— Como pode pôr o seu orgulho acima da saúde de nosso filho, Ricardo? – Eva ouviu Helena inquirir, do quarto de hóspedes, enquanto permanecia na cozinha, preparando uma garrafa de café. – Você já parou para pensar na fortuna que pode nos custar uma internação em um bom hospital? Não podemos pagar por isso agora.
Nenhuma palavra havia sido dita durante o percurso entre o hospital e o apartamento, o que havia tornado tenso o trajeto dentro da Ford Ranger surrada que o senhor Ricardo usava para os afazeres da fazenda.
— Isso não tem nada a ver com orgulho. – Ele rebateu. – Me surpreende achar que sou assim, tão egoísta.
Um dos gêmeos, veio vindo pela porta do corredor, lançando a Eva um olhar significativo de quem não se sentia confortável com a discussão dos pais.
— Pode me dizer aonde posso encontrar uma padaria aqui por perto? Vou até lá comprar alguma coisa para comer.
Eva pegou o celular de cima da bancada. Depois de receber a notícia de que Jonathan havia respondido bem à cirurgia, havia se permitido atenuar, mesmo que um pouco, a angústia que parecia lhe querer fazer o peito explodir.
— Não se preocupe. – Ela arrastou o dedo na tela. – A que temos aqui perto faz serviço de entrega.
A semelhança entre os gêmeos e Jonathan era meramente superficial. Seus trejeitos e personalidade eram completamente diferentes. Sendo Jonathan um rapaz um tanto sereno e sincero, não faltava nos irmãos uma dose de cinismo e malícia.
— É uma opção interessante, mas, qualquer outro lugar aonde eu possa estar, nesse momento, é melhor do que esse. – Ele olhou com o rabo do olho na direção de onde vinham as vozes dos pais.
Eva sorriu, lamentando por ele e por tudo o que acontecia.
— Fica no fim da quadra, para o oeste, em frente ao posto de combustível.
— Tem alguma que fique mais longe?
Eva deu de ombros.
— Bom, tem o Galeria Café, que fica a duas quadras para o outro lado.
O jovem piscou para ela, agradecendo.
— Miguel, traga a Ester, vamos dar uma volta. – Eva escutou a garotinha festejar com um grito de onde vinha vindo, junto do irmão.
A menina veio saltitante enquanto era segurada pela mão. Eles se despediram e deixaram Eva sozinha, enquanto a discussão continuava no quarto de hóspedes.
— ...por que negociar com aquele homem é como fazer um pacto com o diabo, Helena. – Ricardo vociferou, pausando por um momento para se acalmar. – Além do mais, a doutora deu a entender que Jonathan já não corre riscos iminentes e tem se recuperado bem, à medida do possível. Não é como se um de nós não fosse estar aqui quase todos os dias. Mesmo que não possamos ficar ao lado dele o tempo todo, a doutora nos enviará notícias sempre que as tiver.
— Ricardo, o meu filho ainda está na UTI. Cinco dias atrás ele tomou um tiro no peito e está em coma, lutando pela vida... – Ela ia aumentando o tom de voz à medida que a frase ia se desenrolando.
— Ele é um Valente, Helena. Esquece que ele é meu filho também? – Ele pareceu ressentido, aumentando, também, o tom de voz.
— Então haja de acordo, merda. – Ela gritou.
O pai de Jonathan ficou em silêncio por algum tempo, enquanto a tensão em toda a casa parecia pressionar as paredes.
— E o que quer que eu faça, mulher?
— Quero que faça um pacto com o diabo se for preciso, Ricardo. – Ela parecia furiosa. – Mas quando o Jonathan acordar, quero que ele não esteja sozinho num quarto de hospital.
A porta do quarto de visitas se abriu e foi fechada com força. Helena veio do corredor a passos rápidos e ia passando direto para a porta de saída, quando virou o rosto para Eva.
— Desculpe por isso, querida. – Ela seguiu seu caminho, saindo no hall e fechando a porta atrás de si.
Pelo menos cinco minutos se haviam passado antes que o senhor Ricardo deixasse o quarto e viesse à cozinha.
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