O silêncio dentro do carro é quase insuportável. O motor ronca baixo, os faróis cortam a noite escura, mas nada consegue dissipar a tensão que paira sobre o ar. Dante, o guarda-costas de Islanne, dirige com firmeza, os olhos atentos à estrada, mas a respiração dele denuncia que também percebe o peso daquela viagem. No banco de trás, Jonathan e Islanne estão lado a lado, imóveis, como se qualquer movimento pudesse fazer a realidade se materializar com mais crueldade.
Jonathan aperta o celular entre os dedos, mas não tem coragem de discar nenhum número. A mente dele gira em círculos: ligar ou não ligar? Marta? Os gêmeos? Os pais? Cada hipótese é como um soco no estômago.
— Você não vai ligar? Islanne quebra o silêncio, a voz quase um sussurro.
Ele a encara de lado, os olhos marejados, mas firmes.
— Não sei… e se for pior do que eu imagino?
Ela engole seco. O mesmo medo a paralisa. Os pais haviam saído de carro há pouco mais de uma hora. A lembrança da última ligação que Jonathan recebera com aquele tom policial ecoa entre eles, o dia em que encontrou Aira morta. Agora, o destino parece brincar com as feridas ainda abertas.
— Pode ser qualquer coisa, Jonathan. Ela tenta racionalizar, mas sua própria voz falha. — Pode ter sido outro carro, outra pessoa…
Ele balança a cabeça, sem conseguir acreditar.
— Eles disseram que o carro era meu. Não era outro, não era de fora. Era meu.
A cada quilômetro percorrido, o silêncio volta a se instalar, cortado apenas pelo tic-tac invisível da angústia. Dante aperta mais o volante. Ele é treinado para situações extremas, mas, dentro daquele carro, sente-se impotente diante da dor silenciosa que escorre do banco de trás.
A estrada escura parece interminável. Jonathan fecha os olhos por um instante e se lembra de Aira. Da noite em que a encontrou sem vida, de como o cheiro de sangue e combustível queimado nunca mais o abandonou. Um arrepio o percorre inteiro, e ele murmura sem perceber:
— Não de novo… não comigo de novo.
Islanne segura a mão dele. Pela primeira vez em muito tempo, sente medo genuíno do que pode estar por vir.
— Vamos encarar juntos, Jonathan. Seja o que for, vamos juntos.
O carro reduz a velocidade. À frente, luzes vermelhas piscam no breu da noite. Viaturas, sirenes abafadas, o cheiro de fumaça ainda recente. Dante estaciona alguns metros adiante, e os três descem. Jonathan e Islanne caminham lado a lado, o coração acelerado, cada passo como um martelo contra o peito.
Um policial se aproxima, o semblante sério, a prancheta na mão.
— Boa noite. O senhor é Jonathan Schneider?
Jonathan apenas acena com a cabeça, incapaz de emitir um som. O policial respira fundo, o olhar pesado.
— Peço que me acompanhem.
O caminho é iluminado pelos faróis e pelas lanternas dos bombeiros. Um carro retorcido, praticamente irreconhecível, está parado no meio da pista. As ferragens ainda fumegam. Jonathan percebe antes mesmo de perguntar. Não é da frota da empresa. É de casa.
O estômago dele se revira. A confirmação que ele não queria.
Islanne percebe também, e a mão dela aperta ainda mais a do irmão.
— Meu Deus… ela murmura.
Os bombeiros se afastam lentamente, e o policial lhes dá passagem. Jonathan se aproxima, o coração em frangalhos. É quando ele vê.
Ainda presa às ferragens, o rosto machucado, sem vida, está Cici. O impacto da cena é devastador.
— Não… Jonathan solta, um grito abafado.
— Não, não pode ser…
Islanne leva a mão à boca, as lágrimas descendo em silêncio. Ela se apoia no irmão, que cambaleia ao lado dela. O corpo de Cici está irreconhecível em algumas partes, mas não há dúvida. O cabelo, o colar delicado ainda no pescoço, detalhes pequenos que doem como punhais.
Jonathan abraça Islanne, os dois desmoronando juntos diante da brutalidade da cena.
— Por quê, meu Deus? Jonathan chora, a voz embargada. — Por que mais uma vez?
Islanne soluça, incapaz de falar. A imagem de Cici ainda viva, rindo, conversando com eles dias antes, contrasta com a visão brutal agora.
O policial espera alguns instantes, respeitando o luto imediato, mas sabe que precisa explicar os procedimentos. Aproxima-se devagar, a voz firme, mas respeitosa.
— Senhor Schneider… Senhora Schneider… compreendo a dor dos senhores, mas preciso esclarecer algumas coisas.
Jonathan levanta o olhar, vermelho, com raiva e dor misturados.
— Pode falar.
O policial se aproxima mais um passo.
— O corpo precisa ser liberado para o IML, o Instituto Médico Legal. Lá, será realizado o exame necroscópico para determinar a causa da morte de forma oficial. Apesar das evidências do acidente, todo procedimento precisa seguir protocolo.
Islanne enxuga as lágrimas, tentando manter alguma racionalidade.
— Quanto tempo isso leva? A voz dela é firme, apesar do choro.
— Normalmente, de vinte e quatro a quarenta e oito horas, dependendo da demanda. Mas, considerando a identidade e a repercussão, podemos tentar agilizar.
Jonathan se levanta com esforço, a respiração pesada.
— Eu quero estar presente em cada etapa. Ninguém vai levar Cici sem que eu saiba para onde.
O policial acena com a cabeça.
— Entendo, senhor. Fique tranquilo. Nada será feito sem o consentimento direto da família.
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