A música “Linger”, do Cramberries, soava particularmente suave na voz de Ana, a menina de pele clara que se sentava à mesa, junto dos amigos de Melissa. Além de vestir um vestidinho claro, de cor perolada, ela tinha as orelhas levemente pontiagudas e voltadas para a frente, traços faciais finos e delicados, dentes pequenos e perfeitamente alinhados e olhos âmbar e amendoados e repletos de uma curiosidade genuína e quase infantil, o que a fazia lembrar, vagamente, uma das elfas das histórias de Tolkien. Todos ali observavam a moça, quase que enfeitiçados pela maneira etérea como ela se movia sobre o palco. A melodia em sua voz, parecia capaz de derreter defesas erguidas e penetrar o cerne dos ouvintes, que suspiravam, encantados.
Jonathan voltava do balcão, já alegre dos outros quatro canecos os quais havia entornado, a tento de espantar a ansiedade que crescia em seu estômago. Ele havia sido capaz de se soltar um pouco, rindo das piadas e respondendo o que lhe era questionado, mas afora isso, tentava lidar com seus próprios demônios de maneira silenciosa.
Quando se sentou, depositou o caneco que Melissa havia lhe pedido e se concentrou em beber. Sua percepção já se fazia um tanto turva, mas Eva estava constantemente lá, em diversas situações às quais a mente de um homem apaixonado e alterado pela bebida podia criar.
— ...Jonathan. – Melissa chamou, como se aquela não fosse a primeira vez.
O rapaz a encarou, como se acordasse de um sonho.
— Hã. O que foi?
Melissa bebeu um longo gole do caneco, constatando estar estupidamente gelado e não demonstrando metade da suscetibilidade do rapaz quanto ao álcool.
— Você está bem? – Ela perguntou, levando a mão ao seu joelho.
Jonathan deu de ombros. A bem da verdade, “bem” era uma palavra forte demais para descrever como se sentia. O estômago se embrulhava a todo momento, enquanto ensaiava as palavras que diria para Eva. Sentia como se aquela fosse ser a primeira conversa a sério dos dois e temia a maneira como ela reagiria. Em seu jovem coração, temia perder a pessoa por quem mais havia tido sentimentos em sua vida, mas sabia, no entanto, que no fundo, Melissa estava certa. Quanto de si mesmo ele seria capaz de sacrificar para ver uma Eva livre e satisfeita? Ela já havia lhe dito que o que sentia por ele não era amor. Mas tê-la daquela maneira, pela metade, era algo que, com o passar do tempo, acabaria transformando-a completamente em algo que o faria sentir repulsa ou, até mesmo, ódio. Ambos, sentimentos os quais não queria sentir. Não por ela.
Ele havia sido claro sobre o quanto queria estar com ela. Por que ela não podia ser, também, sincera? Ao menos, ele saberia o que esperar. Preferia suportar a verdade cruel do desapego do que alimentar a fome constante da esperança e da incerteza. Ela era, sim, casada com seu primo, mas, pelo que ela havia lhe contado, Eric vinha tendo um caso. Ela não entrara em detalhes, mas aquela notícia enchera o coração do rapaz de dúvidas ainda mais traiçoeiras. Estaria, ela, o usando como vingança? O quanto daquele sentimento que ele pensava enxergar na maneira como ela o olhava era genuíno?
Ele encarou Melissa, com os olhos entristecidos e repletos de insegurança. Estava ele bem?
O barulho ensurdecedor de aplausos entusiasmados tomou todo o ambiente e Jonathan se ergueu quando Melissa estendeu sua mão.
— É a sua vez. – Ela disse, sorrindo em deboche.
O rapaz a encarou com os olhos verdes transformados em interrogação.
— Eu coloquei seu nome na fila. – Ela explicou. – É sua vez de cantar.
Jonathan balançou a cabeça em uma negativa e estava preparado para negar quando seu nome foi chamado no microfone.
— Jonathan... – Um homem chamou. – Quem é Jonathan?
Ele tentou esconder seu rosto, mas as pessoas na mesa começaram a socar o tampo de madeira, clamando seu nome em uníssono. O clamor se espalhou de maneira contagiosa por toda a extensão do salão, fazendo com que Jonathan corasse exageradamente.
Melissa levou a mão ao ombro do rapaz e o virou em direção ao palco, empurrando-o.
— Arrasa, grandão. – Ela cochichou em seu ouvido, depositando uma sonora palmada em sua bunda.
Sem escolha e impelido pela pressão da multidão, Jonathan cambaleou, contrariado até a pequena escadaria, lutando contra os efeitos que o álcool lhe causava.
Havia, a nível de decoração, vários instrumentos musicais pendurados na parede atrás do palco. Jonathan se aproximou do monitor, que ficava sobre um rack ao lado de um livro repleto de códigos numerais e nomes de músicas. Ele buscou algum título conhecido o qual se sentia seguro o suficiente para cantar, mas foi incapaz de encontrar um com o qual se sentisse satisfeito.
Ele suspirou, frustrado. A multidão começou a parecer impaciente, se perguntando se ele iria ou não iniciar sua performance. Ele se dirigiu, então, até a parede, parou de frente para um velho violão e passou o dedo pelas cordas. Aguçou, então, seus ouvidos testando acorde por acorde, constatando, satisfeito, que as cordas se encontravam devidamente afinadas. Ele tirou o instrumento do suporte com cuidado e caminhou até uma cadeira, puxando-a para o centro do palco, onde ajeitou o microfone à altura ideal.
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