A porteira desliza com um leve zumbido, revelando não um campo rústico, mas um organismo vivo de precisão tecnológica. O sítio dos Maia pulsa como uma fazenda do futuro. Galpões imensos, erguidos com simetria, dominam a paisagem como cápsulas prateadas sob o sol. Cada um com sensores discretos, ventilação controlada, sistemas automatizados que distribuem ração e água como se tivessem vontade própria. As entradas são rigorosas e ninguém passa sem touca, macacão esterilizado, máscara e botas de borracha lavadas. É quase um ritual de purificação antes de entrar no coração da produção.
Miguel caminha pelo corredor central de um dos galpões, os passos firmes ecoando no chão impecável. Tablet em mãos, ele verifica os dados com atenção, a tela exibe temperatura, umidade e níveis de CO₂ e de amônia baixos, os pintinhos agrupados, satisfeitos. Tudo está dentro da margem ideal. Ele respira aliviado e orgulhoso. Seu olhar atento não é apenas técnico, é pessoal. Aquele projeto foi construído com suor, planejamento e uma dedicação que vem de dentro.
Lá fora, o som inconfundível de pneus na brita chama sua atenção. Ele ergue os olhos e vê a Hilux prata de seu pai estacionar. Seu Heitor salta com agilidade, como se o tempo não tivesse permissão para pesar sobre ele. A carroceria carrega bobinas de arame, sacos de suplemento e uma caixa térmica com remédios veterinários.
— Material das cercas e as encomendas da agropecuária — anuncia com aquele tom orgulhoso de quem ainda gosta de ser útil.
— Chegou em boa hora. A cerca do pasto novo precisa mesmo de reforço — comenta Miguel, sorrindo.
Eles trocam um olhar cúmplice, rindo. Mas o clima muda quando o som de outro motor preenche o ar. Uma caminhonete branca para suavemente em frente à casa. Miguel já sabe quem é antes mesmo da porta se abrir.
Estela desce do veículo com a postura elegante de quem está acostumada a ser a mais competente da sala, ou do sítio…
Os óculos escuros escondem os olhos, mas o sorriso que ela exibe ao se aproximar revela mais do que qualquer olhar. Ela pega o jaleco do banco de trás e prende melhor o coque baixo, mas alguns fios teimam em escapar.
— Espero não estar atrapalhando — diz, com aquele tom casual que Miguel já conhece bem. — Resolvi passar para ver os frangos… e os donos deles também.
— Tá atrapalhando nada. A gente ia justamente conversar sobre os próximos lotes. E mamãe já decretou que você vai almoçar aqui — diz ele, apontando com o queixo para a varanda, onde dona Maria acena animada.
— Mousse de maracujá — grita dona Maria com ares de vitória. — E se você recusar, eu te deserdo como filha postiça.
O riso de Estela se mistura ao ambiente. Logo estão todos à mesa, onde o almoço segue como um retrato de harmonia, arroz soltinho, frango grelhado, batatas ao alecrim e salada da horta. Conversas sobre a cidade, risos e garfos tilintando. Mas, com o prato limpo e a sobremesa servida, Miguel se levanta e olha para Estela.
— Vamos dar uma olhada nos dados da nova ração?
— Claro — ela responde, já levantando com ele.
Seguem juntos para os galpões. O sol forte incide sobre o caminho de concreto entre os prédios metálicos. Ao entrarem no ambiente controlado, vestem os trajes adequados em silêncio. Há algo denso no ar, algo que não é poeira nem amônia. É tensão. Elétrica. Quase palpável.
Dentro do galpão, o barulho dos ventiladores abafados e os sons leves dos pintinhos compõem um fundo constante. Miguel mostra o painel de controle a Estela, e ela se aproxima, ficando lado a lado com ele, tão perto que o perfume dela invade o espaço entre os dois.
— A conversão alimentar melhorou com a nova fórmula — comenta ele, sem tirar os olhos do gráfico, mas sentindo o calor do ombro dela quase roçar o seu.
— Eles estão mais calmos. Veja o agrupamento — diz ela, inclinando-se à frente, o quadril roçando de leve no dele sem querer. Ou querendo?
Miguel engole seco. Ela continua falando sobre proteína e níveis de fibra, mas ele só ouve a música muda do corpo dela tão próximo, o cheiro floral, o som da voz aveludada, a curva da cintura sob o macacão. Ele tenta manter o foco no tablet, mas tudo em Estela o distrai.
— Você sempre foi boa com números — diz ele num tom mais baixo, sem se afastar. — E melhor ainda com palavras.
Estela o encara. Por um segundo, o tempo parece parar dentro daquele galpão. O barulho das aves some. Os sensores piscam no painel, mas os olhos dela são mais hipnotizantes.
— E você sempre foi… estável — ela diz, quase num sussurro. — Forte. Inteligente. E mais bonito do que deveria ser, para alguém que só fala de ração e temperatura.
Eles riem. Mas não se afastam.
— Cuidado — ele diz, a voz grave. — Falar assim perto demais de mim pode confundir a minha cabeça.
— Confundir a sua ou a minha? — ela devolve, arqueando uma sobrancelha.
Os dois se encaram por um momento longo. Nenhum dos dois se move. Estão a centímetros um do outro, respirando o mesmo ar, sentindo a presença como um campo magnético. Estela poderia recuar. Miguel também. Mas ninguém dá o primeiro passo, nem para trás e nem para frente.
Ele ainda sente o perfume leve que Estela usava. Floral, discreto. De mulher limpa, decidida, mas cheia de algo que ele não sabe nomear.
E a forma como ela saiu caminhando… aquele andar seguro, a calça jeans agarrada naquele corpo tão perfeitamente proporcional que por um segundo ele esqueceu até o que estava falando.
— Miguel, para com isso… — murmura, como se desse uma bronca em si mesmo.
Ele se recorda da hora que ela se virou para ir embora. O cabelo preso com desleixo, o jeito que ela agradeceu pelo almoço, o sorriso natural. E depois a imagem dela indo embora, a calça moldando… aquela bunda. Perfeita. Redonda. Como uma praga na mente dele.
Por um instante, ele se imagina puxando Estela pela cintura, encostando-a no batente da porta, arrancando aquela roupa jeans apertada, sentindo sua pele quente contra a dele…
Mas logo esfrega o rosto com força, espantando a imagem como quem afasta um pensamento perigoso demais.
— Ela é só uma amiga. E uma profissional excelente. Melhor você se lembrar disso — diz para si mesmo, em voz baixa.
Ele se levanta, pega a caneca e entra em casa. Mas no fundo, bem lá no fundo, algo já foi aceso entre os dois. Eles apenas fingem que ainda não notaram.
Mas será que realmente não notaram?
Será que aquela troca de olhares foi só coincidência?
Será que algum deles está pronto para cruzar aquela linha?
Ou será que da próxima vez, nenhum dos dois vai recuar?

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