O pecado original romance Capítulo 75

— Ei, ei. – Melissa acariciou os cabelos molhados, em uma tentativa de acalento. – O que aconteceu?

— O que eu estou fazendo da minha vida, Melissa? – Ela não ergueu a cabeça, impedindo que Melissa olhasse em seus olhos. – Eu estraguei tudo.

— Eva. – Chamou. – Eva. Espera só um pouquinho aqui, tá bom? Eu vou ali pegar minha bolsa e já volto. Não sai daqui, não, tá legal?

Melissa percebeu que a música de Ana já ia chegando ao fim e se apressou até a mesa.

Ao se sentar na cadeira, percebeu Jonathan chegando aos tropeções com os canecos de chopp. Ela o observou se sentar, entregar-lhe seu caneco e entornar um outro, sorvendo o líquido até a metade.

— Jonathan. – Ela o chamou e, como não obteve resposta, voltou a chamar. – Jonathan.

Uma explosão de aplausos tomou o ambiente. Jonathan não pareceu se importar.

O rapaz a olhou, aturdido, como se acordasse de um sonho.

— Hã. O que foi?

Melissa bebeu um longo gole do caneco, fazendo uma careta de preocupação.

— Você está bem? – Ela perguntou, levando a mão ao seu joelho.

O barulho ensurdecedor de aplausos tomou o ambiente enquanto Jonathan a encarava, completamente aturdido.

— É a sua vez. – Ela disse, o sorriso disfarçando a tensão.

O rapaz a encarou, confuso.

— Eu coloquei seu nome na fila. – Ela explicou. – É sua vez de cantar.

Jonathan balançou a cabeça em uma negativa e estava preparado para negar quando seu nome foi chamado no microfone.

— Jonathan... – O próprio proprietário do 8ball, que sempre fazia as vezes de organizador, chamou. – Quem é Jonathan?

Jonathan tentou se esconder, fuzilando Melissa com os olhos. Um estrondo começou a soar de maneira ritmada, vindo do tampo da mesa à qual estavam sentados. Logo o trovoar quase ensurdecedor de seu nome sendo clamado junto ao bater de punhos se espalhou por todo o salão. E então, o rapaz se levantou, vencido pela pressão.

Melissa levou a mão ao seu ombro e o direcionou ao palco.

— Arrasa, grandão. – Ela cochichou em seu ouvido, depositando uma sonora palmada em sua bunda. Ela percebeu, com o canto do olho, Ana a observá-la, com um óbvio ressentimento no olhar.

Melissa o observou cambalear em direção ao palco, preocupada. Ficou observando seus atos por um tempo, checando se ele saberia o que fazer e pensou em ir até lá para lhe prestar auxílio.

Parecendo um tanto perdido, ele procurou no livro de títulos por alguma música por um bom tempo e, quando as pessoas começavam a ficar impacientes, caminhou até o violão que servia como decoração para o palco e o dedilhou. Quando ela pensou que ele pretendia desistir, ele ergueu o instrumento do suporte na parede e puxou uma cadeira para o centro do palco, ajeitando o microfone à altura ideal.

— Ahem. – Ele pigarreou. – Eu não encontrei nenhuma música ali a qual eu me sentisse seguro para cantar.

Melissa olhou em direção aonde Eva estava, constatando que sua atenção havia sido chamada instantaneamente pela voz do rapaz.

— Pelas músicas que vocês têm escolhido ao longo da noite, talvez acabem não gostando do que vou cantar. – Melissa observou Eva a esfregar os olhos enquanto chorava. – Mas é uma música que meu pai costumava cantar para minha mãe quando eu era uma criança e ela tem muito significado para mim.

Melissa olhava de Jonathan para Eva, ela a encará-lo com o semblante entristecido, ele a dedilhar as cordas no violão de maneira mais hábil do que se era esperado. Ele aproximou a boca do microfone e, depois de alguns murmúrios, começou a cantar.

— Quando uma estrela cai... – Ele começou, surpreendendo com uma voz harmoniosa e mansa. — ... no escurão da noite, e um violeiro toca suas mágoas...

Melissa olhou para Eva, que encarava a figura do rapaz sobre o palco com o rosto aconchegado à palma da própria mão, uma torrente de lágrimas a escorrer, abundantemente pelas bochechas coradas. Ela se levantou e seguiu, de volta até a amiga.

— Evinha. – Ela chamou, tirando da mão dela as sandálias em farrapos. – Me dá isso aqui.

Eva parecia hipnotizada. As pupilas eram dois buracos negros em meio aos contornos azuis. Melissa levou um lenço até as bochechas encharcadas e as secou, com cuidado.

— Eu não sabia que ele cantava. – Ela suspirou, olhando na direção de Melissa. – Eu estraguei tudo, não foi?

O lábio inferior de Eva avançou em um beicinho manhoso quando os olhos se contorciam e se enchiam, novamente de água.

— Vem aqui, meu anjo. – Melissa a puxou contra si, sentindo os cabelos molhados encharcarem sua blusa. – Vamos ali naquele canto pra gente conversar, tá bom?

Melissa segurou a mão de Eva e a puxou até um local onde uma pilastra as daria um pouco mais de privacidade. Quando se virou para ela, Eva fungou, como fazia quando criança.

— O que aconteceu, em? – Ela jogou uma mecha dos cabelos encharcados por trás da orelha de Eva. – O Marcos te fez alguma coisa?

Eva a encarou, um leve vislumbre de dúvida a atravessar seus olhos, como se não entendesse como o nome de Marcos havia ido parar naquela conversa.

— O Marcos? – Ela questionou, surpresa. – Não, claro que não. O Marcos foi muito cavalheiro. Não foi nada disso.

— Então por que saiu correndo de salto na chuva? — Melissa inclinou a cabeça, pensativa.

— Eu não sei qual é o problema comigo. – Eva admitiu num miado. – Eu tinha uma vida perfeita com o Eric e estou jogando tudo para cima...

— Mas Evinha... – Melissa começou, mas Eva a interrompeu.

— E se já não bastasse eu ter me deixado apaixonar por um homem doze anos mais jovem do que eu, eu ainda brinco de fazer ciúmes nele, testando até onde ele me acompanharia. – Aquilo era um desabafo repleto de uma culpa que parecia tê-la golpeado de maneira repentina e avassaladora.

— Eva... – Melissa tentou chamar sua atenção, novamente.

— E ainda por cima, só de pensar nele tocando em outra mulher, meu estômago dá voltas e eu tenho vontade de explodir. – As palavras deixavam a boca de Eva de maneira rápida e atabalhoada.

— Eva... – Melissa começava a se sentir um tanto impaciente.

— E eu só posso estar ficando louca, por que eu realmente estou pensando em pedir um divórcio por achar que eu finalmente encontrei o amor da minha vida. – Compreender, desde o início, que aquilo viria a se tornar uma possibilidade, não impediu Melissa de arregalar seus olhos em surpresa quando ouviu a frase dita em voz alta.

Eva levou a mão a própria testa, andando de um lado para o outro, como se aquelas palavras, ditas por si mesma, a tivessem surpreendido também.

— Só que eu sinto que já fui tão egoísta com o Jonathan, e por tantas vezes num espaço de tempo tão curto que, se continuar nesse ritmo, eu vou acabar perdendo ele em menos de um ano.

Melissa levantou um dedo para interromper, mas preferiu deixar que Eva continuasse tirando suas próprias conclusões.

— E foi tudo tão intenso entre eu e ele. – Os olhos dela pareceram brilhar ao reflexo das lembranças vividas nos últimos dias. — E ele nunca reclamou de nada do que eu fiz, nunca me impôs nenhum limite. O que quer dizer que ele aceita tudo o que eu faço, não é mesmo?

Ela levou o indicador à boca, mordendo-o, como se a dorzinha da mordida a fosse fazer esquecer a angústia que a dúvida trazia.

— Ou ele pode apenas ter medo de que meu sentimento por ele seja algo tão frágil que a qualquer sinal de incômodo, eu vá, simplesmente descartá-lo. – Ela esfregou os dedos por entre as madeixas molhadas. – O que é um medo justificável, uma vez que eu nunca expressei em palavras o que eu sentia. Deus do céu. Quão egoísta eu posso ser?

O rosto de Eva se torceu, novamente em uma careta chorosa e ela encarou Melissa em busca de acalento.

— Quão egoísta eu posso ser?

Melissa puxou, novamente, a amiga contra si, envolvendo-a entre os braços e mantendo-a ali enquanto os soluços apaixonados não cessavam.

— Vem cá, Evinha. – Ela a pegou pela mão e a guiou por através do salão quando Jonathan parou de cantar. – Vamos dar um jeito nesse rosto inchado.

Os aplausos tomaram o salão. Melissa guiou Eva por um corredor escuro a um canto, onde se encontravam as portas dos banheiros.

Tirou uma toalha da própria bolsa e se pôs a ajuda Eva a se enxugar.

— O Jonathan ama você, Evinha. – Melissa tomava conta dela de maneira fraterna e carinhosa. – Ele não tem olhos para mais ninguém. E se você não tomar cuidado com as coisas que faz, vai acabar machucando o garoto...

— E ele vai acabar me deixando por uma mulher mais jovem do que eu, também. – Novamente o beicinho choroso.

Melissa sorriu, sabendo que aquele assunto podia se mostrar delicado demais e tomar mais tempo do que elas tinham.

— O Jonathan me parece o tipo de cara que passa a vida inteira com uma mulher só. E ele está apaixonado por você, tá bom?

O barulho da porta se fechando atraiu a atenção das duas. Ana se prostrava a observá-las, atônita com a informação que acabara de ouvir. Ela sabia que Eva era esposa de Eric e, certamente, aquilo havia soado de maneira muito estranha.

A porta se abriu de um rompante, atraindo a atenção da moça em direção ao jovem alto que havia entrado por ela.

— Eu quero que seja minha. – Disse a voz, absurdamente familiar. O coração de Melissa quis saltar em seu peito. – Só minha.

O homem puxou a figura esguia de Ana contra si, tomando-a em um beijo faminto. A garota pareceu estranhar a atitude, inicialmente, mas, acabou por se entregar à lascívia com que as enormes mãos do rapaz passeavam por suas curvas. Melissa olhou para Eva, que assistia a tudo, atônita.

— Jonathan? — Eva o chamou, a voz, tomada por uma tristeza quase palpável. – O que está fazendo?

O rapaz a olhou, claramente confuso, parecendo não entender a figura de Eva naquele lugar.

— Mas, então... quem? – Jonathan olhou para a figura aninhada em seus braços. – Ana?

Comentários

Os comentários dos leitores sobre o romance: O pecado original