É quando a paz parece se instalar que o verdadeiro predador se move. Com os passos firmes de um homem que comanda reinos inteiros sem precisar levantar a voz, Don David Lambertini fecha a porta do escritório após a saída das mulheres e encara Jonathan com a serenidade de quem é incapaz de duvidar da própria força.
— Lizandra é o meu ponto fora da curva. A voz é baixa, mas cada palavra corta como navalha. — Deixe todos aqui avisados, eu não sou cego, nem burro. Se eu sonhar que estão olhando demais para ela... morre. Sem aviso. Sem justificativa.
Jonathan o encara, firme.
— Ninguém aqui é louco de olhar para uma das mulheres da casa. Pode não parecer, Don... mas eu sou tão ciumento quanto você. E não meço esforços para proteger a minha esposa de olhares indevidos.
David não sorri. Ele apenas assente, como quem recebe um recado, mas deixa claro quem dita as regras.
— A partir de agora, qualquer conversa direta com Marta será feita através de Lizandra. Do mesmo jeito que eu não aceito homem nenhum muito perto da minha esposa, vou tratar Marta com o mesmo cuidado e manter os meus homens longe dela.
Jonathan respira fundo.
— Marta não sabe de nada ainda. Ela nunca foi ouvida... ficou em coma. Foi atropelada. E quando acordou... já tinha perdido o filho.
David estreita os olhos.
— Essa é a diferença entre nós dois, Jonathan. Você espera pela brasa. Eu vou na fumaça.
Ele puxa o celular, acessa rapidamente um aplicativo oculto, e em segundos a escuta no aparelho de Lizandra é ativada. O som da conversa entre as duas mulheres preenche o ambiente.
Elas estão no quarto dos gêmeos. A voz de Marta é suave, mas carregada de emoção.
— Nunca vi o meu filho... Estava no interior. Me separei do Jonathan e ele nem sabia da gravidez. Só descobri mais de um mês depois que já estava morando no sítio da família... Pensei nele muitas vezes, mesmo ainda o amando mais que tudo... mas não estava pronta. Ainda estava magoada demais.
David e Jonathan se entreolham em silêncio. A voz de Marta continua, embargada:
— Então veio aquela noite...
A voz de Marta se dissolve enquanto a tempestade ganha vida nas memórias. Raios, trovões, caos. A cidade submersa. O sítio, isolado e intacto, vigiava o mundo se despedaçar.
Marta, grávida, abrigava vidas enquanto organizava socorro a outras. Com firmeza, liderava com a calma de quem prevê catástrofes. Alheia às dores pessoais, pensava em cada família, em cada rosto molhado de desespero.
— Miguel, o meu irmão, praticamente já não me deixava trabalhar, ele assumiu tudo sozinho, eu fiquei apenas com o administrativo do sítio, temos plantações e galpões de frango de corte.
Do outro lado, Lizandra a ouve com atenção. Quando fala, a voz da veterinária é gentil.
— Eu também cuido de granjas, sou médica veterinária. Tenho frangos e suínos. Sei o que é manter um sistema todo vivo sob pressão.
Marta sorri pela primeira vez.
— Então você entende o que é não poder falhar.
— Entendo. E é por isso que nós duas não vamos falhar agora.
Dentro do escritório, Jonathan limpa uma lágrima contida. David permanece estático, olhos fixos no nada, processando cada dado, cada gesto, cada informação como um tabuleiro em constante mudança.
— Eu saí dali tremendo. Disse para o Miguel que queria ir embora. Nem expliquei. Não conseguia. Só sabia que não era coincidência. Ela estava ali por um motivo. E naquele momento… eu soube que alguma coisa estava errada. Muito errada.
Marta aperta as mãos uma contra a outra, apoiadas sobre a barriga agora vazia, como se ainda sentisse o peso dos filhos ali.
— Eu não falei com ninguém. Guardei tudo. Continuei com os planos da viagem. Mas eu esqueci, nem lembrava mais aquela imagem dela ali, no meio daquele caos, como se fosse dona do lugar.
O silêncio paira no quarto. Lizandra apoia a mão sobre o braço de Marta com leveza.
Do outro lado da casa, no escritório, Jonathan segura o punho cerrado sobre a mesa. Don David continua imóvel, olhos semicerrados, absorvendo cada palavra.
O nome foi dito.
Cassandra.
E agora, o quebra cabeça começa a tomar forma.
Mas ali, no quarto, tudo ainda é dor contida. Marta respira fundo, o olhar fixo no bercinho de Jeff.
— Naquele dia… alguma coisa mudou. Eu só não sabia ainda o que era.
E então ela sussurra, como se confessasse para si mesma:
— Mas talvez tenha começado ali… o roubo do meu filho.

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