O som do motor ao longe não faz sentido algum. Não àquela hora, não com ela grávida, e certamente não com ela ao volante do caminhão boiadeiro da fazenda. Eduardo paralisa na sala, o café ainda quente nas mãos, os olhos fixos no peão que entra esbaforido e grita:
— Dona Darlene saiu dirigindo o caminhão! Disse que ia descarregar os bois no matadouro!
O tempo congela.
Eduardo sente o mundo girar ao contrário, como se as leis da lógica tivessem sido violadas de propósito só para atormentá-lo. A caneca escapa de sua mão, espalha café pela mesa de madeira maciça e pinga lentamente no chão, mas ele nem percebe. Já está de pé, o rosto pálido, os olhos arregalados, a voz trêmula.
— O quê? COMO ASSIM O CAMINHÃO?
O peão coça a cabeça, ainda ofegante.
— Ela tava tranquila, disse que não precisava de ajuda. Pegou a chave no compartimento, conferiu a documentação e foi…
— E VOCÊ DEIXOU?! Eduardo grita, já pegando as chaves do próprio carro. — VOCÊ VIU E DEIXOU ELA SAIR?!
— Mas… mas ela disse que sabia o que tava fazendo…
— ELA TÁ GRÁVIDA, CINCO MESES! CINCO! ELA NÃO PODE NEM LEVANTAR UM SACO DE RAÇÃO DIREITO!
Eduardo sai da casa tropeçando nas próprias pernas, tentando abrir o celular enquanto corre, digitando com os dedos trêmulos. Liga para Miguel.
— ATENDE, ATENDE, ATENDE!
— Alô? — a voz de Miguel soa calma do outro lado.
— Miguel, PELO AMOR DE DEUS, Darlene saiu com o caminhão boiadeiro! Disso, DO NADA! Ela foi sozinha para o matadouro! SOZINHA! CINCO MESES DE GESTAÇÃO!
— Calma, Eduardo. Respira. Isso é normal…
— NORMAL?! Desde quando é normal uma gestante de cinco meses pilotar um caminhão de cinco toneladas?!
— Eduardo… escuta… Darlene e Marta dirigem caminhão desde que têm nove anos, elas faziam isso sentada em almofadas. Eu cresci vendo isso. E se ela tá indo, é porque tá segura. Mas calma... tô indo aí. Não deixa ela se estressar, tá me ouvindo? E, pelo amor de Deus, não surta na frente dela.
— Tarde demais! — Eduardo desliga e arranca com o carro pela estrada de terra, levantando poeira e desespero.
Enquanto dirige feito um condenado, o coração martela no peito como se cada batida fosse uma sirene. Ele imagina mil tragédias, o caminhão tombando, ela passando mal sozinha na estrada, contraindo no volante, caindo da cabine. Um filme de terror rural, com trilha sonora de pneus cantando e bois mugindo.
Finalmente, no entroncamento que leva ao matadouro, ele avista o caminhão.
Lá está ela. Darlene.
Tranquila.
Sentada na cabine, óculos escuros no rosto, uma mão no volante, outra segurando um copo de suco. O rádio está ligado em um sertanejo calmo, e ela canta baixinho, completamente alheia à tempestade que Eduardo carrega no peito.
Ele estaciona o carro atravessado, sai batendo a porta e corre até o caminhão como um maluco.
— VOCÊ TÁ LOUCA?! DÁ PARA EXPLICAR O QUE TÁ ACONTECENDO?!
Darlene desce com calma, apoiando-se nos degraus, ajeita o vestido soltinho e o boné.
— Bom dia para você também, Eduardo.
— Vai me acompanhando, Eduardo? Ou quer voltar para a fazenda com a ambulância emocional?
— Você é impossível, ele resmunga, mas entra no seu carro.
— E você é um fofo. Um desesperado… mas fofo, ela diz, rindo baixinho e encostando a cabeça no vidro e acena, logo engata a marcha.
Miguel acena e volta para o carro, rindo. E naquele momento, apesar de tudo, Eduardo sente algo estranho, o alívio. Admiração. E um amor doido, que mistura medo e desejo de protegê-la até dela mesma.
A estrada segue calma, com o ronco do motor e o cheiro de feno ao redor.
Mas enquanto Darlene sorri e dirige com naturalidade, ele a observa de lado. Algo nele ainda desconfia que há mais do que tranquilidade naquela atitude dela.
Eles chegam vivos na fazenda e Darlene com um sorriso zombeteiro, quase sem querer, ela murmura:
— Tem mais uma entrega semana que vem… para o frigorífico na cidade vizinha.
— O quê? Ele pergunta, já engasgando com o próprio ar.
Ela não responde. Apenas sorri.
E o coração dele dispara de novo.
Será que ela ainda vai aprontar mais?
Ou será que já aprontou… e ele nem percebeu?

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