A manhã seguinte chegou para Jonathan com o mundo girando ao seu redor e a luz que entrava através da fresta na persiana a lhe ofuscar quase à cegueira. A cabeça lhe doía, assim como o resto do corpo. O nariz vermelho e a voz fanha indicavam que um resfriado o havia acometido e ele se arrependia amargamente pelas doses cavalares de chopp que havia ingerido no dia anterior.
Ele se sentou na beirada da cama, demorando algum tempo para relembrar, tanto do que havia acontecido na noite anterior quanto de onde estava. Levou a mão ao celular para ver que horas eram, lamentando ter dormido tão pouco. A mensagem de Eva ainda estava aberta no celular quando ele o desbloqueou e aquilo fez com que os flashes de memória invadissem sua mente em uma torrente repentina e violenta.
Ele digitou uma mensagem, a tento de dar, à mulher, alguma satisfação de onde havia passado a noite, para que, ao menos, não pensasse que ele e Ana estivessem juntos. No status, aparecia que a última visualização de Eva havia sido pouco depois de ela lhe enviar a mensagem que o havia feito ter pesadelos durante a noite. “Espero que meus instintos não me enganem, pois, nessa noite, apostei todas as minhas fichas no que é melhor para mim”. Jonathan tentou engolir saliva em resposta ao embrulho ansioso que tomou seu estômago, mas a boca ressecada não o permitiu nem mesmo aquele leve conforto. “Isso quer dizer que ela e Eric se entenderam?”.
Em cima do criado mudo ao lado da cama, o delicado pingente azul o observava em julgamento. O cordão fino de prata, partido. Ele apagou o que havia digitado, achando melhor dar a Eva um pouco de espaço. Por mais que sua vontade fosse lhe contar tudo aquilo que sentia, como Melissa havia aconselhado, Jonathan pretendia fazê-lo com cuidado e paciência. Se impor demais, poderia significar o afastamento dela e, se ela e Eric tomassem a decisão de ajeitar as coisas entre si, não haveria sentido em se expor demais. Ao menos, não naquele momento.
Jonathan suspirou, sentindo o piso gelado sob seus pés. Decidiu se levantar e seguir até a porta. Ao abri-la, olhou ao redor e se perguntou se aquele corredor repleto de portas já havia lhe parecido tão longo na noite anterior. A casa de Thomas era grande. Exageradamente grande. Um saco de pano estava pendurado em sua maçaneta e ele levou a mão para verificar seu conteúdo. Suas roupas haviam sido lavadas e dobradas com esmero e cheiravam a amaciante caro. Ele buscou pela memória, ponderando qual daquelas portas levava ao banheiro mais próximo. O casarão parecia silencioso demais e aquilo o fez andar na ponta dos pés.
No banheiro, enquanto esvaziava sua bexiga, ele observou algumas das marcas das unhas que Eva havia deixado em seu corpo. Ao longo de mais de uma semana, algumas delas já haviam se tornado uma cicatriz rosada e ele se perguntava com quantas daquelas teria de conviver pelos próximos anos. A única que lhe doía, no entanto, não podia ser vista, nem tocada. Mas certamente seria lembrada. “Cada pessoa que passa pelas nossas vidas, deixa uma marca. Algumas dessas marcas são rasas e quase imperceptíveis, outras, chegam a ser tão profundas que, nem mesmo chegam a cicatrizar. No fim da sua vida, você vai olhar para trás e tentar se lembrar de que tipo de marcas você deixou nas pessoas pelas quais passou”. Jonathan se lembrou das palavras de sua mãe durante o longo período de luto pelo qual o rapaz havia passado após a morte do avô. Ele sabia que Eva, independentemente da escolha que viesse a fazer, lhe deixaria marcas muito mais profundas do que as que lhe marcavam a pele. Ele nunca a havia esquecido, desde o dia do aniversário de sua bisavó, tantos anos atrás. Sabia que nunca haveria de esquecer.
Ele se lavou, se trocou e voltou para o quarto, esperando pelo despertar de Thomas até se sentir entediado demais para continuar a esperar.
“Acorda” Enviou a mensagem para o amigo. Não recebendo resposta nos minutos seguintes, decidiu descer as escadas. Ao chegar na cozinha, deparou-se com uma senhora rechonchuda a posicionar os pratos, nos quais ele e Thomas haviam comido, na lava louças.
— Oi. – Jonathan cumprimentou. – Bom dia, senhora.
A mulher olhou e sorriu.
— Bom dia, querido. Você deve ser o Jonathan.
Jonathan se aproximou para cumprimentá-la.
— Sou eu mesmo. – Ele estendeu a mão. – A senhora deve ser a mãe de Thomas.
Mulher soltou uma risada simpática.
— Ah, não, não, querido. – Ela apertou a mão de Jonathan. – Eu sou a Consuelo, a governanta.
Jonathan se surpreendeu. Em seus maiores sonhos de riqueza, Jonathan nunca se havia imaginado tendo os serviços de uma governanta.
Ele se pegou pensando por um momento e acabou se lembrando de que Thomas havia comentado sobre possuir uma madrasta. Tentou apagar a gafe de sua memória e culpou a ressaca por ela.
— Thomas me enviou uma mensagem durante a madrugada, pedindo que lavasse e pusesse suas roupas a secar. – Ela deu uma risadinha. – Ele deve mesmo gostar de você, pois se ele mesmo o tivesse feito, suas roupas estariam cheirando a cachorro molhado agora.
Jonathan não esperava aquele tipo de gentileza vinda de Thomas, mas, agora que parava para pensar, ele não parecia mesmo ter muitos amigos próximos.
— Eu e ele estamos participando de um processo seletivo juntos.
A mulher anuiu, como se tivesse algo para falar, mas apenas se manteve muda por algum tempo, antes de levar a mão à cafeteira e oferecer-lhe café.
— Eu ainda não tive tempo de preparar a máquina de expresso, mas aceita um passado? – Ela pegou uma caneca de um dos armários.
— Ah, claro. – Jonathan estendeu a mão para pegar.
— Como hoje é sábado e os pais de Thomas não estão em casa, o cozinheiro foi dispensado. – Ela comentou, de maneira banal. – Mas se quiser, eu faço uns ovos mexidos para você.
— Uwaah! – A voz preguiçosa veio da porta da cozinha. – Não precisa, Consuelo. Pode deixar que eu mesmo preparo.
Thomas veio na direção da senhora enquanto se espreguiçava e a abraçou, recebendo dela um abraço e um beijo carinhoso de bom dia.
— Consuelo. – Thomas a chamou enquanto pegava alguns ovos na geladeira. – Eu e Erica estamos namorando. E esse cara aí é que foi o responsável por isso.
Jonathan ergueu a sobrancelha diante da novidade, enquanto Consuelo torceu a boca, preocupada. Thomas não o havia contado sobre aquilo, então, Jonathan ponderou o quanto ele o considerava, uma vez que havia se mantido em silêncio enquanto Jonathan contava sua história. Conhecendo o amigo, ele deveria estar se remoendo para por aquilo para fora.
— Sabe como seu pai vai reagir a isso, não sabe? – O tom em que os dois conversavam era quase maternal.
Thomas deu de ombros, pegando uma generosa porção de bacon, já picado e porcionado e jogando-a em uma frigideira que aquecia sobre o fogo, fazendo-a chiar. Consuelo foi até o rapaz e ligou o depurador sobre o fogão, repreendendo-o.
— Ele nunca aprova nada do que eu faço mesmo. – Ele bateu os ovos em uma tigela, acrescentando sal, orégano e algum tipo de queijo que Jonathan não conseguiu identificar. – Desde que minha mãe morreu, ele virou um velho amargo.
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