O pecado original romance Capítulo 76

— Eu sinto muito. – Disse Jonathan a Ana, antes de se desembestar pela porta do banheiro atrás de Eva. – Sinto muito mesmo.

As pessoas se aglomeravam no corredor e Eva, sendo muito menor do que Jonathan, conseguiu se esgueirar por entre elas com maior facilidade, o que deu a ela a dianteira.

— Eva. – Chamou, angustiado. – Espera.

As pessoas o encaravam, ressentidas, quando ele, de maneira não intencional, esbarrava nelas com seu corpo avantajado.

Quando Jonathan finalmente foi capaz de chegar à porta, um dos seguranças o barrou, espalmando a mão em seu peito.

— Amigão... – O homem era ainda mais alto do que ele e possuía os ombros tão largos que a barriga protuberante quase se tornava irrisória se comparada ao resto do corpo. – A comanda.

Jonathan levou a mão ao bolso, lembrando-se de onde a havia deixado. Amaldiçoou baixinho, já se virando em direção à fila no caixa. Ele ia topando em uma figura pequena quando reconheceu os cachos e parou.

— Pode deixar que eu pago. – Ela tomou a comanda da mão de Jonathan. – Vai lá conversar com ela. Depois a gente se acerta.

Jonathan a encarou por alguns segundos, absorvendo a situação e então, a abraçou.

— Obrigado.

— Vai logo, garotão. – Ela o virou em direção à porta.

Quando o segurança se preparava para barrá-lo novamente, Melissa o interpelou.

— Pode deixar, Rafinha. – Ela levantou a comanda de Jonathan. – Eu acerto por ele. Deixa ele ir.

O brutamontes, que parecia ser conhecido de Melissa anuiu e abriu passagem para que Jonathan passasse.

O rapaz chapinhou pelas poças na pequena estradinha que levava à calçada, ignorando a água que entrava pelo cano da botina e encharcava seu pé.

Ele correu até a beira da rua, sentindo alguns pingos molharem seu rosto em uma garoa que caía suave e refrescava a noite abafada. Olhou, então, para o sul e para o norte à procura de Eva e só conseguiu vê-la seguindo pela noite por conta das costas alvas que se mantinham à mostra. Ela caminhava à passos rápidos e decididos, às vezes, acelerando os passos em uma breve corridinha, da qual logo desistia por conta do vestido a atrapalhar.

— Eva. – Ele chamou, correndo em sua direção. – Espera. Eva.

O tempo que ele havia perdido se esgueirando por entre as pessoas e sendo barrado pelo segurança havia dado a Eva uma enorme dianteira. Queria alcançá-la e pôr um fim à angústia que havia se tornado aquela noite. Queria se explicar, tomá-la nos braços, abraçá-la e, como Melissa havia aconselhado, deixar claro tudo aquilo que sentia.

Ele apressou ainda mais seus passos, seguindo pela calçada.

*

Eva saiu pela porta, sentindo os soluços do choro a chacoalhar seu corpo de maneira incontrolável. Seu coração batia descompassado e a sensação que tinha era a de que ele havia sido feito em pedacinhos. As palavras que haviam saído da boca de Jonathan enquanto ele olhava diretamente nos olhos amendoados de Ana eram as exatas palavras que ela desejara ouvir. “Quero que seja minha... Apenas minha”.

Ela vinha sendo bombardeada de sentimentos intensos ao longo dos últimos dias. Suas defesas haviam sido completamente destruídas. Desde que o havia conhecido, não havia sido capaz de controlar os sorrisos que insistiam em torcer sua boca quando menos esperava. Seu corpo se aquecia e seu sexo se umedecia com uma constância imprevisível e seus olhos, quando uma lembrança envolvendo Jonathan lhe surgia à mente se enchiam d’água e transbordavam felicidade e plenitude genuínas de uma maneira espontânea e insana. E, assim como havia experimentado os sentimentos que eram capazes de levá-la às nuvens, naquele momento, sentia-se partir em milhões de pedacinhos com a dor. Era uma dor tão intensa e angustiante que a impressão era de que cada um de seus poros vertia sangue. O ciúme e a mágoa reviravam seu estômago.

Eva carregava a certeza de que os sentimentos de Jonathan por ela eram sinceros e recíprocos com tanto afinco que havia sido incapaz de calcular a possibilidade de que ele poderia estar apenas se aproveitando dela. “Não pode ser... Não ele”. Ela se sentia nua e desamparada, sendo atingida pelas gotinhas de chuva que teimavam em escorrer por seus olhos já úmidos de lágrimas as quais precisava enxugar constantemente. E o pior. Seu casamento havia sido posto em cheque, tanto por ela quanto por Eric. Novamente se sentia em meio a uma ponte, sem ter para onde voltar.

Os piores momentos vinham quando a culpa a atingia e ela sentia o peso das vezes em que havia provocado o rapaz, flertando e se atirando para outros homens, sendo que o único que realmente desejava era ele. Queria provocá-lo para compartilhar com ele a sensação de liberdade a qual ele mesmo a fazia sentir. “Seus olhares eram minhas asas, e agora estou caindo”. E se ela tivesse, também, admitido o tamanho de seu sentimento por ele? Teria sido diferente?

— Eva. – Ela ouviu a voz chamar ao longe, mas decidiu ignorá-la. – Eva. Espere.

Ela acelerava seus passos, tentando fugir de Jonathan e também de si mesma. Queria apenas sumir. Queria apenas se trancar em seu quarto e chorar sobre sua cama. Sua cama aonde por tantas vezes os dois haviam se amado. Aonde pela primeira vez ela havia se sentido completa. Aonde por vezes as mãos calejadas de Jonathan exploraram e passearam pelas suas curvas assim como haviam feito nas curvas de Ana.

Enquanto ela corria, uma torrente incessante de memórias e lembranças inundava os seus pensamentos. Desde a primeira vez em que o havia visto. A maneira como ele, quando uma criança, se obrigara a engolir o choro para parecer forte e corajoso enquanto ela lavava seu ferimento e lhe preparava um curativo. A maneira assustada como o rapaz olhava entre suas pernas no momento em que ela havia caído através da porta. A vez em que ele veio até a sala enrolado em uma toalha de banho. A maneira como ele a olhava toda vez que ela lhe lançava um flerte despudorado e se esquivava. A primeira vez em que ela o havia permitido que a tocasse. A maneira como ele a havia acalmado e preparado um curativo em seu dedo de uma maneira tão cheia de esmero. Naquele dia, ele a havia presenteado com seu pingente azul. “É para combinar com seus olhos” ele havia dito.

Eva levou a mão ao pingente, sentindo seu formato entre os dedos. Imaginou, então, o rapaz a presentear Ana com um semelhante. Ela, que era tantos anos mais jovem. Ela, que tinha praticamente a mesma idade de Jonathan. Talvez ela não tomasse tanto tempo para dizer a ele o quanto o amava.

Em um rompante de raiva descontrolada, Eva deu um sacão, partindo a corrente de prata e, com um grito, a atirou no chão.

Ela acelerou ainda mais seus passos, enxergando, adiante, a fachada do prédio aonde vivia. Pisou nas lajotas da rua para atravessá-la e deu dois passos apressados adiante, ouvindo uma buzina ensurdecedora e o barulho característico da frenagem de pneus. Ela olhou na direção de onde o som parecia vir e mal teve tempo para pensar quando percebeu um par de luzes ofuscantes vencerem a distância até seu corpo.

— Eva. – Ouviu em um grito.

Um impacto projetou seu corpo em direção à calçada e ela sentiu uma dor aguda a pressionar suas costelas. O calor repentino se espalhou pelo seu corpo e, por um momento, ela abraçou o alívio que aquela sensação trazia.

Ela abriu seus olhos, devagar, ouvindo os sons da frenagem passarem em alta velocidade pelo local aonde estava. Sentiu seu coração bater descompassado, seguido, sempre, da batida descompassada de um outro coração.

Um par de braços a apertava de maneira firme e intensa. “Eu estou morta? Não... Não estou. Esses braços. Eu conheço esses braços”. Eva se afastou para olhar aquele que a havia salvo.

— Você está bem? – Perguntou a voz, surpreendendo-a.

Ela ergueu a cabeça, arregalando seus olhos azuis.

— Eric? – Perguntou, assustada.

— Troquei minha passagem, pensei em fazer uma surpresa.

Eva olhou na direção de onde Jonathan a seguia momentos antes. A figura entristecida se erguia a poucos metros. Ele tinha nas mãos a corrente de prata arrebentada e o pingente que pendia, brilhante à incidência das luzes. Eva o encarou enquanto Eric dizia algumas palavras para o motorista a tento de acalmá-lo. Jonathan a observou partir em direção ao prédio, dando, ele também, as costas e voltando pelo seu caminho. Eva suspirou, entristecida. Se sentiu, então, ser tomada por arrependimento.

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