O dia começa como se nada pudesse dar errado. A brisa que entra pelas janelas do casarão traz o cheiro doce da terra molhada e do curral distante. Pardais brincam entre os galhos de um ipê florido, e até o gado parece mugir num ritmo preguiçoso, quase feliz. Mas é justamente nos dias perfeitos que a vida costuma aprontar as suas peças, quando o riso é alto, o coração está leve e o café tem gosto de lar.
Ninguém imagina que algo está prestes a acontecer. Nem Darlene, com seu vestido florido e o avental sujo de farinha. Nem Eduardo, com as mangas arregaçadas e os cabelos desalinhados pelo vento. Nem Mariana, que assiste aos dois com um sorrisinho torto, como quem já entendeu tudo... menos o que vem a seguir.
— Isso aqui tá parecendo novela da seis — comenta Mariana, apoiada na bancada da cozinha, assistindo Eduardo tentar ajudar Darlene a enrolar os pãezinhos de queijo.
— Novela nada — responde Eduardo, rindo.
— Aqui é vida real. Só que com uma cozinheira que não aceita críticas e uma médica que julga minhas habilidades culinárias com esse olhar clínico.
— Eu não julgo — rebate Mariana.
— Só observo. Com muita curiosidade, aliás. Por exemplo... você já pensou em como conseguiu deixar um pão de queijo quadrado?
Darlene gargalha alto, batendo levemente na bancada com a mão enfarinhada.
— Eduardo, larga isso. Vai espantar os anjos da cozinha.
— Espantar os anjos? — ele arregala os olhos.
— Eu tô é convocando os santos padeiros para me ajudar!
Eles riem juntos, e o ambiente se enche de uma leveza rara, quase sagrada. A cozinha do casarão, sempre viva, hoje parece especialmente mágica. Dona Miriam entra e sai com uma vasilha de frutas na mão, assobiando uma melodia antiga. O rádio toca uma moda de viola baixinha. A vida pulsa ali dentro com gosto de tempo bom.
— Darlene, senta um pouco — diz Mariana, de repente, ao notar o suor brilhando na testa da cunhada.
— Você tá trabalhando desde antes do sol nascer.
— Ah, eu tô bem — ela responde, limpando a mão no avental. — Só um pouco zonza. Deve ser o calor.
— Zonza? — Eduardo para o que está fazendo.
— Tá comendo direito?
— Tô, homem. Não começa.
Mariana franze o cenho. A médica desperta dentro dela.
— Darlene... você tá sentindo enjoos? Alguma alteração no cheiro? Sono demais?
— Olha lá, doutora! — Darlene levanta as mãos.
— Não começa, viu? É só cansaço.
Eduardo pega um pano de prato e começa a abanar Darlene com um exagero teatral.
— Aí, ó! Desmaio iminente! Chama o helicóptero! Vamo abrir espaço na cozinha que eu vou fazer respiração boca a boca!
— Eduardo! — Mariana o repreende entre risos. — Tá maluco?
— Eu assisti Grey’s Anatomy, Mariana. Eu sei o que fazer nessas horas.
— Pois é, pena que você assistiu com o som desligado — retruca ela.
Darlene balança a cabeça, rindo fraco, mas, no instante seguinte, leva a mão à barriga com uma expressão que apaga o sorriso do rosto. Ela fecha os olhos por um momento e respira fundo.
— Darlene? — Mariana se aproxima. — Fala comigo. Tá sentindo o quê?
— Nada demais — diz, abrindo os olhos lentamente. — Foi só uma pontada. Coisinha de nada.
— Você já teve isso antes?
— Não sei... é diferente.
— Deita ali no sofá da sala. Agora.
Darlene resmunga, mas obedece. Eduardo a acompanha, tentando ajudar mas mais atrapalhando do que qualquer coisa. Quando ela se deita, Mariana já está com o estetoscópio no pescoço, sempre com ela, como um colar de confiança, e começa os primeiros toques leves no abdômen da amiga.
— Respira fundo... Isso. Agora diz... seu ciclo tá normal?
Darlene hesita. Eduardo arregala os olhos.
— Ciclo? Que ciclo?
Mariana responde sem tirar os olhos da amiga:
— Ciclo menstrual, Eduardo.
— Ah. — Ele abaixa a cabeça, sério. — Nunca sei como agir nessas conversas. A sensação é que tô entrando numa sala proibida da casa.
— Você é adulto. Cresça — rebate Mariana, seca, olhando diretamente para o irmão com aquele tom de irmã mais velha que não deixa espaço para brincadeira.
Darlene, apesar da situação, esboça um sorrisinho tímido, mas logo o perde. Seus dedos apertam o avental com força. O rubor em suas bochechas denuncia mais do que vergonha, é medo, é dúvida, é o peso de não saber.
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