O som do monitor cardíaco preenche o quarto com um ritmo tranquilo, quase hipnótico. Mas há algo no ar, sutil e denso, como se cada gesto, cada fala, cada olhar fosse parte de uma coreografia ensaiada, onde todos fingem que tudo está bem… menos os olhos de Marta. Eles não descansam, não sorriem, não piscam em paz. E Jonathan, ao seu lado, tenta manter a calma de um pai recém chegado ao caos silencioso da paternidade. A pequena Lua dorme tranquila no berço, alheia à inquietação contida dos adultos ao redor.
— Como está o sangramento hoje, Marta? — pergunta a obstetra com a voz suave, conferindo as anotações na prancheta digital.
— Bem melhor... quase cessando — responde Marta, forçando um sorriso que não chega aos olhos.
— Alguma queixa? Cólicas, cefaléia?
— Não doutora, estou bem.
A médica assente, enquanto a enfermeira anota sinais vitais e a técnica de enfermagem ajeita o lençol da bebê com toda delicadeza. Jonathan observa tudo em silêncio, sentado ao lado da cama, com uma expressão que mistura fascínio pela filha e exaustão mal disfarçada. Marta, por sua vez, parece carregar o peso de mil pensamentos que ninguém vê.
— A pediatra passou pela manhã — comenta a enfermeira. — Tudo normal com a pequena. Reflexos bons, respiração ótima... uma verdadeira guerreira, essa menininha.
— Igual à mãe — Jonathan comenta, tentando aliviar o clima.
— E ao pai também — devolve Marta, sem ironia, mas com a voz baixa.
A técnica sorri, discreta. Há uma rotina ali. Revezamento entre profissionais, horários controlados, protocolos sendo seguidos. Após as avaliações, Marta se acomoda, mas coloca Lua ao seu lado, aquecendo-a com o calor do seu corpo, e oferece o sei0 a filha que suga imediatamente.
O quarto do hospital amanhece banhado por uma luz dourada, suave como um suspiro. Pela primeira vez em muitos dias, não há pressa, não há sombra, não há medo. Só o som calmo da respiração de uma recém nascida e o leve ranger da cadeira onde Jonathan balança, devagar, a filha dormindo nos braços. Marta o observa da cama, com os olhos cheios de um brilho manso. Um brilho que não é só amor, é gratidão. É sobrevivência.
— Você leva jeito para isso, viu? — diz ela, num tom que mistura surpresa e carinho.
Jonathan sorri, sem desviar os olhos da filha.
— Eu treinei com a sua mãe...Dona Maria é muito paciente. Mas, agora, parece que tudo em mim entende o que fazer.
— Vocês dois estão lindos aí. Se continuar assim, ela vai ficar mimada.
— E você? Vai ficar com ciúmes?
— Não... — responde Marta, levantando-se devagar, já mais firme nos passos.
— Mas talvez queira um pouco da sua atenção também.
Ela se aproxima e beija a testa dele com delicadeza, depois afaga os cabelos da bebê, que suspira no sono profundo. É um momento tão íntimo e tranquilo que parece congelado no tempo. Jonathan a olha como se estivesse vendo Marta pela primeira vez. Como se estivesse descobrindo algo nela que vai além da força, além da dor, uma ternura que transborda sem fazer alarde.
— Vem deitar aqui comigo um pouco — ela pede, num tom suave.
— Posso?
— Pode. E deve.
Jonathan beija a testa dela, depois o canto da boca, e então, os lábios. Um beijo terno, mas cheio de significado. Marta corresponde, os olhos fechados, o corpo relaxado. A dor e o medo parecem, por um breve milagre, distantes. O toque dele é cuidadoso, reverente. Eles não estão com pressa. Estão se redescobrindo.
Por um momento, tudo no mundo faz sentido.
Jonathan observa Marta ao seu lado, com a pequena Lua encolhida no bercinho ao alcance das mãos. O coração dele parece cheio demais para caber no peito. Pela primeira vez em muito tempo, ele sente que tem algo precioso, algo que vale a pena proteger com a própria vida. Marta, forte e doce, agora em paz. Lua, tão pequena e tão perfeita, um milagre respirando ali perto.
Mas, no fundo de tudo isso, existe uma ausência que não grita, mas pesa muito. Um vazio que aparece nos momentos mais quietos.
"Era para ter os dois…" — ele pensa, sem conseguir evitar.
O rosto de um filho que ele nunca conheceu vem à mente, e fatalmente ele lembra do filho que Aira carregava quando se foi. Um fillho arrancado ainda na maternidade, um pedaço dele e de Marta que desapareceu no silêncio de um crime frio e sem rosto, e outro não nascido.
"Será que está vivo? Será que um dia vou encontrá-lo?
Ele aperta os olhos por um segundo, tentando manter o foco no que tem, não no que perdeu. Mas o coração, mesmo feliz, nunca esquece o que foi arrancado. E talvez nunca esqueça.
Ainda assim, ao olhar para Marta e Lua, ele sabe que vai lutar por elas. E por ele também, o filho perdido.
"A gente vai ficar junto. Um dia."

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O CEO e o filho perdido: A segunda chance do destino