O sol não deveria doer. Não desse jeito. Cassandra Reimann caminha devagar pela calçada, e cada passo é um lembrete cruel de que não é mais quem foi um dia. Antes, era a mulher imponente do Grupo Schneider, a temida chefe do RH que decidia destinos com uma simples assinatura. Seu salto alto ecoava nos corredores como martelo de juiz, e seu perfume caro anunciava sua chegada antes mesmo de alguém vê-la. Agora, não há salto, não há perfume. Só o arrastar de chinelos baratos e o fedor das ataduras velhas coladas às feridas que ainda não cicatrizaram por completo.
O moletom com capuz cobre sua cabeça, mas não esconde as marcas do inferno que sobreviveu. E os olhos das pessoas não perdoam.
Um grupo de jovens a encara de longe. Riem entre si, cochicham, e um deles se atreve a gritar:
— Ei, senhora! Está pronta para o Halloween?
As risadas explodem, cruéis, afiadas como lâminas. Cassandra aperta os dentes que sobraram e continua andando. O peito arde, mas ela não olha para trás. Se olhar, se reagir, se mostrar que dói, será pior.
Mas os risos ficam, como fantasmas que a seguem.
Ela dobra uma esquina e se aproxima de um ponto de ônibus. Precisa respirar, precisa parar. Mas mal se encosta no poste, uma mulher segura a mão do filho pequeno e o puxa para trás, como se Cassandra fosse morder.
— Fica perto de mim, não olha, não olha! A mãe sussurra, com olhos cheios de pavor.
O garoto, curioso, encara de novo. Cassandra sente a garganta fechar quando ouve o menino perguntar em voz clara, alta o bastante para todos ouvirem:
— Mamãe, por que o monstro não volta para o esgoto?
O mundo gira. O estômago se revira. Cassandra aperta os punhos, sente as cicatrizes repuxarem. Monstro. Sempre essa palavra. Sempre esse eco.
Outros passageiros se afastam dela, uns mudam de ponto, outros preferem esperar de pé, do outro lado da calçada. Como se ela fosse uma praga. Como se só de respirar perto dela, já fossem contaminados pela maldição do fogo.
Ela tenta subir no ônibus quando ele chega, mas o motorista a barra.
— Desculpa, senhora… mas não pode entrar com o rosto coberto. Regras da empresa.
Cassandra, exausta, obedece. Levanta o capuz devagar. O silêncio cai pesado no veículo. Alguns gritam, outros xingam, uma mulher chega a tapar os olhos da filha.
— Pelo amor de Deus! Alguém berra do fundo.
— Essa coisa não pode andar aqui!
O motorista, desconcertado, balança a cabeça.
— Senhora, é melhor descer. Vai dar confusão.
O coração de Cassandra dispara. Confusão. Não é só confusão. É ódio. É medo. É linchamento disfarçado.
Ela desce, tropeçando, e ouve os gritos atrás de si.
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