As ruas deslizam devagar pelos faróis do carro de Rui. Ele dirige como se não estivesse dirigindo, como se apenas existisse ali, automático, máquina ferida atrás do volante. O som abafado dos pneus na pista molhada acompanha os flashes em sua mente, o rosto de Islanne contorcido de prazer, as unhas cravadas nos ombros de Ravi, o gemido que nunca foi para ele:
— Mais forte… não para… meu amor.
Essa frase se repete como uma praga. E o nome. O nome que ela gemeu. Não o dele. Nunca foi.
— Ravi…
Rui aperta o volante até os nós dos dedos embranquecerem. O farol fecha, ele nem vê. O carro segue lento, a cidade parece zombar dele, cheia de luzes, cheia de vida, enquanto ele morre devagar por dentro.
Quando estaciona na vaga do prédio, já se sente meio morto. Desce. Os passos arrastados, a cabeça baixa. No elevador, encara o próprio reflexo e mal se reconhece. O terno amassado, a gravata frouxa, os olhos vermelhos como quem perdeu mais que uma mulher. Perdeu a dignidade. O orgulho. O pouco de amor próprio que lhe restava.
A porta do apartamento se abre. Ele j**a a gravata no sofá, o paletó no chão. Arranca os botões da camisa com pressa, como se quisesse despir não só o corpo, mas o peso daquela noite.
Vai direto ao bar, pega a garrafa de uísque como se fosse uma salvação. Serve uma dose generosa, sem gelo. Bebe tudo de uma vez. O líquido queima a garganta, mas não tanto quanto a memória.
Abre a geladeira, pega um punhado de gelo, j**a num balde de inox, volta para a sala. A garrafa ao lado, os olhos perdidos. Senta no sofá. A sala está escura. A alma, ainda mais.
A cabeça pende para trás. A música volta como um fantasma cruel.
"Infiel... eu quero ver você morar num motel..."
Ele ri. Um riso amargo, sofrido, bêbado de dor.
— Morar num motel, não é? — sussurra.
— Ela já morava no prazer dele faz tempo... e eu aqui, achando que tinha alguma coisa.
As lágrimas vêm sem cerimônia. Grossas, pesadas. Caem pelo rosto sem vergonha. Ele chora como criança que perdeu o brinquedo favorito, mas o brinquedo era a ilusão de um amor que nunca foi só seu.
Mais uma dose. A garrafa canta ao tocar o copo. Ele bebe. E lembra.
Do toque. Do cheiro. Da forma como ela o olhava quando ria das idiotices dele. E da forma como ela nunca gemeu seu nome. Nunca pediu “mais forte” para ele.
Porque ele nunca teve coragem. Nunca foi homem o bastante para assumir. Para tomar posse. Para ser claro. Deixou ela livre. Livre demais.
— E ela foi... e sentou no pau do meu melhor amigo — murmura, rindo entre lágrimas, o copo já quase vazio.
Mais uma dose. Outra. Outra. O uísque se mistura com a mágoa e a autocomiseração.
"Infiel... infiel... infiel..."
A maldita música grita dentro dele. Marília não canta mais. Mas a voz dela parece tatuada em sua dor.
— Eu sou o único culpado — ele sussurra. — Eu deixei. Fui frouxo. Fui covarde. Quis tê-la sem assumi-la. E agora... agora ela é dele.
O copo treme entre os dedos. Ele bebe de novo. O corpo já cede, o raciocínio embriaga, mas a dor… a dor permanece sóbria.
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