Não precisa verificar o relógio, a madrugada avança quando Alan Moretti sente o mundo ruir de vez. A garrafa de uísque na bancada já perdeu o gosto, tornando-se um líquido morno e amargo como o arrependimento que corrói o seu peito. A casa está mergulhada em um silêncio artificial, sufocante, como se até as paredes aguardassem para ouvir o que vem a seguir. No andar de cima, Vivian dorme, ou tenta. Há noites em que o peso da vida acorda mesmo os que fingem dormir.
Mas Alan não dorme. Há semanas que não conhece o verdadeiro descanso. Só pesadelos. E um deles caminha agora em sua direção agora.
Vivian acorda com o barulho, os olhos turvos pelo sono interrompido. Ela vê Alan no quarto, com a expressão de um homem prestes a ser enforcado.
— O que foi agora?
Ele não responde de imediato. Vai até o armário e começa a empurrar roupas na mochila com movimentos duros, quase violentos.
— Precisamos ir. Agora. — A voz é firme, mas arrastada. Tensa. Embriagada.
— O quê? Por quê?
Alan a encara. E ela vê. Não só o terror. Mas o luto. Um luto que carrega todos os dias sem dizer uma palavra.
— Jonathan descobriu. Tudo. O sequestro, o homem que eu mandei atrás da mulher dele… e a Aira. Ele sabe. E vai me destruir.
Vivian não diz nada por um momento. Ela já esperava por isso. Desde o dia em que viu Alan trancado no escritório, tremendo, segurando uma garrafa e encarando o vazio como se olhasse o próprio reflexo no abismo.
— Então é isso? Vamos fugir?
— Não é fuga. É sobrevivência. — Ele fecha a mochila com força. — Você vem comigo ou fica?
Ela observa o homem à sua frente. Não é mais o marido gentil e idealista de antes. É uma sombra dele. Mas as sombras também sentem dor.
— Eu vou. Mas se você me arrastar pra esse abismo, Alan, eu mesma termino o que o Jonathan começou.
Alan assente, com um sorriso triste e cansado.
— Justo.
Meia hora depois, um carro preto corta a escuridão da estrada como uma lâmina silenciosa. A chuva engrossa, martelando o teto do veículo enquanto Alan dirige com o maxilar travado, os olhos fixos na estrada. Vivian ao lado, em silêncio. Não porque não tenha o que dizer, mas porque já sabe que palavras não funcionam com ele quando o abismo o engole.
O rádio toca uma canção triste demais até mesmo para aquela madrugada. Alan a desliga com um gesto seco.
— Estamos indo para o interior — diz, finalmente. — Casa de um paciente. Um lugar afastado, seguro… por enquanto.
Vivian assente. Mas não deixa passar.
— E depois?
Ele suspira, encostando-se no volante como se ele mesmo estivesse se desmontando por dentro.
— Depois… a gente pensa no depois.
— Isso é só mais uma fuga, Alan. Não um recomeço.
— Eu não tenho mais como recomeçar. — A voz amarga sai como um sussurro áspero. — Mas você tem.
Ela vira o rosto, surpresa pela confissão.
— Você está dizendo que vai me deixar?
— Estou dizendo que talvez eu precise… antes que tudo piore. Antes que só reste o monstro.
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