A beleza é uma lâmina que corta fundo e seduz, ela engana, subjuga. A vaidade, quando alimentada pela inveja, se deforma em monstruosidade, até que nem o próprio espelho reconheça o rosto que reflete. O dinheiro é apenas combustível para o delírio, e o poder, o veneno que corrói a alma. Cassandra foi a prova viva de que não há queda mais brutal do que a de quem tentou transformar desejo em domínio. No fim, resta apenas a sombra de um monstro criado por si mesma, faminto por destruir o que jamais pôde possuir.
A liberdade chega, mas como um golpe de faca. Hoje, depois de algum tempo sendo mantida trancada como um animal nos fundos imundos de um chiqueiro, passando por todo tipo de tortura psicológia, os homens do Don David Lambertini largam Cassandra no mundo, jogada como lixo humano. O sol, que antes ela desejava sentir no rosto, agora a queima como ferro em brasa contra a pele deformada. Um chinelo barato, uma calça de tecido mole e um moletom com capuz são a única proteção oferecida pelo enfermeiro que a entrega. Ele sorri, um riso cínico e enjoado, dizendo que é para “proteger do sol”. Mas Cassandra sabe que é apenas para assustar menos quem a encontrar andando pelas ruas.
Ela caminha devagar, arrastando os pés, enquanto cada olhar que cruza no caminho a atravessa como lâmina. Crianças se escondem atrás das mães, homens murmuram palavras de nojo, mulheres desviam como se temessem ser contaminadas. Cassandra não fala, mas dentro dela um grito ecoa, essa é a liberdade que me dão? Ser exposta, humilhada, rejeitada?
O cheiro da fumaça do passado parece voltar, o carro em chamas, a pele derretendo, o corpo queimado até os ossos. Ela não tem rosto, não tem corpo, não tem nada além de ódio. E hoje, quando finalmente pisa de novo em ruas abertas, descobre que a prisão continua, só mudou de forma. Agora é a prisão do desprezo humano.
O reflexo no vidro de uma vitrine mostra a criatura em que Cassandra se tornou. Não há beleza alguma, apenas restos de um rosto humano devorado pelas chamas. Onde antes havia olhos sedutores, agora só resta um. Onde havia cabelos, só um couro queimado. Onde havia vaidade, hoje só há dor e fúria. Ela encara o próprio reflexo como se visse um fantasma. Mas não é um fantasma. É a prova viva de que o inferno existe, e de que ela voltou dele apenas para se vingar.
O capuz cobre parte do horror, mas não esconde tudo. O vento levanta o tecido e um homem maduro que passa na calçada desvia o olhar, apavorado. Cassandra sorri, um sorriso torto e sem lábios definidos, satisfeito pelo medo que causa. A dor a consumiu, a fome a enfraquece, mas o ódio a mantém de pé. E cada passo que dá nas ruas é sustentado apenas por uma certeza de que ela vai destruir Marta, Jonathan e as malditas crianças Schneider.
Depois de engolir a refeição barata que o enfermeiro lhe deu e logo em seguida lhe libertou, Cassandra segue em direção ao escritório de um velho conhecido. Não tem um centavo no bolso, mas precisa de um carro, algum dinheiro, uma oportunidade. Já imaginou como arrancaria cada recurso, mesmo que fosse necessário usar sua deformidade como arma de manipulação.
Ao chegar, encara o prédio envidraçado, limpo e luxuoso. Sobe os degraus com passos firmes, sentindo o chinelo barato estalar contra o chão. Dentro, o ar condicionado contrasta com o calor da rua. A recepção é ampla, polida, com quadros modernos e uma música ambiente suave. Mas tudo silencia quando ela entra.
As pessoas na sala de espera congelam. Uma mulher aperta a bolsa contra o peito, um homem finge mexer no celular sem olhar diretamente, duas crianças escondem o rosto no ombro da mãe. Cassandra sente cada olhar cortando como lâmina. Mas não recua.
— Quero falar com ele. Agora. Sua voz é rouca, carregada de um timbre sombrio.
A secretária, uma jovem loira de uniforme azul claro, levanta-se imediatamente, tentando esconder o pavor.
— Senhora, por favor… o senhor está em reunião.
— Ele vai me receber. Cassandra se aproxima, apoiando as mãos queimadas no balcão de mármore. A pele marcada, sem unhas, faz a secretária recuar um passo.
— Não pode entrar assim, a jovem responde, nervosa, quase gaguejando.
— Precisa retirar a máscara, aqui não é permitido…
Cassandra ri, um som abafado e assustador.
— Quer que eu tire o capuz? É isso mesmo que você quer?
Antes que a secretária responda, Cassandra puxa o tecido para trás. O salão inteiro parece prender o fôlego. O rosto deformado se expõe sob a luz branca, a carne retorcida, pele irregular, o vazio onde deveria estar um olho. Uma mulher na recepção solta um grito abafado, o homem ao lado se levanta, pronto para sair. Até o segurança no canto da sala parece hesitar, chocado demais para agir.
A secretária leva a mão à boca, horrorizada.
— Meu Deus…
Cassandra avança mais um passo, e sua presença domina a sala como uma sombra sufocante.
— Vai ligar para ele. Agora. Ou juro que vou ficar aqui, parada, até cada cliente dessa porcaria de empresa ver o que vocês tentam esconder da vida.
O silêncio é absoluto, quebrado apenas pelo som da respiração pesada dela. O ar se torna insuportável, como se todos esperassem que algo terrível acontecesse a qualquer segundo. A secretária, trêmula, tenta se recompor.
— Senhora… eu… não posso permitir.
Cassandra fecha o capuz com força, ainda mais furiosa, mas também humilhada. Ser rejeitada era esperado. Ser olhada como um monstro, inevitável. Mas ser tratada como lixo, como alguém que não merece sequer entrar, isso corrói o seu peito queimado.
Ela dá um último olhar ao redor, gravando cada expressão de horror. Dentro de si, cresce ainda mais a certeza, o mundo vai pagar caro por ter permitido que ela sobrevivesse assim.
E enquanto sai, com passos arrastados e pesados, a pergunta ecoa em sua mente e no coração dos que a viram, até onde vai a sede de vingança de uma mulher que perdeu tudo? Quem será o primeiro a cair em sua armadilha? E quanto tempo resta para que Marta e Jonathan descubram que a verdadeira ameaça está solta pelas ruas?
As portas automáticas se abrem de novo quando Cassandra tenta sair. O barulho ecoa no ambiente silencioso, e é como se cada olhar ainda estivesse cravado em sua pele queimada. Mas, ao invés de virar as costas e ir embora, ela para diante do vidro, como uma fera encurralada, respirando fundo.
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