Rui dirige sem rumo. A cidade ao redor parece girar em câmera lenta, como se o mundo estivesse bêbado e ele fosse o único sóbrio, sóbrio demais para aguentar a realidade. Os faróis se tornam manchas disformes, as ruas perdem o nome, o tempo perde o compasso. Mas uma imagem permanece viva, vívida, cortante, Islanne, nua, ofegante, gemendo alto o nome de outro homem. Do seu melhor amigo.
Ele freia bruscamente e encosta o carro no primeiro lugar ermo. Sai tropeçando nos próprios passos, tentando respirar, mas o ar não entra. O peito, comprimido, parece prestes a implodir. O que sente não tem nome. É uma tempestade cruel de humilhação, incredulidade e uma vergonha que arde por dentro como ácido.
Pega o celular. Nada. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação. Nem uma explicação.
— Eu fui só um substituto — sussurra, mas cada palavra pesa toneladas, amarga, sufocante.
As memórias vêm como punhais, cortando sem piedade, os cafés com bilhetes, os jantares improvisados, as flores deixadas sem data marcada. Os planos de um futuro que só ele acreditava existir. Islanne sorria, sim, mas não com aquele brilho. Não daquele jeito. Nunca gemeu o nome dele como gemeu o de Ravi. Nunca tremeu por ele, nunca implorou para que não parasse.
Na mansão, o silêncio pesa como concreto. Ravi e Islanne vestem-se lentamente, como quem recolhe os cacos de algo que não sabem se podem reconstruir.
— Ele viu... — Islanne murmura, sentando-se na beirada da cama, os olhos perdidos.
— Era inevitável — Ravi responde, em voz baixa, lutando contra o caos dentro de si.
Ela o encara. Há culpa em seu olhar. E pena. Uma pena silenciosa que fere mais que qualquer grito.
— Eu não queria machucá-lo. Rui é um homem bom. Mas vive com os olhos fechados. Nunca enxergou o que eu dizia com o silêncio.
O quarto ainda carrega o cheiro da pele deles, misturado ao amargo do arrependimento. A noite já se dissolveu em sombras quando Ravi, nu da cintura para cima, se senta à beira da cama e encara o chão como se o mundo inteiro estivesse ali, em migalhas.
Islanne veste apenas a camiseta dele, abraçando os próprios joelhos. Ela o observa em silêncio, o peito apertado, porque mesmo depois de tudo, do toque, do prazer, da entrega, o que resta é a dor. Não entre eles. Mas em Rui.
— Eu amo você, Islanne. — A voz de Ravi é baixa, rouca, quase um sussurro. — E sei que errei. Mas... hoje, a gente pagou um preço alto. Alto demais. De alguém que talvez te amasse mais do que teve coragem de admitir.
Ela fecha os olhos, respira fundo, e desvia o olhar. Aperta os punhos contra as coxas nuas, como quem tenta conter a própria culpa.
— Eu vi o rosto dele, Ravi — diz, por fim. — Na hora... quando ele falou. Ele tava despedaçado.
— E eu quis sumir — ele murmura. — Eu quis voltar no tempo.
O silêncio que se segue é espesso, denso como a culpa que pesa entre os dois. Mas não há mentira ali. Só verdade demais, machucando.
Horas depois, Rui encara o teto do quarto. O telefone vibra. Ele atende sem pensar.
— Rui... fala comigo... — a voz de Islanne chega trêmula, despedaçada.
Ele ri. Mas o som é cortante, quebrado.
— Agora quer conversar? Depois de gozar nos braços do meu melhor amigo? Depois de implorar por mais?
— Rui, por favor...
— Por quê, Islanne? Por que ele? Eu era tão insuficiente assim para você?
— Não era isso...
— Então me diz! O que ele tem que eu não tenho?
Demora. A resposta dela vem como lâmina.
— Com ele... eu sou eu. Com você, eu tava sempre tentando ser o que você queria. Eu tentei te dizer tantas vezes que não dava mais. Eu te evitava, me afastava... e você fingia não ver.
Ele desliga. Não por raiva. Mas porque continuar ouvindo seria como abrir uma ferida que mal começou a cicatrizar.
Do outro lado, Islanne segura o celular contra o peito e deixa as lágrimas caírem. Feriu Rui. E isso pesa. Machuca. Mas ela não podia mais viver à margem de si mesma.
O quarto está quieto. A luz do abajur amarela. Ravi observa o teto, calado. A tensão agora não é desejo. É consequência.
— Você ficou em silêncio — ela diz, a voz quase inaudível.
— O que eu podia dizer? Que me senti um traidor? Que ver o Rui ali me fez querer desaparecer?
Ela se levanta e o encara.
— A gente não tava mais escondendo só do Rui. A gente tava escondendo de nós mesmos, Ravi. Fingindo que era só atração. Mas não era.
— Eu sei — ele diz, com sinceridade. — Eu percebi há muito tempo. Só que não sabia o que fazer com isso.
— Você ainda tem medo de me assumir?
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