O som de liberdade dos passarinhos no quintal mistura-se com o cheiro do café recém-passado que paira no ar. A casa do sítio tem um silêncio diferente, não de vazio, mas de espera. Tudo está tranquilo demais para quem está cercado por tantas perguntas sem resposta.
De repente, a porta do quarto range devagar e Ravi aparece, com o cabelo todo bagunçado, a camiseta amarrotada e os olhos ainda meio fechados. Anda como se cada passo fosse um esforço além da capacidade humana. Dona Maria, que já está preparando a mesa da cozinha, ergue os olhos e abre um sorriso largo.
— Olha só quem resolveu sair da caverna — diz ela, com a voz doce.
Ravi não responde. Apenas se aproxima e a abraça com a cara ainda meio enterrada no ombro dela. Dona Maria passa a mão devagar pelos cabelos dele, como se ele fosse uma criança que cresceu ali, com os filhos dela.
— Só um café para me fazer funcionar… — resmunga ele, a voz embargada de sono.
No outro cômodo, Eduardo e Miguel observam a cena com divertimento. Eduardo cruza os braços e balança a cabeça com um sorriso malandro.
— Seria lindo se o pessoal da Schneider visse essa cena... — provoca.
— O CEO durão da Protection Security, o homem mais temido dos servidores da América Latina, sendo um dengo ambulante ao acordar. Tão amarelinho e molinho...
Ravi ergue os olhos e lança um olhar mortal para Eduardo, mas não responde. Só range os dentes em silêncio.
— Vai, fala alguma coisa, vai machão... — Eduardo insiste, rindo alto.
— Me xinga! Chama de idiota! Babaca! Mas com respeito na frente da dona Maria, hein?
Ravi engole seco, cerra os punhos, mas se contém. Seus olhos azuis faiscam, mas ele não ousa soltar um palavrão. A reputação de bom moço diante de Maria vale mais que qualquer revanche imediata.
Seu Heitor aparece na sala, com um jornal dobrado debaixo do braço e a cara de quem já viu de tudo.
— Esses moleques da capital vêm para o sítio e viram tudo mole... se aproveitam da bondade da Maria, tomam café no colo dela e ainda querem parecer durões — comenta com sarcasmo leve.
As gargalhadas explodem. Ravi, agora vermelho até a raiz dos cabelos loiros, tenta salvar a própria dignidade, mas é tarde demais. Eduardo segura a barriga de tanto rir, enquanto Miguel ri em um canto, mas com gosto.
Ravi apenas sacode a cabeça e murmura:
— Um dia eu vou expor esses prints teus, Eduardo… só espera para ver.
— Manda bala, CEO de pelúcia! — Eduardo debocha, piscando para ele.
Pouco depois, todos seguem para o escritório de Marta. A sala que antes era um escritório inofensivo, hoje opera nas sombras, mas de forma funcional, e já virou um centro de comando das investigações improvisadas. Papéis espalhados, notebooks abertos, mapas digitais conectados à tela de um monitor improvisado na parede.
O celular de Ravi vibra. Ele lê a mensagem em silêncio e logo compartilha:
— Meu contato tá de olho naquele número que pedimos para monitorar… mas tem um detalhe. A Polícia Federal já tá em cima disso. O delegado da cidade pediu reforço e a escuta está judicializada. Ou seja, não tem como a gente se meter mais nisso sem atrapalhar, polícia federal sabe o que faz e como faz.
Eduardo acena com a cabeça, sério.
— Então esse ponto a gente deixa para eles. Menos chance de alguém ferrar com tudo por agir na pressa.
— Mas precisamos de outra linha de investigação — Miguel comenta. — Se esse número já está comprometido, a gente precisa pensar lateralmente.
Ravi começa a fazer anotações, concentrado. Eduardo se encosta na mesa, olhos no nada, mastigando as possibilidades.
— Pode ser que a gente precise seguir o dinheiro. Sempre deixa rastro. Quem pagou pelas entregas? Quem comprou o silêncio?
Nesse momento, a porta se abre.
Darlene entra.
Eduardo e Ravi trocam um olhar rápido. É quase imperceptível, mas cheio de significado. Um código silencioso. Em menos de um segundo, ambos já mudam a postura e desviam da conversa central. Darlene pode ser confiável, mas é da cidade, inocente demais. Cresceu ali, conhece muita gente, e um deslize de palavras pode custar caro.
— E aí, tão concentrados? — pergunta ela, tirando o casaco.
— Estávamos discutindo várias possibilidades, inclusive de rotas falsas. — Ravi mente com naturalidade. — Trânsito entre zona rural e cidade aumentou muito nos últimos meses.
— Podia ser só o pessoal vindo comprar insumo, não é? — Darlene tenta entrar na lógica.
— Pode ser… — responde Eduardo, pegando o embalo. — Mas tem muito trator rodando e pouca plantação em algumas áreas. Isso é estranho.
Eles continuam discutindo sobre rotas alternativas, cruzamento de informações com GPS, fluxo de entrada e saída em horários atípicos. Mas o verdadeiro assunto fica no fundo da gaveta.
Ninguém fala sobre o número grampeado.
Ninguém fala sobre o envolvimento da Federal.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O CEO e o filho perdido: A segunda chance do destino