O silêncio da mansão é tão profundo que Marta quase acredita estar sozinha. Mas não está. Lua dorme a poucos passos dali, cercada de almofadas macias e carinho acumulado. Ainda assim, há algo inquietante naquela calma, algo que aperta o peito de Marta como se o ar tivesse peso. Ela fecha os olhos por um instante. E então, como uma maré que não avisa antes de invadir a praia, vem a saudade. Do verde do sítio. Do cheiro de terra molhada. Do café coado da mãe. Do jeito de Miguel sempre calado e atento. Do abraço silencioso do pai.
Ela se levanta devagar, passa pela filha adormecida, e vai até a mesa onde repousa o seu notebook. Com um toque rápido, o mundo do campo se abre diante dela. Telas, planilhas, relatórios, gráficos. Tudo ali, organizado como se a distância física fosse apenas um detalhe. Marta respira fundo e mergulha.
Começa revisando a lista de insumos, fertilizantes, ração, medicamentos veterinários. Corrige valores, faz anotações, consulta os estoques virtuais. Em seguida, entra no sistema bancário e quita todas as contas pendentes. Sente-se de volta ao controle, mas não menos longe.
No meio da organização, uma notificação pisca no canto da tela. É uma mensagem de Estela, a veterinária. Marta abre imediatamente.
— Estive no sítio hoje. Tudo está correndo bem. Miguel está firme, mas, mais calado que o normal, porém firme. Pode contar comigo para o que precisar.
Marta sorri com os olhos marejados. Responde agradecendo, deixa claro que continua presente, mesmo que agora à distância.
— Não importa onde eu esteja. O sítio é parte da minha vida.
Sabendo que, naquela hora, todos estariam em casa, Marta pega o celular e inicia uma chamada de vídeo. A imagem leva alguns segundos para estabilizar, e então o rosto de Dona Maria aparece, iluminado de emoção.
— Marta, minha filha!
— Oi, mãe. Está todo mundo aí?
— Obrigada mãe, por tudo, a senhora deixou todos emocionados, foram lembranças valiosas que a senhora nos mandou.
— Oh minha filha! Foi tudo de coração, tenho todos como meus.
Logo, aparecem também o rosto sereno de seu Heitor e o semblante firme de Miguel. O trio Maia na tela, como se o tempo tivesse congelado um retrato do que é amor incondicional.
— A gente sente tanto a sua falta, filha — diz Dona Maria, enxugando uma lágrima.
— Eu também, mãe. Mas está tudo bem. Eu organizei o administrativo, já revisei os relatórios, paguei o que estava em aberto.
Miguel acena com a cabeça, em silêncio, o que para ele já é um discurso inteiro.
— Se precisar de alguma coisa, me avisa, tá?
— Pode deixar. Mas olha... a Lua... ela é linda demais, viu? Quando é que vocês vêm?
Eles riem, trocam mais algumas palavras, falam de saudade, de café com bolo, de noites estreladas no alpendre. Quando desligam, Marta encosta o celular no peito e fecha os olhos. A paz, por ora, se instala.
Mas, enquanto olha pela janela para o jardim que ainda não reconhece como seu, algo pulsa em sua mente.
Estaria tudo realmente sob controle no sítio?
Miguel está mesmo bem... ou está escondendo algo para poupá-la?
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O silêncio do campo às vezes engana. Parece paz, mas é só o intervalo entre dois movimentos importantes. Como a respiração presa antes do salto. O dia finda devagar no Sítio dos Maia, tingindo os pastos com tons dourados e sombras alongadas que parecem esconder mais do que mostram. O ar está mais fresco, carregado do cheiro de terra recém molhada, capim cortado e promessas que só o campo entende.
Estela sente tudo isso ao pisar novamente no solo batido do sítio. Ela não planejava voltar tão cedo. Tinha encerrado as suas visitas pela região, o dia já estava mais para o fim do que para o meio... mas algo dentro dela insiste. Não sabe se é preocupação profissional ou apenas uma inquietude pessoal que não quer ser nomeada. Só sabe que precisava voltar.
— Estela, querida! — Dona Maria sorri da porta da cozinha, com o avental florido salpicado de farinha. — Olha, justo agora comecei a fazer aquele pão com recheio que você gosta. Miguel está nos galpões, com os pintinhos. Não saiu de lá o dia todo.
— Obrigada, Dona Maria. Só vim revisar algumas anotações. Nada urgente. — Ela sorri de volta, com a gentileza reservada que costuma guardar para aqueles que realmente respeita.
— Claro, claro. Vai lá. Ele fica feliz de ver que você acompanha de perto.
Estela atravessa o pomar de árvores baixas, onde os galhos balançam suavemente com o vento da tarde. Chegando aos galpões, prende os cabelos, calça as botas, veste o macacão branco e segue os protocolos de biossegurança com a precisão de quem respeita a ciência e os ciclos da vida. Ao abrir a porta do galpão, é recebida pela luz amarelada das lâmpadas incandescentes e o calor controlado do ambiente.
E no centro, como sempre, está Miguel.
Concentrado, sério, prancheta em mãos, conferindo dados dos filhotes com precisão quase cirúrgica. Há um silêncio respeitoso no ar, o tipo de silêncio que só se encontra em lugares onde as vidas começam. Estela observa em silêncio por um instante. Ela admira aquele tipo de dedicação silenciosa, sem plateia. É raro.
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