O frio corta a pele de Cassandra como lâmina invisível. A madrugada paulista não tem piedade, e ela encolhe os ombros debaixo do moletom sujo, tentando proteger-se. Dormiu encostada numa parede úmida, perto de uma padaria fechada, e cada minuto da noite foi um castigo. Os ossos doem, o corpo reclama, e a mente não descansa.
Ela se lembra de outra cama, outra vida: lençóis de algodão egípcio, travesseiros de plumas, a vista panorâmica da sua cobertura em Ribeirão Preto. Lembra-se do mármore branco da sala, do piano que nunca soube tocar, das joias guardadas no cofre e dos dólares que sempre mantinha “para emergências”. Quem diria que a emergência viria desse jeito? Hoje, ela não tem um mísero real para comprar um pão dormido. E o apartamento parece estar em outro planeta, inalcançável.
A manhã chega cinza, e Cassandra arrasta-se pelas ruas do centro. A fome a corrói. Tenta entrar em uma lanchonete, mas o olhar do balconista a expulsa antes que abra a boca. As pessoas desviam, algumas fazem o sinal da cruz ao cruzar com ela. Como se fosse uma maldição ambulante.
Mais tarde, numa esquina escura, dois homens a observam. O cheiro de álcool denuncia a bebedeira.
— Olha isso, cara. Um deles ri. — Parece que sobrou um pedaço do capeta na Terra.
— Será que ainda dá caldo? O outro provoca, aproximando-se.
Cassandra sente o coração disparar. Eles a encurralam contra a parede. O bafo de cachaça, a mão áspera segurando seu braço.
— Vem cá, minha monstrinha…
Ela fecha os olhos, pronta para mais uma humilhação. Mas então o riso deles muda. Um puxa o outro para trás, como se tivesse encostado numa coisa repugnante.
— Ah, não dá, velho. Não dá.
— É, mano. Eu não tenho coragem de meter o pau numa desgraça dessas. Olha isso! Parece um bicho!
Eles gargalham, cuspindo no chão perto dela, antes de sair cambaleando.
— Melhor procurar uma cachorra na rua, dá mais tesão que isso aí! — grita um, afastando-se.
Cassandra desliza pela parede, desmoronando em lágrimas silenciosas. A humilhação não vem apenas do quase-abuso, mas da recusa. Nem para ser violentada ela serve. Agora, é tão desprezível que até os predadores têm nojo dela.
O estômago se contrai com a fome. A mente viaja. E então surge a lembrança: o empresário. Um homem com quem já teve negócios quando ainda era a poderosa Cassandra Reimann. Ele lhe devia favores, e mais de uma vez tentara flertar. Talvez, apenas talvez, pudesse ajudá-la.
Sem dinheiro, sem transporte, decide seguir a pé até o prédio dele. Cada passo é uma tortura. A sola fina dos chinelos arranca bolhas nos pés. A boca seca, os olhos pesados. Mas ela insiste.
Horas depois, já é fim de tarde quando chega à frente do edifício luxuoso, iluminado, guardado por portaria imponente. Cassandra observa os vidros brilhando, os carros caros estacionados. Já imagina o que faria: se arrastar até a recepção, revelar seu nome, talvez ameaçar, talvez implorar. Não sabe ainda. Mas antes que tome coragem, o destino se intromete.
Um carro preto estaciona perto dela. Um homem elegante desce, ajeita o paletó e caminha. Cassandra reconhece de imediato. É ele. O empresário. O coração dela dispara.
Ela dá um passo, mas ele a encara com estranhamento, quase com repulsa.
— Quem…? A voz dele falha.
Cassandra respira fundo, a vergonha queimando o peito.
— Sou eu. Cassandra Reimann.
O homem arregala os olhos, recua um passo, incrédulo.
— O quê? Não… impossível. Cassandra…? Meu Deus, o que aconteceu com você?
As pessoas já olham, curiosas. Ele percebe o risco de ser visto com aquela criatura. Sem perder tempo, a agarra pelo braço e praticamente a empurra para dentro do carro.
— Entra logo. Antes que alguém veja.
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