O ronco grave dos motores rompe o silêncio da madrugada com a força de um presságio. Não é apenas um voo. É um pacto. O tempo da espera acabou e com ele, também as desculpas, os silêncios, as ausências. Miami ainda dorme, alheia ao que está prestes a acontecer, quando Afonso Schneider cruza o portão do hangar com passos decididos, Cátia ao seu lado, e um terceiro nome que agora ressurge do passado como um fio de esperança: Cícera, a governanta da família, carinhosamente chamada por todos de Cici.
Cátia veste um conjunto leve e elegante, cinza claro, de tecido macio. O cachecol de tom creme envolve o seu pescoço com delicadeza, mas seu olhar é firme como o aço. No dedo, a aliança dourada, que nunca tirou, nem nos momentos mais difíceis do casamento, ela brilha à luz fria dos refletores. O colar com o pingente em forma de coração repousa sobre o peito, acima do ponto onde, silenciosamente, b**e o coração que tantos já temeram ver falhar.
O jato os espera com as luzes suaves acesas, o interior silencioso, preparado para acolher. Cátia acomoda-se, respira fundo e fecha os olhos. As instruções médicas ainda ecoam na mente dela, contenha as emoções, tome os remédios nos horários, evite qualquer sobressalto, mas, no fundo, ela sabe, as emoções não têm botão de pausa. Quando o instinto de mãe chama, não há comprimido que dê conta.
A figura de Cici caminha um pouco atrás do casal, mas a intensidade em seu olhar não passa despercebida. O lenço que cobre parte de seus cabelos grisalhos balança com a brisa da pista, e seus olhos escuros absorvem cada detalhe como quem retorna a um cenário de batalhas emocionais. Vestida com um tailleur discreto, em tons de areia, carrega no semblante a força de quem já enfrentou mais do que o mundo saberia suportar.
— Vamos? — pergunta Afonso, com gentileza, ao estender a mão para ela.
— Vamos — responde Cici, sem hesitação, como quem sabe que a jornada mais importante da vida é aquela que não se pode adiar.
Do lado de fora, o céu de Miami parece suspenso no tempo. Um véu escuro, prestes a se rasgar para que o novo capítulo da história deles comece a ser escrito. E quando os motores rugem, empurrando o jato rumo ao céu, uma coisa fica clara para os dois, voltar atrás não é mais uma opção.
Cici deixa escapar um suspiro, longo e apertado no peito, como se respirasse séculos acumulados. "É hora", pensa, com uma força que só a dor e a ausência sabem ensinar.
— Tem certeza que está pronta pra isso, Cici? — pergunta Afonso, sentando-se ao lado dela.
— Nunca estive mais certa de nada, Afonso. Aquele menino... — ela pausa, referindo-se a Jonathan — ... sempre foi meu filho de coração. E agora, se ele precisa de mim, eu vou estar lá. Como sempre estive.
Afonso sorri com ternura. Há algo nos olhos de Cici que o faz lembrar de tempos mais simples. Antes das tragédias. Antes das distâncias. Antes das perdas.
— Você sabe que ele nunca deixou de amar você, não é?
— Eu sei...Jonathan e Islanne… — Cici responde, mas a voz falha. — Mas e os outros? Será que eles ainda me amam?
Ela vira o rosto para a janela, mas a escuridão do céu não dá nenhuma resposta. Apenas devolve o reflexo de uma mulher que já viveu muitas vidas em uma só. E dentro dela, um mar revolto de inseguranças, que há anos ela guarda com zelo.
Porque, sim, Cici tem filhos. Biológicos. De sangue. Dois, um casal.
Mas não é com eles que está agora. Não foram eles que a buscaram, que disseram "precisamos de você".
O rompimento... foi doloroso demais.
Uma escolha feita com dor, mas custou carinho, presença, e anos que não voltam.
Ela pensa nos rostos deles. Um rapaz lindo, brincalhão,carinhoso, sempre tentando ser mais homem do que a idade permitia. E uma menina que sonhava em mudar o mundo, tão cheia de perguntas e fúria que às vezes doía apenas olhar. Cici tenta lembrar do som da voz deles e falha.
Talvez tenham a odiado. Talvez ainda odeiem.
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Os comentários dos leitores sobre o romance: O CEO e o filho perdido: A segunda chance do destino