O pecado original romance Capítulo 85

O manto escuro da noite já havia coberto o mundo lá fora quando a dra. Mariana ia passando pelo corredor.

Ao perceber que ela não trazia novidades e, sequer pretendia parar para falar, o senhor Ricardo se levantou e foi até ela.

— Doutora. – Ele a chamou de maneira mais ríspida do que pretendia.

Ela o encarou com o olhar cansado, esperando que ele iniciasse o assunto.

— Tem alguma notícia do meu filho?

A esposa se juntou a ele, tentando compensar, com um semblante tristonho e uma voz mansa, a maneira abrupta com a qual o marido havia se dirigido à médica.

A cirurgiã fechou os olhos, pressionando-os com o polegar e o indicador, como se tentasse espantar o cansaço. Havia, sem sombra de dúvidas, trabalhado por horas à fio, salvando os pacientes que chegavam a ela na ala de emergência.

— Como eu lhes disse antes. – Ela começou, levando a mão ao antebraço de Ricardo, que estava cruzado sobre o peito. – Nós fizemos tudo o que podíamos fazer. Agora tudo vai depender de como o corpo do Jonathan vai responder. Ele está respirando com o auxílio de aparelhos e nós introduzimos um dreno em seu pulmão para evitar o acúmulo de líquidos. Seu filho está sob observação constante, senhor Valente.

— Não podemos vê-lo? – Helena perguntou, aflita.

— Infelizmente, não. – Ela respondeu. – O risco de contaminação, nesse momento, é muito alto. O que eu indico para vocês é que vão para casa, descansem e, se vocês tiverem fé, rezem. Rezem bastante.

O pai de Jonathan apertou os lábios.

— Qual o tamanho do risco que nosso filho corre, doutora? – Ele claramente temia a resposta.

A médica suspirou sonoramente, como se estivesse, até então, torcendo para que aquela pergunta não fosse feita.

— Eu não vou enganar vocês. – Ela esperou, tentando encontrar boas palavras para descrever algo muito ruim. – O caso de Jonathan é bem grave. Além de um pulmão perfurado, ele sofreu um traumatismo craniano, teve uma fratura na ulna, no rádio e em quatro costelas e, pior do que todo o resto, ficou sem respirar por muito tempo. O que pode, ou não, deixá-lo com sequelas severas. Nós tivemos de reanimá-lo, pelo menos, três vezes durante a cirurgia. Seu filho está se prendendo à vida com muita força, senhor Valente. Enquanto ele não desistir de si mesmo, nós não desistiremos também. Mas, apesar de o pior já ter ficado para trás, ele ainda corre risco de vida.

Eva, que ouvia a conversa de longe, sentiu seu estômago se revirar de ansiedade.

— Vão para casa e descansem. – A cirurgiã reiterou. – Não há nada que possam fazer aqui. Eu tenho seu contato. A qualquer novidade, eu ligo para vocês, pessoalmente. Amanhã já devemos ter mais notícias.

O senhor Ricardo anuiu, aconchegando a esposa em seus braços.

*

Melissa havia se despedido dela, já no hospital, prometendo entrar em contato caso o residente recebesse alguma novidade. Quando chegaram no apartamento, Eva amaldiçoou por ter se esquecido de trancar a porta, tamanha a pressa com a qual havia saído de casa. Ao abrir a porta, sentiu o vento fresco soprar, percebendo as janelas também abertas.

Eva precisou limpar a enorme mancha agourenta de café do chão da cozinha. Os cacos de porcelana jaziam espalhados por todo o local.

Após instalar os gêmeos no menor quarto da casa, Eva seguiu até o quarto em que Jonathan havia se instalado para preparar o lugar para os seus pais.

Ao abrir o guarda-roupas para ajeitar as coisas de Jonathan lá dentro, Eva deixou cair uma peça de roupa. Ela se virou para pegá-la e se deparou com a cueca boxer branca que Jonathan usava quando ela o havia flagrado enquanto ele dormia no sofá. Apesar de tão pouco tempo ter se passado, para Eva, era como se os dois já houvessem vivido juntos há uma eternidade.

Ela revisitou cada uma de suas memórias enquanto permanecia estática, presa nos recônditos de seus pensamentos. Cada risada, cada flerte, cada beijo lascivo e banhado no desespero de estar junto. Cada pedacinho da escultura que era o corpo dele a atraía com uma força inexorável.

— Se for um incômodo ficarmos aqui, podemos alugar um quarto no hotel. – Helena comentou, da porta, tirando Eva de seu devaneio.

— É claro que não. Incômodo algum. – Eva havia percebido tarde demais que ainda encarava a peça de tecido. – Vou terminar de acomodá-los e, depois, vou pegar toalhas na lavanderia quando terminar aqui. Se estiverem sentindo metade do cansaço que eu estou, devem estar exaustos. Um banho morno pode ajudar a relaxar.

Helena a observava com olhos experientes, partindo do tecido em sua mão para o rosto de Eva e, então, refazia o caminho.

Os olhos verdes a fitavam, como se a estudassem profundamente, analisando cada detalhe de si, desde seus movimentos até sua alma.

— Sabe que, agora que está com o rosto menos inchado de chorar, posso ver que realmente se parece com um anjo? – Ela sorriu um sorriso melancólico.

Eva deixou a cabeça pender, repleta de curiosidade diante do comentário repentino.

— Por que diz isso?

Helena levou a mão à peça que estava na mão de Eva e trouxe para si, sentando-se na cama e pondo-se a dobrá-la. Deixou, então, um sorriso saudoso tomar seu rosto.

— Eu levei meses para descobrir quem era o tal anjo de quem ele tanto falava. “Um anjo, mamãe. Veio e fez um curativo no meu joelho ”— Ela imitou a voz do filho, inflando as bochechas para parecer rechonchuda.

Eva sorriu, corando.

— Ele contou para a senhora naquela época? – Os olhos de Eva brilhavam enquanto sorria, tentando imaginar.

Helena levou a mão ao ombro de Eva e o acariciou.

— Meu filho me conta tudo, querida, além de ser um péssimo mentiroso. Eu sou capaz de lê-lo até mesmo através do telefone. – Ela aproximou seu rosto do de Eva e depositou um beijo em sua bochecha. – Me tranquiliza muito saber que se importa tanto com ele.

Ela se levantou, deixando a cueca dobrada sobre o colo de Eva e indo até a porta. De lá, parou, olhou para trás e deu uma piscadela, deixando Eva com seus pensamentos.

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