O som da chaleira apitando preenche o ambiente como um presságio. Afonso Schneider não se move imediatamente, apenas observa o vapor subir em espirais finas, como se estivesse ganhando tempo. Algo nele sabe que, ao abrir a boca, nenhuma palavra poderá ser desfeita. Na sala ensolarada da casa em Miami, ele prepara o ambiente como quem monta um palco para uma revelação inevitável. Hoje, ele vai contar à esposa o que o filho deles escondeu até agora. E o que foi arrancado dele com violência.
Cátia Schneider entra na sala de estar com um sorriso calmo, os cabelos loiros já salpicados de fios prateados presos em um coque suave. Os olhos azuis, ainda vivos como no dia em que se conheceram, varrem o ambiente com curiosidade. Afonso ajeita as almofadas do sofá com discrição. Observa o caminhar dela, sempre elegante, mas com um leve cansaço que apenas ele reconhece. Ela sofre com a anomalia de Ebstein, uma rara alteração congênita da válvula tricúspide. Hoje, controlada por medicamentos, exames regulares e vigilância rigorosa e graças à sua disciplina, ela vem levando uma vida estável. E é justamente por isso que Afonso escolhe este momento.
— Afonso... o que foi? Está com essa cara de quem vai me dizer que comprou outro carro sem me consultar — brinca ela, sentando-se com leveza.
Ele sorri de lado, caminha até ela e segura suas mãos com delicadeza. As mãos que ele conhece há décadas. As mãos que ergueram filhos e contiveram dores.
— Amor... o que eu vou te contar agora... vai mudar tudo. Mas você precisa me prometer que vai me ouvir até o fim, com calma.
— Está me assustando, Afonso — diz ela, já ficando tensa. — É sobre você? Jonathan? Islanne? Fala o que aconteceu, pelo amor de Deus!
Ele respira fundo.
— É sobre Jonathan... e os netos que você ainda não conheceu.
Ela empalidece, arregalando os olhos.
— Netos?
— Sim... Jonathan descobriu recentemente que teve dois filhos.
Cátia leva a mão ao peito.
— Dois filhos?! Como assim?
— A história é longa, Cátia... A mãe das crianças foi atropelada no final da gestação, estava grávida. Teve os bebês em uma situação de emergência. Uma menina e um menino. A menina está bem, está com ele... com ele e com Marta.
— Marta?! — ela quase grita.
— Sim, amor, eu sei, depois a gente fala disso. Mas o mais grave... o menino foi roubado na maternidade. Sumiu. E só agora descobriram tudo. Jonathan está em frangalhos. Ele precisa da gente. Precisa de mãe, de pai. Precisa de colo.
Cátia já está de pé, andando em círculos, nervosa.
— Então o meu filho está passando por isso e a gente aqui, nessa bolha de ar condicionado e silêncio? Afonso, pelo amor de Deus, eu vou agora mesmo arrumar as malas!
Ele a segura com firmeza, mas com carinho.
— Não. Você só vai se não houver risco à sua saúde. Vamos passar no médico amanhã cedo. Se ele liberar, pegamos o jato à tarde. Se não liberar... eu levo o médico. Levo a equipe inteira. Mas você vai estar segura, saudável. Não te arrisco por nada neste mundo, você entendeu?
Ela encara o marido, as lágrimas já nos olhos, o peito arfando.
— Você acha mesmo que eu vou conseguir dormir essa noite sabendo que o meu neto foi roubado? Que o meu filho está desesperado?
— Eu não acho. Mas você vai descansar, nem que eu tenha que colocar violino ao vivo aqui dentro do quarto. E vou te dar um motivo para respirar fundo agora.
Mas agora... há algo diferente. Ele viu nos olhos de Jonathan. Uma chama. Sutil, contida... mas real.
Ele está com alguém. Engravidou essa mulher. E não foi por descuido, não foi impulso. Jonathan, o homem que se fechou por anos, escolheu se abrir de novo. E isso só pode significar uma coisa: voltou a amar.
E mesmo com tudo isso, com a filha nos braços e o filho desaparecido, Jonathan continua firme. Ele sustenta o mundo nos ombros, sorri por Marta, segura as pontas, acolhe a filha. Está lutando para ser inteiro por quem ama, mesmo que esteja se esfacelando por dentro.
— Ele é mais forte do que eu imaginava... — murmura Afonso, quase para si.
— O que disse, amor? — pergunta Cátia, levantando o rosto para ele.
— Disse que... temos um filho extraordinário. Mas que vai precisar muito da gente agora. Muito mais do que imagina.
Ela apenas assente, os olhos ainda marejados, com a imagem da pequena Lua gravada no coração.
Afonso inspira fundo, tentando se preparar para o que vem. Ele sabe que aquela história é maior do que todos eles. Um bebê roubado, uma rede oculta por trás da maternidade... segredos soterrados. E agora, o passado cobra o preço.
Mas uma pergunta não sai da mente dele, enquanto acaricia as costas da esposa com ternura:
Será que Jonathan está preparado para enfrentar o que vai encontrar quando esse véu for levantado?
Ou será que, ao buscar o filho perdido, ele acabará descobrindo verdades ainda mais perigosas... sobre si mesmo?

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