se aproxima e segura a mão da irmã.
— Você vai sair dessa. Eu sei. E quando sair, a gente vai conversar sério, viu? — Ele ri nervoso. — Eu e o pai estávamos perdidos, mas o Jonathan deu umas dicas boas... apesar de eu ainda querer socar a cara dele de vez em quando.
A voz falha. Ele respira fundo.
— Eu sinto tanto a sua falta, a mãe sempre força um sorriso. Mana... eu te amo. Muito.
A enfermeira retorna. Miguel reluta, abraça Marta com cuidado e murmura algo só para ela. Ao sair, resmunga algo incompreensível, mas a enfermeira sorri.
— Amanhã você volta, não é?
— Amanhã tem saída de lote... não posso. Mas depois eu venho — diz ele, disfarçando a emoção.
Eles deixam o hospital e seguem direto para o shopping. Compram o leite especial para Lua, um bebê conforto e outras coisinhas que dona Maria pediu. O carro está cheio de sacolas, mas há um vazio suspenso no ar.
Na volta ao sítio, enquanto o sol se põe e o céu se pinta de tons dourados, Miguel olha pela janela, inquieto.
O carro para diante da casa principal do sítio. O som dos pneus sobre a brita se mistura ao canto dos passarinhos do fim da tarde. Miguel e Heitor descem carregando as sacolas do shopping, mas o que veem ao se aproximar da varanda os faz parar por um instante.
Dona Maria está com a expressão firme de quem comanda o mundo com o coração cheio. Ao lado dela, Jonathan, camisa gola polo desalinhada da manhã, e uma fralda na mão, parece completamente fora do seu habitat natural.
— Isso, menino... agora puxa a aba pra cá. Isso! Cuidado com o umbiguinho! — diz dona Maria, com a paciência de quem já trocou fraldas de dois filhos, cinco sobrinhos e incontáveis netos emprestados.
— Eu não sei se tô fazendo certo. — Jonathan murmura, franzindo a testa enquanto tenta alinhar a fralda.
— Se tivesse errado, ela já teria feito xixi na tua mão. — Dona Maria sorri e dá um tapinha no ombro dele. — Tá indo bem, Jonathan. Vai virar pai de verdade, não só no papel.
Lua dá uma risadinha gostosa, como se aprovasse o esforço do pai.
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