O sol ainda nem surgiu direito quando os primeiros ruídos tomam conta da casa. Darlene já está de pé, arrumando a mesa do café da manhã com a leveza de quem tenta manter a rotina como um escudo. Mas Eduardo observa cada gesto com olhos atentos demais e não esconde o nervosismo de quem ainda digere a possibilidade de estar prestes a se tornar pai.
Mariana entra na cozinha com os cabelos presos em um coque apressado, carregando sua inseparável bolsa de médica e o olhar de quem não dormiu direito pensando no que ouviu na noite anterior.
— Café tá pronto — diz Darlene com um sorriso contido, enquanto serve um bule fumegante sobre a mesa. — Fiz bolo de fubá com erva doce. Você gosta, Mariana?
— Adoro — ela responde, mas o tom não esconde a intenção, ela veio com algo mais do que fome.
Eduardo aparece logo depois, descabelado, de camiseta e bermuda jeans, bocejando alto demais.
— Bom dia! Dormiram bem? Porque eu sonhei que a gente tinha trigêmeos! — ele anuncia com um tom teatral, se sentando com exagero.
— Trigêmeos? — Darlene levanta uma sobrancelha.
— É... um menino, uma menina e o último era a cara da Dona Miriam. Juro. Tava até com avental.
— Credo, Eduardo! — Mariana ri, mas logo volta ao tom sério, observando a cunhada. — Darlene, antes de você sair para o curral... podemos conversar um minutinho? Os dois, ali na sala?
Darlene se engasga com o café, limpando a boca com o guardanapo. Eduardo, de imediato, já fica de pé.
— Conversa? Ih, lá vem.
Na sala, Mariana fecha a porta suavemente atrás de si. O clima, apesar do humor de minutos atrás, muda.
— Olha... eu sei que ontem foi muita informação de uma vez. Mas, Darlene, a gente precisa fazer um exame. Rápido, simples. Só para tirar essa dúvida.
— Exame de sangue, não é? — Darlene cruza os braços, desconfiada.
— E se... se for positivo?
Mariana se aproxima, segura suas mãos com delicadeza.
— Aí a gente encara isso juntas. Eu tô aqui. O Eduardo tá aqui. Mas o que a gente não pode fazer é fingir que nada tá acontecendo. Seu corpo tá pedindo ajuda, e a gente precisa ouvir.
Eduardo, de pé, assente com a cabeça, mais sério do que nunca.
— Se tiver mesmo um bebê, ele vai ter tudo. E você também, Darlene. Eu prometo.
A jovem hesita por um instante... e então suspira, rendida.
— Tá bom. Vamos fazer esse exame.
A pequena clínica da cidade ainda está abrindo quando eles chegam. Mariana conversa com a recepcionista, explica a urgência e, como médica, facilita o processo. Darlene aperta a mão de Eduardo enquanto a agulha perfura a veia. Ele não olha, finge que está tudo bem, mas a sua perna balança sem parar.
Depois do exame, são convidados a aguardar.
E então começa a tortura.
Eduardo levanta, anda de um lado ao outro da sala de espera. Fica perto da janela, depois volta, depois encosta na parede. Darlene observa em silêncio, tentando se manter calma, mas a respiração curta a trai.
— Gente, isso demora quanto? — ele pergunta pela quarta vez.
— Porque eu tô com a sensação de que já passou um século. Não dá pra acelerar esse processo?
— É sangue, Eduardo — Mariana responde, mexendo no celular. — Não é bolo de micro-ondas.
— Mas e se der positivo? E se for gêmeos mesmo? Meu Deus, e se forem quatro?
— Quatro? — Darlene arregala os olhos.
— Eu li que tem mais chance quando é a primeira gravidez... ou será que era em coelhos? Agora tô em dúvida.
Darlene começa a rir, nervosa. Mariana solta um suspiro cansado e se levanta.
— Vou ver se o resultado já ficou pronto.
Alguns minutos depois, a recepcionista retorna com um envelope branco nas mãos. Eduardo salta da cadeira.
— Eu pego! — diz, apressado, esticando o braço.
Mas ao tentar agarrar o papel, tropeça no próprio sapato e quase derruba um vaso da sala de espera.
A recepcionista arregala os olhos. Mariana segura o envelope e Eduardo recua, as mãos levantadas.
— Deixa eu ao menos ler! — ele insiste.
— Você vai esperar — diz Mariana, sorrindo.
Darlene pega o envelope e o segura contra o peito. Fecha os olhos, respira fundo... mas não consegue abrir.
— Ai, meu Deus... não tenho coragem. Eu vou abrir e vai ter um “parabéns” em letras douradas aqui dentro. — Ela estica o envelope para Mariana. — Abre você. Eu tô tremendo.
— Tá bom. Calma. — Mariana rasga o lacre com cuidado, os olhos varrendo o papel devagar, e então sorri.
— Darlene... parabéns. Você vai ser a minha primeira paciente aqui na região.
— Vem cá comigo um instante — diz, num tom mais baixo. — Vamos ali fora tomar um ar.
Darlene hesita, mas concorda com um aceno. Caminham até um corredor lateral da clínica, quase deserto àquela hora da manhã. A porta de vidro deixa o sol invadir o espaço, mas ali, à sombra, Darlene sente que pode respirar com mais calma.
Mariana não força. Espera que ela fale.
E então, de cabeça baixa, a jovem solta num sussurro:
— Eu tô com medo, Mariana.
A médica apenas escuta, encorajando com o silêncio.
— Eu não tenho mãe. Nunca tive ninguém para me ensinar as coisas… como segurar um bebê, como cuidar... como ser mãe de verdade. — Os olhos de Darlene enchem de lágrimas. — E eu tenho medo de decepcionar. Medo de fazer tudo errado com essa criaturinha aqui dentro, e aprendi com o meu pai a cuidar de bezerros...
Ela toca a barriga, o gesto tão doce quanto carregado de insegurança.
— E pior... eu não quero que o Eduardo pense que eu fiz isso de propósito. Que eu fui irresponsável. Ele é todo certinho... viveu um monte de coisa... eu sou só... eu sou só a Darlene da roça, que nunca soube de nada direito.
Mariana se aproxima e segura suas mãos.
— Ei. Para com isso. Olha para mim.
Darlene obedece, com os olhos úmidos.
— Isso não é culpa sua. Nem dele. Foi uma escolha dos dois, mesmo que sem pensar tanto no depois. Eduardo é um homem experiente, sim. Mas você… você é uma mulher forte, carinhosa, com um coração imenso. E o amor que você já tem por esse bebê vale mais do que qualquer manual de maternidade.
Ela respira fundo, com a voz mais suave agora.
— Não tem culpados aqui, Darlene. Tem uma nova vida. E vocês dois. E eu tô aqui pra caminhar com vocês, cada passo.
Darlene começa a chorar, e Mariana a abraça com firmeza.
— Eu vou te ajudar — prometo. — A ser mãe, a aprender tudo, a enfrentar os medos. Eu vou estar do seu lado, do lado dele. E você vai ver… vai ser uma mãe maravilhosa. Sabe por quê?
— Por quê? — ela pergunta com a voz embargada.
— Porque você se importa. E quem se importa… já começa certo.
Darlene sorri, entre lágrimas, e Mariana beija sua testa com carinho.
Ali, naquele canto da clínica, onde o mundo parece parar só por alguns minutos, nasce algo ainda mais forte que o medo, a certeza de que, juntas, elas podem tudo.

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