Trinta e três semanas. Eu não conseguia sequer acreditar.
Omar parecia cada dia mais ativo, chutando-me em inúmeros horários, demonstrando seu contentamento ou descontentamento dependendo do que eu fazia. Era engraçado porque me via em vários momentos do dia rindo ou franzindo o cenho confusa ao descobrir mais uma novidade do meu filho.
A primeira e mais inusitada era o quanto Omar conseguia reconhecer a presença de Karim antes mesmo que eu conseguisse.
Ele vire e mexa se escondia e tentava me fazer surpresas aparecendo em horários que eu não esperava, mas nunca conseguia ser bem sucedido depois das vinte e oito semanas de gravidez. Omar o delatava antes mesmo que ele ousasse revelar sua presença. Era engraçado, porque eu percebia que ele estava vindo pelo rebuliço que ele causava na minha barriga, como se estivesse afoitamente feliz pelo pai aparecer.
E eu não conseguia deixar de sorrir por isso.
Contudo, se Omar não gostava de alguma coisa, como por exemplo eu percebia diante da presença de Zara, uma moça que sempre me chamava para as refeições e Zafaar, um dos guardas responsáveis pelo meu cuidado sempre que eu decidia pegar um ar no jardim do castelo, como eu estava fazendo naquele momento. Sempre que ele estava na presença deles, eu sentia como se Omar estivesse querendo nascer por conta própria, chutando, forçando, ou seja, lá o que ele fazia, a base do meu útero. E era uma dor horrível.
― Você pode por favor se afastar um pouco? ― Perguntei para Zafaar que estava quase que grudado a mim que descansava numa cadeira de balanço próximo ao jardim de rosas cultivado com esmero.
Zafaar era um pobre e jovem garoto que tinha sido destacado do exército omanense para servir a família real. Era uma honra que só os melhores soldados recebiam e ele era muito bom com tiros ao alvo, ao que tinham me contado. Assim, caso alguém aparecesse para me dar um tiro ou qualquer coisa parecida, ele automaticamente conseguiria revidar.
― Minhas ordens são para não deixar você sozinha. ― Eu não queria dizer sozinha, mas também não estava a fim de explicá-lo o quanto eu ficava desconfortável com sua presença. Principalmente com as incansáveis tentativas de nascimento precoce de Omar.
Respirei fundo tentando ver se isso poderia acalmar Omar.
O sol estava se pondo. As estrelas já começavam a disputar espaço com os raios alaranjados do cair da tarde e o sol já quase não se fazia presente. O calor ainda era suportável, mas tão logo ele também aumentaria.
― Zafaar… ― Falei e o garoto me olhou de soslaio.
Ele devia ter uns dezenove anos. Uma idade similar a minha, mas talvez por ser mãe, eu me sentia como se tivesse envelhecido alguns bons anos. O suficiente para sentir uma onda de compaixão inexplicável pelo garoto que me despertava sensações estranhas. Talvez estivesse sendo inspirada por Deus, talvez porque tivesse me lembrado de Maria, a mãe do Profeta Jesus e um grande símbolo de mãe. Não sabia explicar porque mesmo diante de tantos sentimentos antagônicos, algumas coisas simplesmente queriam sair do meu coração e tocar o rapaz.
Ele tinha os cabelos e olhos bem escuros e a pele era bem morena como se cotidianamente fosse banhada pelos raios de sol. Era um garoto bonito, ainda que parecesse um pouco sofrido com a marca de faca que havia na bochecha. Não sabia muito bem a história, mas tinham me falado que fora o seu pai. Aparentemente, ele acreditava de uma maneira triste que aquele não era o seu filho. E, por isso, havia tentado o matar.
Algumas pessoas, infelizmente, não deveriam ser consideradas famílias. E, talvez por isso, eu comecei a falar.
― Você conhece a minha história, Zafaar? ― Ele não me respondeu. Duvidava que fosse. Não era um costume da região que homens e mulheres se falassem tão tranquilamente, mas talvez a inspiração divina, os hormônios e tudo misturado estivessem contribuindo para que eu continuasse falando.
― Minha mãe foi abandonada pelo meu pai, sabe? ― Comecei. Olhando de soslaio, percebi que isso chamou a atenção dele que logo fingiu que não o interessava desviando o olhar. Mas continuei mesmo assim: ― Ele não deu nenhuma explicação, mas logo sumiu. Antes de eu vir para o palácio ele prometeu me matar, sabe? Eu ainda espero que ele faça isso. Só… Só esperava que ele ao menos me desse a chance de conhecer o Omar antes disso. Não quero morrer sem antes conhecer o meu filho, entende? ― Silêncio.
Inspirei fundo olhando novamente o céu. Um vento fraco percorria as rosas silenciosas completando o silêncio. Voltei a falar novamente.
― Eu sei o que a minha mãe passou antes de morrer de câncer, o quão difícil deve ter sido para ela me criar. Eu não agouro o meu pai, nem o blasfemo, mesmo que ele não seja o melhor exemplo de pai. Mas eu sei que devemos confiar em Deus, porque eu também nunca me imaginei aqui sendo Rainha. E para tudo Deus tem um propósito na nossa vida se nós continuarmos seguindo no caminho do bem. ― E para a minha surpresa, Zafaar me interrompeu:
― Eu não consigo deixar de odiar o meu pai pelo que ele me fez. ― Concordei com a cabeça.
― Você tem mãe, Zafaar?
― Tenho.
― E você ama ela?
― Mas que pergunta é essa, Sua Majestade? É claro que eu a amo. ― Ele parecia levemente insultado. Abri um mini sorriso.
― Não se concentre no seu pai. Se concentre no amor da sua mãe e seja o melhor filho que ela espera de você. Se esforce bastante para isso e você verá que seu pai nem sequer passará mais pela sua cabeça. Pessoas tóxicas não merecem espaço no nosso coração. ― Zafaar pareceu ficar longos segundos absorvendo as minhas palavras.
― Rainha Karen… ― Ele começou timidamente.
― Pois não?
― Você acha que todos nós podemos arrepender dos nossos atos e voltar atrás?
Sua fala me fez pensar por longos segundos na minha situação com Karim. Eu escondi dele o fato de que ele seria pai. Lidei com a situação da melhor maneira que consegui e foi bem sofrido. E me arrependia bastante, porque tinha certeza de que Karim estava disposto a me ajudar a carregar esse peso nas costas. Mas mesmo que tarde, eu aceitei que ele fizesse parte da vida do filho. Eu aceitei que ele estivesse ali para me ajudar a carregar o mundo que eu insistia em carregar sozinha.
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