O pecado original romance Capítulo 87

— Nós começamos a reduzir o sedativo durante a noite. Ele tem estado em observação desde então. Como eu já havia dito, nós o estávamos mantendo em coma induzido por conta do desconforto que gera o aparelho de respiração artificial e o dreno. – Disse a cirurgiã ao senhor Ricardo enquanto Eva escutava, de longe. – Hoje, como sua taxa de cicatrização estava sendo relativamente eficiente, decidimos rodar alguns testes. Mas o Jonathan, por algum motivo, não tem respondido aos estímulos externos. Temos tentado trazê-lo à consciência de todas as maneiras possíveis, mas ele não acorda.

Cinco dias já se haviam passado enquanto a família Valente permanecia no apartamento, à espera de notícias. O sol já havia se erguido a algum tempo e o clima de apreensão era quase palpável. Melissa havia acordado Eva para avisá-la das notícias que havia recebido naquela madrugada e, quando Eva se levantou para preparar o café, a família de Jonathan já estava se preparando para sair de casa em direção ao hospital. Eric havia decidido viajar durante a mesma noite em que Jonathan havia passado pela cirurgia, mesmo ante os protestos de Eva e de seus tios, clamando que já havia ficado por tempo demais e que a empresa precisava de seus serviços, mas ela sabia que ele estava apenas querendo evitar conversar sobre os dois na presença de sua família.

— E o que isso significa, doutora? – Helena perguntou.

A doutora Mariana levou a mão ao ombro de Helena, encarando-a, gentilmente, como se estivesse pensando em como dizer aquilo da maneira menos abrupta possível.

— Ele passou por um trauma que normalmente mataria uma pessoa. O corpo dele está usando de toda a energia que tem para se regenerar. Precisamos considerar a possibilidade de Jonathan permanecer em coma. – A voz saiu pesada, como se cada má notícia que desse a um ente próximo a um paciente partisse um pouco mais do seu coração. – Vamos realizar mais alguns testes. O neurologista vem durante a tarde para fazer isso e, assim que tivermos uma posição mais concreta, eu os aviso.

— Coma? – Eva se exaltou, atraindo a atenção dos pais e dos irmãos de Jonathan, que flagraram uma Eva trêmula e boquiaberta, sem forças para disfarçar. – Me desculpem.

Sentindo o pranto a lhe subir pela garganta de maneira inexorável, correu, soluçando até o banheiro, trancou-se no cubículo mais próximo à porta, sentou-se sobre o vaso e se pôs a chorar, desconsolada.

— Não, por favor, não. – Implorou a si mesma e ao universo. – Isso é tudo culpa minha. Por que?

O ar dos pulmões era expulso após cada suspiro trêmulo. Quando tudo parecia estar tomando rumo, um destino tão incerto havia se abatido como uma nuvem negra acima da ponte estreita sobre a qual Eva se encontrava. Havia, agora, apenas um caminho para onde seguir, mas o destino adiante, era tomado por uma névoa densa e assustadora.

Eva ignorou quando a porta que dava para o corredor se abriu e se fechou, indicando que uma pessoa havia entrado. Continuou a chorar em uma tentativa de aliviar toda a pressão que sentia em seu peito.

— Por que? Por que? Droga. – Choramingou, ignorando a coriza que lhe descia pelo nariz. – Estávamos tão perto.

O ar lhe ameaçou faltar e Eva se obrigou a controlar o pranto, que se recusava a cessar. Ela amontoou um chumaço de lenços de papel na mão e os usou para assoar o nariz, percebendo, pela primeira vez, o par de calcanhares que apareciam sob a porta, calçados em um par de sapatilhas azuis. A pessoa que estivesse ali, devia estar recostada à folha de madeira e também chorava baixinho.

Eva se recompôs como pôde e passou a caixa de lenços por baixo da porta, chamando a atenção de quem quer que estivesse ali com duas batidinhas no tornozelo.

— Lenço? – Perguntou, baixinho.

Uma mão foi em direção à caixa e puxou duas folhas, assoando, também, logo depois.

— A senhora deve estar me julgando, desde que soube, não deve? – Ela perguntou, sabendo se tratar de Helena a pessoa que ali permanecia.

A mulher suspirou.

— Eva. – A mulher começou, em um tom maternal. – O amor encontra maneiras estranhas e loucas de se manifestar, querida. Eu confesso que estive preocupada com o que poderia vir a acontecer quando percebi a entonação com a qual Jonathan se referia a você. Pensei em Eric. No que o resto da família podia dizer. No que o Ricardo iria pensar.

Eva ergueu a cabeça, tentando imaginar a tal entonação à qual a mulher se referia.

— Só que, desde que cheguei e a vi no corredor à espera de notícias, percebi em seus olhos que, o que quer que meu Jonathan sentisse por você, era completamente recíproco. – Ela fungou de maneira discreta. – E uma mãe aprende a amar o amor que as pessoas sentem pelos seus filhos. Então, eu te amei por amá-lo logo que pus os olhos em você.

— Eu e Eric já conversamos. – Eva admitiu, com um tom infantil e magoado como se devesse uma satisfação.

— Eu imaginei que sim. – Eva se surpreendeu. – E eu jamais te culparia por se apaixonar pelo Jonathan. Afinal, fui eu quem o fiz. E eu pus o máximo do meu esforço nele.

— Mas a culpa é minha por ele estar correndo risco de vida agora. – Eva sentiu os olhos se encherem de lágrimas novamente.

Um breve silêncio se abateu sobre o banheiro feminino, dando a Eva a impressão de que Helena a estava julgando.

— Eu não sei exatamente do que está falando, querida... – Eva enxugou as lágrimas com as costas da mão. — ..., mas de onde eu vejo, você é um dos motivos pelos quais ele tem se agarrado à vida com tanto afinco.

Tomada de culpa, Eva ainda não havia visto as coisas por aquele ângulo.

— Mas ele está em coma agora. – O nariz de Eva estava escorrendo novamente por conta das lágrimas que tentava segurar. – E se ele...

— Não pense nisso. – Ela foi ríspida. – Você concordou em ficar com ele enquanto não estivermos por aqui. – Ela voltou a amainar a voz — O Jonathan está mergulhado em escuridão agora. Seja o farol que vai guiá-lo de volta para nós.

— Mas...

— O Jonathan é um homem forte e persistente. Confie nele. – Ela se afastou da porta.

Eva se levantou do vaso aonde estava sentada e girou o trinco para abrir a porta. Helena se olhava no espelho, enxugando as lágrimas remanescentes.

— Eu te proíbo de perder um pingo de esperança sequer. – Ela sorriu. Eva se obrigou a sorrir de volta.

As duas deixaram o banheiro feminino para trás, sob o olhar desconfiado de Ricardo, que conversava com um homem sisudo e um rapaz mais novo.

O homem vestia um terno e tinha um porte orgulhoso. A barriga, levemente proeminente não lhe tirava nada do charme pessoal. Os cabelos grisalhos, penteados com espero, eram lisos e sedosos e ele segurava no ombro de Ricardo, meneando a cabeça.

O rapaz, por sua vez, era quase uma cópia do homem, porém, parecia inquieto e ansioso. Seu braço estava sendo segurado por uma tipoia e ele tinha o rosto marcado por alguns ferimentos e hematomas. Eva precisou se esforçar para reconhecê-lo como Thomas, o amigo de Jonathan que lhe havia entregue o cordão e o pingente no portão de emergência. O homem, no entanto, lhe chamou a atenção instantaneamente pela familiaridade. Forçou a memória para lembrar e se sobressaltou quando recordou.

— Quem são aqueles? – Helena perguntou, franzindo os olhos para tentar identificar.

— O mais novo é Thomas. O amigo de Jonathan. – Ela forçou os olhos como se quisesse ter certeza antes de afirmar. – E aquele é Lincoln Gama.

— Quem? – Eva se surpreendeu pelo fato de o nome não lhe ser conhecido.

— Ele é o fundador e presidente da Gama & Gama. – Eva afirmou, como se fosse óbvio. – A empresa para a qual Jonathan está passando pelo processo seletivo. – Ela arregalou os olhos, como se tivesse feito uma grande descoberta. — Então o tal Thomas de quem Jonathan me falava é ninguém menos do que Thomas Gama. Herdeiro do maior império têxtil de toda a região.

Comentários

Os comentários dos leitores sobre o romance: O pecado original