O pecado original romance Capítulo 82

— Droga. – Amaldiçoou Erica. – Sinto muito pelo idiota do meu primo.

Thomas parecia transtornado.

— Seu primo tem cara de louco. – Constatou. – Parecia ter usado alguma coisa.

— Ele estava cheirado, só pode. – Erica baixou a cabeça, claramente envergonhada. — Aprendeu a usar essas coisas na estrada. Certeza. Ele não costumava ser assim. Ah, oi Jonathan.

— Oi, Erica. – Ele a cumprimentou. – Como vai? Soube que vocês estão namorando.

Ela deitou a cabeça no ombro de Thomas e olhou para trás.

— Ele te contou?

Jonathan sorriu e anuiu.

— Fico feliz por vocês. – Ele torceu a boca, sem jeito. – Desculpa estragar o seu sábado. Se preferirem, posso ficar em outro lugar. Posso mandar mensagem para uma amiga minha. Tenho certeza de que ela me conseguiria um cantinho num quarto.

— A tal da Melissa? – Thomas perguntou, puxando pela memória o nome da mulher da qual Jonathan havia falado.

— Ela mesma. Não quero ser um incômodo.

— Besteira. – Erica cortou. – Vou ficar feliz de conhecer você melhor. Se não fosse por você, provavelmente nem estaríamos namorando agora. Quando nos casarmos, você pode ser nosso padrinho.

— Casar? – Thomas olhou para o lado, assustado.

Erica o encarou, como se o estivesse analisando. Thomas se sentiu em um território delicado. Não negava, em nenhum momento, que possuía sentimentos pela garota, mas, não sentia urgência em passar daquele estágio o qual haviam acabado de alcançar de maneira tão afobada.

— É, ué. – Ela deu de ombros. – Talvez não agora, mas, um dia, a gente vai se casar, não é? Quer dizer. Qual o motivo de namorar se não pretende se casar um dia?

Thomas voltou a olhar a estrada, sentindo o coração disparar.

A conversa se prolongou por boa parte do caminho. O assunto girou em torno de relacionamentos e amores mal resolvidos e, quando Thomas deu a entender que Jonathan era apaixonado por uma mulher casada, Erica levou a mão à boca, estupefata.

— Sério, Jonathan?

O rapaz ergueu a sobrancelha em reprimenda quando conseguiu captar o olhar de Thomas e, então, concordou.

— O coração quer o que ele quer, não é? – Jonathan respondeu.

— Mas é tão errado. – Ela criticou. – E arriscado. Digo. E se ela decidir continuar com o marido dela? Como vai ser? Você quer ser um amante pelo resto da vida?

Diante da resposta em forma de silêncio, Thomas olhou para Jonathan pelo espelho e percebeu que ele parecia realmente ponderar sobre aquilo.

Quando Jonathan ia abrindo a boca para responder, Thomas viu a cabeça do amigo ser lançada contra o vidro da janela antes de se dar conta do impacto que o carro havia sofrido.

O mundo inteiro pareceu sofrer o impacto enquanto o barulho horrendo de metal se retorcendo se tornava quase ensurdecedor. Thomas queria conseguir controlar o veículo que se recusava a se manter estável e teimava em ser arrastado contra a amurada na beira da estrada. Ele queria checar se Erica estava bem, mas, se via impedido de fazer tal coisa. Os gritos agudos ao seu ouvido, ao menos, lhe diziam que estava viva. Jonathan, por outro lado, permanecia em silêncio desde o momento em que havia batido a cabeça.

A amurada chegou ao seu fim, o que permitiu que o carro fosse atirado para fora da estrada. Thomas sentiu como se estivesse voando por um momento, quando o carro desceu o barranco à toda velocidade. Quando sentiu novamente a gravidade fazer efeito, o airbag do volante golpeou sua face com a força de um soco, pressionando sua cabeça contra o encosto no banco. O mundo girou, pelo menos três vezes antes de o veículo parar de capotar, ficando de ponta cabeça.

— Erica. – Chamou Thomas. – Você está bem?

A garota gemeu, indicando que estava viva.

— Jonathan. – Ele chamou, sem resposta. – Jonathan.

Thomas conseguiu desafivelar o cinto de segurança, batendo com as costas contra o teto do veículo. Com algum trabalho, ele conseguiu levar a mão até a maçaneta e abrir a porta, atirando-se para fora.

— Merda. – Ele amaldiçoou. – O que aconteceu?

Ele olhou ao seu redor. Estava em um local abaixo do nível da estrada. Havia vegetação e pedregulhos por todos os lados e, ao olhar para cima ele conseguiu ver um caminhão parado no acostamento, pouco adiante.

Uma voz se erguia sobre o barulho dos veículos.

— Você é retardado, seu filho de uma puta? – O dono da voz parecia furioso. — Se a minha filha tiver se machucado por sua causa, eu arranco a sua cabeça. Retardado.

— Você queria que eles parassem o carro. – A voz era familiar. – Agora o carro está parado.

— Eu só quero pegar o moleque do Lincoln, seu burro. – O som seco, característico de um murro, seguiu a frase.

— Ai, porra. – A voz de Guto se tornou fanha. – Acho que quebrou meu nariz.

— Vamos descer lá, agora. Deus do céu, Guto. Se alguma coisa aconteceu com a Érica, eu arranco o seu pau, enfio na sua boca e costuro ela antes de te amarrar e te dar para os porcos te comerem vivo, desgraçado.

— Foi mal, tio George, foi mal.

— Mal pra caralho. Agora desce lá, desgraça.

Thomas seguiu até a porta de Jonathan, que se sentava logo atrás do seu banco.

— Jonathan? – Ele abriu a porta, se assustando com o sangue que manchava o tecido do airbag traseiro. – Jonathan. Acorda, cara. A gente tem que sair daqui.

— Hmm. – Jonathan cerrou os dentes, como se sentisse dor. – Meu braço. Acho que quebrei meu braço.

Ele levou a mão até a fivela do cinto de segurança e apertou o botão, caindo contra o teto.

— Vai ali ver a Erica. – Disse Jonathan. – Eu estou bem.

Thomas percebia que um novo ferimento na testa sangrava bastante e o corte, quase cicatrizado do supercílio havia se aberto novamente.

Ele deu a volta no carro, abrindo a porta. Erica não aparentava nenhum ferimento, mas estava desacordada. Ele passou algum trabalho para desprendê-la do cinto e proteger seu pescoço da queda, então, a puxou para fora.

Ele deitou a cabeça dela sobre seu colo e tentou reanimá-la.

— Erica. – Chamou, ignorando as vozes que se aproximavam. – Acorda. A gente precisa sair daqui.

Erica ainda respirava, o que o havia feito se tranquilizar. Ele a apertou contra si, se sentindo agradecido por estarem os três vivos.

Thomas sentiu uma dor aguda sobre a testa e se deixou cair para trás. Seu corpo foi arrastado e atirado contra uma árvore e ele sentiu algo duro acertá-lo na barriga.

Guto segurava uma espingarda calibre doze na mão e golpeou sua barriga novamente com a coronha, enquanto um homem barbudo pressionava seu pescoço contra o tronco da árvore. Thomas sentiu o ar deixar seus pulmões, por pouco, não expelindo o que havia comido naquele dia.

— Então o filho da puta do Lincoln Gama não se contentou em me tirar a minha vagabunda? – O homem parecia furioso. – Agora mandou um pivete para tirar minha filha de mim, também?

O homem golpeou o rosto de Thomas com a coronha de um revolver calibre trinta e oito, arrebentando-lhe o supercílio. Thomas sentiu o sangue correr livre pelo seu rosto e pouco podia fazer além de gemer, incapacitado.

— Não parece tão machão agora, não é, playboy? – Guto esfregou o nariz, fungando de maneira sonora, não parecendo ligar para o ferimento evidente que vertia algumas gotas de sangue. Parecia ainda mais ensandecido do que antes. – Posso matar, esse playboyzinho de merda, tio?

— Cala a boca, seu retardado. – George vociferou. – Do que que essa merda vai me servir morto? Não, não. Eu quero é arrancar tudo que o Gama tem. E cada vez que ele negar um resgate, quero arrancar um dedo dessa merdinha aqui.

George apontou a arma para a cabeça de Thomas, que fechou os olhos, completamente amedrontado. Quando os abriu de volta, conseguiu, no entanto, captar um certo movimento com a visão periférica. Jonathan havia se levantado de maneira silenciosa e se havia esgueirado por trás de uma rocha.

Com o intuito de conseguir alguma distração para que o amigo pudesse escapar e sem tempo o suficiente para planejamentos, Thomas resolvera tomar uma atitude impulsiva. Pigarreou rapidamente e despejou, com uma cusparada, uma bola viscosa de catarro que foi se chocar diretamente entre os olhos do homem que o imobilizava.

— Filho da puta. – George gritou, golpeando-o mais três vezes com a coronha do revolver, sem se importar a limpar o muco que lhe escorria por sobre o nariz.

— Mata esse merda, tio. – A figura raquítica do primo de Erica incitou com olhos repletos de ódio.

— Eu já não te mandei calar a boca, seu merda? – George vociferou para o sobrinho. – Se eu ouvir a sua voz mais uma vez só, eu vou arrancar a sua língua. Desgraça.

Thomas sentia um dente se mover, solto, dentro de sua boca, mas, se sentia aliviado por ter dado a Jonathan algum tempo para que fugisse.

Ele praguejou, silenciosamente, no entanto, quando viu a silhueta alta de Jonathan se erguer por de trás de um arbusto um tanto mais próximo. Pôde perceber que ele segurava alguma coisa em sua mão direita. A coisa tinha um formato irregular e tinha o tamanho aproximado de um punho. Pôde, depois de algum tempo, identificar se tratar de uma pedra. Praguejou ainda mais intensamente por ter envolvido o amigo naquela situação.

Com um movimento rápido do braço direito, Jonathan atirou a pedra que descreveu uma parábola baixa e cortou o ar com tanta velocidade que, por um momento, pareceu assobiar. A pedra se chocou contra a têmpora de Guto com um baque seco, fazendo-o despencar, amolecido, ao chão. A boca pendeu aberta em uma expressão patética. George virou o rosto, assustado, sem entender. A figura de Jonathan avançou contra o homem, ostentando, novamente, seu semblante ameaçador. Seu braço esquerdo parecia quebrado, mas ele não demonstrava se importar.

George ergueu o revolver e, antes que Jonathan se chocasse contra ele, disparou. O homem e o rapaz rolaram no chão por alguns metros. Havia sangue sobre a terra e Jonathan gemeu e gorgolejou de maneira agonizante.

George se ergueu e buscou seu revolver adiante, avançando, de volta contra a figura caída de Jonathan.

— Eu não sei quem é você, seu filho da puta. – O homem falou entre os dentes. – Mas hoje eu vou te mandar para o colo do satanás.

Thomas se atirou para a frente, alcançando a espingarda que se encontrava mais adiante ao lado do corpo estatelado de Guto.

George apontou o revolver em direção à cabeça de Jonathan e puxou o cão para trás. Thomas o viu mirar entre os olhos do amigo e apontou a espingarda de maneira desajeitada, puxando o gatilho sem fazer mira.

“BAM”

O coice da arma quase a arrancou de suas mãos. Mas um grito de dor de George o indicou que não havia errado.

Ele largou a espingarda e correu adiante, se atirando contra a figura de George que havia perdido o equilíbrio. Os corpos se chocaram, rolando sobre o cascalho do chão. O revolver quicou para longe enquanto os dois se engalfinhavam.

Como era muito mais forte, George levava vantagem, mantendo-se por cima e socando seu rosto com força. Thomas sentia sua nuca bater contra o chão e as pedrinhas penetrarem em sua pele. Quando já não tinha mais forças para se defender ou reagir, George saiu de cima dele e, não encontrando o revolver por perto, pegou o maior pedregulho que encontrou, posicionou-se, então, sobre Thomas, que sentia seu corpo inteiro doer e reclamar e ergueu a pedra sobre a cabeça.

— Então eu vou mandar você e o seu namoradinho para o inferno juntos. – Ele ameaçou.

Um estampido alto ressoou por todos os pedregulhos que havia por ali, como se vários disparos tivessem acontecido. George arregalou os olhos, assustado e tentou gritar, mas apenas um gorgolejo mudo deixou sua garganta. Ele cambaleou dois passos, à procura de quem havia atirado.

Thomas olhou para a mesma direção, estupefato. Erica estava ajoelhada, sentada sobre os próprios pés e segurava o revolver de seu pai enquanto o cano fumegava. Ela gritava em prantos doloridos.

Um gorgolejar nauseabundo veio da direção de Jonathan, tirando Thomas de seu estupor. Ele se esforçou para se levantar e ir até ele.

Seus olhos estavam vidrados no céu acima. Ele segurava, entre os dedos, um pingente azul em um cordão partido de prata. Seu peito sangrava e ele tentava dizer algo, sem forças para expulsar o ar de seu pulmão perfurado.

Thomas aproximou o ouvido de sua boca, pressionando o ferimento para tentar conter o sangramento. As lágrimas vertiam de seus olhos, descontroladas. Ele se sentia completamente impotente por, além de não saber o que fazer, ter envolvido o amigo em tudo aquilo.

— Não, não, não, não. – Ele repetiu, como um mantra. – Não faz isso comigo, cara.

— E...va. – A voz saía baixinha, à base de muito esforço. – Eva.

Uma sirene se fez ouvir lá do alto, na estrada, de onde um amontoado de pessoas olhavam, boquiabertas. Alguns desciam, cautelosos. A ajuda estava chegando.

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