O silêncio do quarto é espesso, quase palpável, quebrado apenas pelo som lento e ritmado de um monitor cardíaco. O cheiro é de antisséptico, misturado a algo mais denso, metálico, como sangue antigo.
Deitada em uma maca, uma cobra desperta…
Cassandra mexe o olho com dificuldade, como se estivesse emergindo de um pesadelo profundo. Mas, ao abrir os olhos, ou melhor, o único que lhe resta, percebe que talvez já esteja morta.
À sua direita, uma figura masculina sentada numa poltrona observa-a com a calma de quem tem todo o tempo do mundo. É um homem alto, impecavelmente vestido, de um porte que beira o intimidador. Os cabelos negros contrastam com os olhos azuis, frios e penetrantes, que parecem atravessá-la até alcançar os seus ossos. Ele não sorri. Não precisa. O poder que exala é tão sólido que quase comprime o ar.
Por um instante, Cassandra acredita estar diante de um médico, ou de alguma divindade cruel, o senhor absoluto do inferno ou do destino. O coração dela acelera. Ela tenta sorrir, jogando mão do que sempre foi sua maior arma, a sedução. Mas ao mover-se, a dor explode pelo corpo inteiro, como se cada nervo estivesse em brasa. Então, a lembrança a atinge com violência, o carro rodando, o cheiro de gasolina, as chamas subindo e devorando tudo. Ela sente novamente a carne queimando, o desespero, o grito que morreu no fogo.
Seu olhar baixa para si mesma e o horror retorna. Todo o corpo está envolto em bandagens. Não há pele à mostra, apenas tiras de gaze e ataduras, como uma múmia malldita. Ela tenta falar, mas a garganta queima como se ainda estivesse respirando fumaça.
O homem se inclina para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, e finalmente fala, com a voz grave e cortante:
— Meu nome é Don David Lambertini.
Ela o encara, surpresa. O nome não lhe é estranho. A fama dos Lambertini atravessa fronteiras. Cassandra sente um arrepio.
— Don? Ela força a voz rouca, tentando disfarçar o medo.
— Devo… agradecer por estar viva?
Ele solta um riso seco, sem humor.
— Viva? Seus olhos passeiam por ela, lentamente, como se analisassem um cadáver.
— Isso ainda vou decidir.
Cassandra engole em seco. Ainda assim, tenta um último recurso. Seu único olho se estreita, a boca curva-se num esboço de sorriso provocador.
— Um homem como você… tão poderoso… não acha que poderia aproveitar melhor essa situação?
O olhar dele muda. Fica gelado.
— Eu tenho uma esposa linda, diz, cada palavra cortando o ar como uma lâmina, e jamais olharia para um trapo queimado e defeituoso como você, não encontrei o meu pau no lixo!
O golpe não é apenas verbal. Ele se levanta e, sem pressa, aproxima-se da cama. Em um movimento preciso, arranca o tampão que cobre o lado direito de seu rosto. A frieza no gesto é tão calculada que Cassandra não reage de imediato.
— Onde está Jeff Maia Schneider? Pergunta, com a calma perigosa de um predador.
O sangue some do rosto dela. O silêncio que se segue é mais eloquente que qualquer resposta.
David se inclina, e de repente, a dor volta a tomar conta de cada fibra do corpo dela. Ele pressiona pontos estratégicos, aproveitando-se de queimaduras e ferimentos ainda vivos. Cassandra urra, um grito animalesco, incapaz de se conter.
— Entenda uma coisa, diz ele, próximo ao ouvido dela.
— Eu não saí da minha casa à toa. Você está diante do chefe da máfia. Da mesma forma que coloquei aquele carro preto atrás de você, posso acabar com a sua vida agora mesmo.
Cassandra tenta respirar, mas o ar parece pesado demais. Ainda assim, o desafio brilha em seu olho restante. Ela não fala.
O Don então começa a arrancar, uma a uma, várias bandagens. As ataduras deslizam, revelando o horror escondido. O corpo dela é um mapa de queimaduras profundas, músculos expostos em carne viva, costuras cirúrgicas mal fechadas. Onde havia um olho, há apenas um vazio fechado por uma sutura grosseira e irregular. As duas orelhas desapareceram, o nariz é uma buraco grotesco, o couro cabeludo todo queimado. O tronco é irreconhecível, os sei0s destruídos, os braços e pernas marcados por feridas abertas.
Ele pega um espelho grande e coloca diante dela.
— Olhe.
Ela chora. Chora de horror, de vergonha, de impotência. Os soluços vêm misturados a pequenos gritos, como se cada lembrança do próprio reflexo fosse mais uma facada. Entre um soluço e outro, ela começa a balbuciar.
— Eu… não…
— Vai falar. Ele não pergunta. Afirma.
Ela sente que não há saída. A dor física é insuportável, mas a tortura psicológica vai além, é a certeza de que nunca mais será quem foi. De que todo o poder e fortuna que construiu não a salvarão agora.
David não tira os olhos dela, analisando cada reação. Ele não precisa levantar a voz para impor medo.
— Lembre-se, Cassandra. Eu sou paciente. Posso ficar aqui o tempo que for necessário. Mas cada hora que você passar calada… é uma hora a mais que seu corpo vai desejar a morte.
Ela treme. A mente corre para o passado, para segredos enterrados, para o dia da enchente, para o bebê que ela ajudou a roubar. Mas a boca ainda se mantém fechada, num último esforço de orgulho.
David sorri. É um sorriso frio, sem um traço de compaixão.
— Você sabe que eu não estou blefando.
Cassandra sente a respiração acelerar. O coração b**e tão forte que parece querer explodir. O espelho ainda está diante dela, forçando-a a ver a própria ruína. A sala inteira se torna um pesadelo vivo.
No fundo, uma pergunta a atormenta: quanto tempo até que ele realmente cumpra a ameaça?
E, mais ainda… se ela falar, será que algum dia sairá viva daquela sala?
Ou será que o Don já decidiu seu destino antes mesmo de ela acordar?

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